Literacies

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Arquivo mensal: setembro 2016

Reflexões sobre comunicação científica e literacia midiática

literacia

A última pesquisa realizada para medir a percepção pública da ciência e tecnologia (C&T) no Brasil traz um dado importante relativo à tendência do consumo midiático contemporâneo. Trata-se do uso da internet e das redes sociais digitais como fonte de informação para pesquisas científicas – saltou de 23%, em 2009, para 48%, em 2015. Ressalta-se que o item relativo ao nível de consumo, muita frequência (18%), já se aproxima ao da TV (21%), sendo que a faixa etária do público que utiliza a internet como fonte de pesquisa é muito maior entre os jovens – chegando a 32% entre 16 e 17 anos, caindo para quase 6% entre os que possuem mais de 55 anos, segundo dados do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, (CGEE).

Não precisa ser especialista para perceber que os pesquisadores que pretendem dirigir-se a um público amplo e heterogêneo, para além dos pares, e de maneira direta (sem os filtros da mídia hegemônica), deverá dominar competências relativas às redes sociais digitais, sobretudo às formas narrativas audiovisuais – já que é possível perceber também a centralidade do vídeo na contemporaneidade.

Entretanto, tais afirmações podem levantar algumas questões ao leitor mais ingênuo: primeiro, por que um cientista deveria estar preocupado em se comunicar para esse público? A resposta é uma outra pergunta: por que ele não faria isso? E mais, por que a maioria não realiza uma comunicação direta com a sociedade? Ao realizar uma pesquisa utilizando o YouTube, em novembro de 2015, sobre a divulgação científica das universidades, foi possível perceber que apenas 9 das 38 TVs Universitárias com canais no YouTube apresentam programas específicos de divulgação da ciência (quadro 1). É claro que este número aumenta a cada dia, entretanto, não se espera um aumento significativo.

 

Região

Quantidade de TVUs com canais no youtube Nº de TVUs que apresentam programas de divulgação científica no youtube Nº de TVUs que não apresentam programas divulgação científica no youtube

Sudeste

18

6 12

Sul

9 1 8

Nordeste

5 1

4

Centro-oeste 4 1

3

Norte 2 0

2

Total 38 9

29

Quadro 1: TVUs por região no YouTube (nov. 2015)

A outra questão está relacionada ao segundo passo, ou seja, aos pesquisadores que têm interesse em realizar tal comunicação com a sociedade e que necessitam dominar as linguagens e códigos midiáticos das redes sociais digitais, e, especificamente, da linguagem audiovisual. Os estudos em Comunicação Social têm apontado que a definição de tal competência está relacionada à literacia midiática. O conceito, além de englobar a leitura correta dos códigos midiáticos, ou seja, a alfabetização da mídia a partir da leitura desses códigos, também está relacionado ao domínio dessa mesma linguagem para seu uso adequado.

Assim, a comunicação efetiva para o crescente público conectado, e que utiliza a web como fonte de pesquisa, necessita de um domínio das “regras gramaticais” dessa mídia. O objetivo é muito simples: compreender e ser compreendido,  para que aqueles que desejam a implantação de uma cultura científica na sociedade não morram à margem de uma cultura informacional.

 

Referências:

CGEE. Percepção pública da ciência e tecnologia 2015 – Ciência e tecnologia no olhar dos brasileiros. Sumário executivo. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2015.

COUTINHO, I; LOBÃO, R. TV Universitária e Divulgação Científica. XIII Encontro Regional de Comunicação. Juiz de Fora, MG, 2015.

“No fundo, a Fotografia é subversiva, não quando aterroriza, perturba ou mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa”

Literacia midial se mostra uma ferramenta capaz de promover a reflexão crítica sobre a imagem no atual contexto de abundância fotográfica

 

A Literacia Midial preconiza o pensamento crítico, a capacidade de filtrar informações e avaliar as mensagens que os meios de comunicação disseminam. A fotografia, em tempos de cultura digital altamente conectada, se transformou em um eficiente instrumento de comunicação, porém, seu potencial transcende o simples caráter noticioso.  A fotografia traz consigo um misto de sentidos e intenções engastados em sua essência que podem passar despercebidos pelo espectador menos atento. É nesse aspecto que a Literacia Midial, mais especificamente a Literacia Visual, pode oferecer ao indivíduo ferramentas que promovam a reflexão, de modo a auxiliá-lo a se tornar um cidadão mais socialmente engajado.

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Smartphones com câmera e acesso à internet têm transformado a relação do indivíduo com a fotografia. Fonte: Mídia NINJA

“No fundo, a Fotografia é subversiva, não quando aterroriza, perturba ou mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa” (BARTHES, 2015, p.36). Vivemos cercados de imagens por todos os lados, nas ruas, nas lojas, nas bancas de jornal, nas redes sociais: a fotografia é um elemento onipresente. Assim, o hábito de questionar e refletir sobre as motivações inerentes a uma imagem é parte do exercício do pensamento crítico, pois nada é mostrado de forma fortuita. “É necessário que o leitor se torne um observador e associe a sua literacia visual à sua capacidade de interpretação, quer seja da foto, do texto ou do seu conjunto, para que compreenda toda a informação transmitida” (FRANÇA, 2014, p.103).

No atual contexto, onde boa parte da comunicação é viabilizada através de fotografias, cinema e televisão, a alfabetização para leitura de imagens é de suma relevância. “O alfabetismo visual tem sido e sempre será uma extensão da capacidade exclusiva que o homem tem de criar mensagens. A reprodução da informação visual natural deve ser acessível a todos. Deve ser ensinada e pode ser aprendida […]” (DONDIS, 1991 apud RIMOLI E CAMARGO, 2013, p.2).

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Literacia Midial pode fomentar a reflexão crítica do sujeito sobre a imagem. Fonte: Mídia NINJA

Sendo a “fotografia uma extensão de nosso próprio ser” e, além disso, por ser um meio de transmissão de mensagens capaz de introduzir mudanças de padrão, cadência e escala nas coisas humanas (MCLUHAN, 2007, p.22), inclusive naquelas de nível cognitivo, é necessário repensar as formas de educar para o consumo consciente das imagens. Por este motivo, é possível inferir que a Literacia Midial, de ordem visual ou geral, pode moldar indivíduos autônomos, capazes de analisar e questionar as mensagens que são carreadas através das milhões de imagens que lhe bombardeiam o olhar diariamente.

 

BARTHES, Roland. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.

FRANÇA, Joana Beatriz Simões. O que (não) veem os nossos olhos. Fotojornalismo na imprensa portuguesa. 2014. 143f. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Jornalismo) – Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2014.

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicações como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 2007.

RIMOLI, Ariane Porto Costa; CAMARGO, Vera Regina Toledo. Literacia midiática: o cenário da culturalidade e as relações com a sociedade, a obra e sua (re) leitura audiovisual. 2013, p. 1-4. Disponível em: < http://comciencia.scielo.br/pdf/cci/n154/a11n154.pdf>. Acesso em: 25 set. 2016.

 

Uma Arqueologia da classe trabalhadora

Em suas obras, Richard Hoggart e Sebastião Salgado despertam o nosso olhar para os efeitos sociais da cultura de massas.

por Sabrina Chinelato

“Estas imagens, estas fotografias, são o registro de uma era – uma espécie de delicada arqueologia de um tempo que a história conhece pelo nome de Revolução Industrial” (SALGADO, 1993). As legendas das imagens do fotógrafo militante brasileiro Sebastião Salgado apresentam seu trabalho como uma forma de resistência ao incluir a dignidade e os direitos do ser humano no ambiente de trabalho e, desta maneira, destacá-los da massa.

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Trabalhadores de Serra Pelada. Foto: Sebastião Salgado.

Com um acervo que reúne 350 fotografias, Salgado, em sua obra Trabalhador – Uma arqueologia da era industrial (1993), constrói um discurso que registra as penosas condições de trabalho da modernidade. O fotógrafo recupera, desta forma, algumas das ideias antropológicas e culturais de Richard Hoggart. Natural de uma família da classe trabalhadora, Hoggart interrogou os usos e os efeitos sociais que as novas formas massificadas de comunicação e de literacia implicavam nas classes populares.

O autor contribuiu para uma revolução crítica das ciências sociais e humanas, ajudando a erguer os Estudos Culturais como projeto intelectual — de compreensão do fenômeno das indústrias culturais — e também como projeto de intervenção crítica na sociedade.

Do mesmo modo, a produção artística da fotografia em preto e branco de Sebastião Salgado permitiu que a representação do trabalho saísse das frias estatísticas das instituições e da mídia e passasse para o universo de reflexão, de literacia.

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Trabalhadores. Foto: Sebastião Salgado.

As imagens de Trabalhadores, ao mostrarem outra realidade ao observador, criam uma peculiaridade à linguagem visual, pautada na abordagem temática realizada pelo artista. Nesse sentido, as impressões registradas pelo fotógrafo têm por função recortar um determinado cenário. Quando recebidas por um observador, tais imagens apresentam variadas possibilidades de interpretações discursivas.

A partir da reflexão acerca das imagens de Salgado, podemos perceber os detalhes registrados pelo autor, o qual produz uma linguagem visual que favorece uma construção discursiva, uma literacia por parte do observador da obra.

Neste contexto da literacia, Hoggart foi um defensor de uma “literacia crítica” enquanto instrumento de cidadania plena. Sem literacia e sem opinião crítica, o exercício dos deveres e o desfrute dos direitos de cidadania eram para ele tidos como inalcançáveis.

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“Ainda é tempo de incluir essas vidas, nossas vidas, no seu sentido próprio, no seu sentido verdadeiro: o sentido, muito simples, da vida, da sua dignidade, de seus direitos.” (SALGADO, 1993). Foto: Sebastião Salgado.

A obra de Hoggart The Uses of Literacy: Aspects of Working-Class Life (1957) tem ideias críticas sobre os efeitos sociais da chamada cultura de massas como pano de fundo. Para além desse empreendimento, sua obra apresenta uma reflexão original de um contexto histórico que confrontou os valores, regras e práticas culturais heterogêneas das classes trabalhadoras urbanas com as novidades políticas, econômicas e socioculturais do pós-guerra na Inglaterra.

Em suma, as transformações na economia e o cenário emergente da cultura de consumo, nas quais as mídias e a publicidade estabelecem o seu sentido, acarretavam a desestruturação do tradicional universo cultural de classe operaria. Desta forma, Hoggart enuncia que as classes populares estavam prestes a se tornar “culturalmente sem classe”.

Sendo assim, a delicada arqueologia de Sebastião Salgado, de certa forma, faz com que as imagens do trabalho conservem seu sentido original, fiquem congelados no tempo. São arquivos de uma memória coletiva que possuem uma estética rica em novos sentidos aos trabalhadores e ao trabalho, carregando consigo, assim, os ideais de Hoggart de uma “literacia crítica” enquanto instrumento de cidadania plena.

Referências:

CUNHA, Diogo. Usos e Abusos da Cultura. Richard Hoggart e a Cultura Vivida da Classe Trabalhadora. Comunicação Pública [Online], Vol.9 nº16 | 2014, publicado em 15 Dezembro 2014, consultado o 22 Setembro 2016. URL:http://cp.revues.org/861.

HOGGART, R. The Uses of Literacy: Aspects of Working-Class Life with special reference to publications and entertainments. Londres, 1957.

MACHADO, Rodrigo. Arquivos fotobiográficos do trabalho. Juiz de Fora: Ipotesi, v.16, n.1, p. 79-86, jan./jun. 2012.

SEBASTIÃO, Salgado. Trabalhadores: uma arqueologia da era industrial. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Artigo online do journal The Guardian, publicado em 17 de abril 2014, consultado o 23 Setembro 2016. URL: https://www.theguardian.com/books/2014/apr/10/richard-hoggart.

Literacia, suas bases teóricas e o ativismo

Todo tipo de paradigma, linha de pesquisa ou desenvolvimento teórico-conceitual possui três partes constituintes que podemos considerar como o seu corpo existencial. Aquele que a priori é percebido em uma leitura ou análise, seja ela superficial ou não, é o Texto. Esse é propriamente aquilo que aquela teoria ou linha de pensamento se propõe a dizer. Entretanto, vinculado a este texto, temos ainda o Contexto no qual aquela ideia foi desenvolvida, localizando assim a dita linha de pensamento em um determinado tempo e em um determinado momento histórico, os quais influenciam seu desenvolvimento. Somado aos dois anteriores, temos, finalmente o Pré-texto, que são todos os textos anteriores a esta teoria em questão, que influenciaram direta ou indiretamente a sua construção.

Dessa forma, cabe a nós pensar por um momento sobre as bases da Literacia, observando como pré-texto e contexto auxiliaram no desenvolvimento dos estudos iniciais sobre o uso da linguagem por um sujeito ou classe de sujeitos. Como vimos durante as aulas, um dos momentos centrais que pode ser considerado como o pré-texto para o surgimento dos estudos da Literacia é a criação, em 1964, do Centro para Estudos da Cultura Contemporânea (CCCS), por Richard Hoggart. Assim como a linha de estudos culturais que se desenvolveu a partir daí, com as contribuições também de Raymond Williams e Stuart Hall.

Foi este último que, como diretor do CCCS, estabeleceu a orientação de que o saber acadêmico produzido ali deveria produzir impactos ideológicos significativos, dando a ele feições mais críticas, associando em seus estudos a relação entre Cultura e Poder. Foi esta relação que migrou para os estudos sobre a Cultura nos Estados Unidos, nos anos 1970. Assim, com a contribuição de pensadores como Foucault, Derrida e Deleuze, essa área de estudos passou a tratar seus temas com a lógica da “desconstrução”, ou seja, dando um olhar crítico às relações entre um determinado texto e o sentido ao qual ele está vinculado. Isso, visto atualmente, poderia ser considerado como uma análise crítica das Literacias de uma determinada cultura, assim como as relações de poder vinculadas ao uso da linguagem em uma dita sociedade.

Se há algo em que os estudos sobre a cultura têm em comum, independente do país de origem de seus pensadores, seria a consciência crítica que as teorias pregavam. Dessa forma, sendo os pensadores americanos ou europeus, o movimento de politizar a teoria se fez válido principalmente pelas influências de textos anteriores como o Feminismo e os Estudos de Gênero; os estudos sociocríticos inspirados no marxismo; a crítica cultural e vários outros que podemos considerar também como “pré-textos” que culminaram nos estudos sobre Literacia.

Ora, vimos nas semanas anteriores que a Literacia é a habilidade de cada sujeito em compreender e utilizar os artifícios e informações de uma determinada língua em prol de um empoderamento social, tornando-o apto a consumir e produzir informações de modo a utilizá-las de modo criativo e produtivo para si e para o meio no qual ele vive. Analisando o desenvolvimento histórico dos estudos culturais e o consequente ativismo político por parte de alguns dos seus principais pensadores, não seria então o próprio desenvolvimento dos estudos sobre a Literacia um ótimo exemplo sobre a própria Literacia em funcionamento?

Podemos afirmar que sim, se partirmos do princípio de que os chamados estudos culturais iniciados e consolidados na CCCS proporcionaram uma verdadeira “literacia social”  a partir da década de 70, no sentido de que os textos de autores como Hoggard, Williams e Hall, que integravam a minoria trabalhadora,  determinavam o lugar de fala dessa classe que anteriormente não tinha voz. Esses e outros autores passaram a levantar temáticas antes nunca abordadas por outros teóricos e estudiosos. Com linguagem, postura e discurso diferenciados e carregado de vivência, a habilidade de questionamento da realidade até então inquestionável foi sendo desenvolvida e expandida para além dos ideais.

As obras de Hoggard, Williams e Hall podem ser consideradas não somente um olhar específico, uma pesquisa, mas também uma documentação de como as classes abordadas viviam. Era uma abordagem de dentro do meio que viviam para fora. Um trabalho tão singular que inspirou um documentário sobre universo cultural e político do século XX chamado “The Stuart Hall Project”.

Nesse aspecto em especial podemos relacionar os estudos culturais não somente com a literacia, mas também com o ativismo, nesse caso social. Ainda utilizando o mesmo exemplo, uma vez que a habilidade do pensamento crítico foi desenvolvida, o discurso foi construído e esse conhecimento difundido, todos que tiveram acesso a esse  ideal formado se tornou apto a questionar a realidade e portanto a lutar por essa mudança. O ativismo na grande maioria das vezes está diretamente associado ao conhecimento, uma vez que para ser legítimo precisa ter argumentos sólidos e bem fundamentados. E outro ponto em comum é justamente o ponto de partida: as minorias, que são uma das maiores  motivações para para o ativismo.

Já percebemos que há uma convergência  entre os Estudos Culturais, a Literacia e o Ativismo. Mais precisamente podemos afirmar que esses conceitos são intrínsecos na essência de suas questões, uma vez que, os Estudos Culturais representam o cerne da questão da Literacia que por sua vez têm proporcionado o Ativismo atualmente, principalmente nas redes sociais. Essa relação somente reforça a complexidade da temática e o quanto precisamos nos aprofundar nos conceitos base da Literacia afim de compreender seu lugar na pesquisa e na sociedade.

Estudo Culturais, Literacia Midial e a campanha da Vogue para as Paralimpíadas

Os Estudos Culturais reúnem as primeiras teorias que versam sobre a força dos receptores no processo de comunicação. Eles diferem assim da Teoria da Agulha Hipodérmica, a qual ditava que o público era totalmente passivo, ou da Indústria Cultural, que pregava a manipulação dos consumidores pelas grandes empresas midiáticas com seus produtos em série. Os Estudos Culturais defendem que a audiência se apropria dos conteúdos de mídia tradicional e promove ressignificação, não sendo totalmente inerte. Não haveria, assim, uma rígida divisão entre produtores e consumidores.

Desta forma, os Estudos Culturais se preocupam com a cultura das minorias, daqueles que estão fora da cultura hegemônica e de como eles podem transformar a vida social a partir de suas “subculturas”. Neste contexto, analisa como as pessoas utilizam os tradicionais meios de comunicação e, a partir deles, geram múltiplas interpretações, apropriações e até mesmo resistências.

A partir desse ponto de vista, podemos dizer que os Estudos Culturais convergem com a Literacia Midial na medida em que esta também reconhece os receptores não como agentes passivos, mas como co-produtores, os quais recebem as mensagens da grande mídia e têm capacidade de atribuir a elas novos significados. Isso fica ainda mais evidente com advento da internet. Segundo Ferrés e Piscitelli (2015), a competência midiática, ou Literacia, pretende mesclar as oportunidades da cultura participativa (JENKINS, 2009) e o crescimento da capacidade crítica.

Para o estudo da competência midiática, Ferrés e Piscitelli (2015) propõem seis dimensões, dentro das quais estão uma série de indicadores. Estes indicadores são relacionados no âmbito da análise, ou seja, na forma como as pessoas interagem com as mensagens recebidas; e no âmbito da expressão, que significa como os indivíduos produzem e divulgam suas mensagens.

Como exemplo da capacidade de o público receber as mensagens, resistir a elas, dar novas interpretações e produzir seu próprio conteúdo, podemos citar a campanha da Vogue para as Paralimpíadas que, ao invés de usar atletas paralímpicos, optou por artistas globais (Cléo Pires e Paulinho Vilhena). Segundo o site da Vogue, os atores aceitaram ser os embaixadores do Comitê Paralímpico Brasileiro e fotografarem para a campanha “Somos Todos Paralímpicos”, no intuito de “dar maior visibilidade aos paratletas e mostrar sua relevância para o esporte nacional”.

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Entretanto, o público em geral não aceitou passivamente a campanha e a justificativa para que fosse feita dessa forma. A resistência apareceu, por exemplo, na forma de várias postagens no Twitter, inclusive dos próprios portadores de necessidades especiais, os quais não concordaram com a foto.

Dos Estudos Culturais à Literacia Midial, vemos um público que não aceita ser apenas receptor. A audiência quer ter voz e, com a internet, possui ainda mais ferramentas para atuar no processo de comunicação antes dominado pelas empresas midiáticas.

Referência

FERRÉS, Joan; PISCITELLI, Alejandro. Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. Tradução: Amanda Cadinelli, Amanda Cordeiro Padilha e Carla Gonçalves. Revisão: Ana Inés Garaza, Vitor Lopes Resende e Gabriela Borges. Lumina, Juiz de Fora, v. 9, n. 1, p. 1-16, jun. 2015. Disponível em: <https://lumina.ufjf.emnuvens.com.br/lumina/article/view/436&gt;. Acesso em 8 jun. 2016.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: 2009, Aleph.

Internet facilita a concentração de Fandoms do Fluminense em Juiz de Fora

Um grupo no Facebook só para quem gosta do Fluminense em Juiz de Fora. Sem preocupação, reproduzem fotos dos jogadores e informações sobre o time carioca. Os fãs Tricolores sabem onde expressam suas ideias e onde encontram pessoas com o mesmo gosto futebolístico. Além de conseguirem informações em primeira mão, debatem mudanças, organizam caravanas para jogos, camisas personalizadas, mosaicos do time, festas, interação com torcedores do time. Os fandoms do Fluminense não são os únicos a terem uma concentração on-line. O espaço virtual potencializa o relacionamento e o poder do fã.

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Muitos termos diferentes surgiram nos últimos anos. As comunidades on-line de fãs surgiram com a facilidade de se encontrar pessoas com adoração pelo mesmo conteúdo. Para esse tipo comunidade é dado o nome de fandom, nele há apropriações de textos, troca de informações, entre outros.

Para Jenkins (2006) o momento atual coloca o fã num ponto central na dinâmica da cultura, fãs utilizam a tecnologia para se apropriar da informação o transformado criativo e engajado. Construindo uma rede de interesse em determinado assunto. O grupo  Torcida Young Flu 30ªNcl – Minas Gerais possui fãs, mesmo de diferentes localidades, interagem sobre assuntos de interesse em comum. Debatendo sobre o time, opinando sobre o deveria ser feito e até mesmo conseguindo furos jornalísticos, por terem contatos de amizade com jogadores  e dirigentes do time.

De acordo com Jenkins (2006), amadores da web experimentam e inovam desenvolvendo novas práticas, temas, gerando material que atrai seguidores. O trabalho de fãs não pode mais ser entendido apenas como uma derivação do material das mídias de massa, mas sim como remixagem pela indústria da mídia. E isso tudo faz parte da cultura da participação, usual, estruturante e caracterizante da cibercultura.

Bibliografia: JENKINS, Harry. (2006)Fans, Bloggers and Gammers: Exploring Participatory Culture, New York University Press, NY,

Afinal, pra que servem as Literacias?

Podemos facilmente dar uma definição simplificada do termo Literacia, sendo este a habilidade desenvolvida por cada sujeito de compreender e utilizar informações em uma determinada língua. Esta definição superaria a simples compreensão do material informativo, indo em direção a um processamento generalizado de informações, tornando o sujeito apto a utilizá-las de modo produtivo em sua vida pessoal ou profissional. Mas essa definição deixaria totalmente claras as funções da literacia em nossa atual cultura?

De início já temos uma pauta a levar em consideração nessa questão: o advento das novas tecnologias da informação que tiveram seu boom no final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Como Marshall McLuhan apontou em seu livro de 1964 – Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem – as tecnologias servem de extensão para nossas capacidades, desde a roda até o Facebook. Entretanto, essas novas tecnologias ligadas a mídia são consideradas não como extensões do nosso corpo, mas sim extensões do nosso intelecto. Dando continuidade a essa ideia, Henry Jenkins, em seu livro publicado no Brasil em 2009, Cultura da Convergência, nos mostra como a cultura se transformou com essas novas tecnologias, tornando os consumidores mais participativos e as relações nas redes sociais mediadas pela internet mais horizontalizadas.

Com tudo isso e muito mais em interação em nossa atual ambiência, não seria inesperado que nossas literacias se modificassem. Agora, temos a chamada Literacia Midial, que traz, além das características da Literacia tradicional, novas maneiras de ler, escrever e falar, todas impraticáveis antes da popularização da internet. Com essas novas formas de escrever, ler e falar de um modo geral, nossas capacidades de uso dos códigos e signos de uma determinada língua (no nosso caso o português principalmente) são desenvolvidos de novas formas, suas possibilidades aumentadas exponencialmente e a capacidade de utilizar tudo isso de forma produtiva, igualmente aumentada.

Com o advento da internet todos os sujeitos em uma determinada sociedade aumentaram a potencialidade do alcance daquilo que falam e emitem. Como vivemos em uma cultura convergente/participativa, tudo que consumimos podemos converter em matéria prima de novos conteúdos que passamos a emitir. Isso se dá em qualquer área, de ciência aplicada à cultura pop. Nesse contexto, a literacia mostra como possui características tanto autodirigidas como alodirigidas, sendo que absorvemos as informações que nos interessam e, dentro de nós, sintetizamos novas informações a serem compartilhadas para muitos outros, geralmente em mídias sociais como o Twitter e o Facebook, por exemplo.

Com essa influência cada vez maior dos meios de comunicação e as mídias em geral nas vidas de cada indivíduo em nossa cultura, vemos então a importância da Literacia, assim como a sua função primordial. A Literacia, nesse contexto, é um modo de empoderamento (empowerment) dos sujeitos ao ponto dos meios influenciarem esses sujeitos de modo a agregarem elementos às suas potencialidades/capacidades. Esse empoderamento ligado a compreensão e utilização de linguagens é capaz de desenvolver novas vias de pensamento e compreensão de dispositivos sociais e mobilizar mudanças capazes de contemplar essas novas necessidades. Isso dá aos sujeitos um poder maior de intervenção na cultura, capacidade de despertar certa sensibilização pessoal e social; dá também a capacidade de escolha somada a um julgamento mais crítico de informações e situações em geral, tornando as pessoas por fim mais dinâmicas em sua vivência diária em sociedade.

Outras considerações que também caracterizam a Literacia são tomada de decisão e a descentralização. Mas principalmente a responsabilidade correspondente à essas consequências de mudanças de padrões, pois essas causam o fortalecimento das capacidades latentes, da sensibilização, da consciência criativa e dos poderes de intervenção e escolha, que caracterizam a proatividade. Em um esquema simplificado podemos considerar como “criação – compreensão – utilização – capacidade de acesso”, onde os sentidos e direções variam para os dois extremos de cada ponto.

Sendo assim, chamamos as literacias no plural por conta da particularidade com a qual cada sujeito vai utilizar dessa função de combinação e interpretação de informações em sua cultura. Numa ambiência repleta de fontes informacionais distintas, é interessante analisar o(s) uso(s) que cada pessoa ou grupo de pessoas dá a estas informações e instrumentos. Se  a mídia e as tecnologias em geral são nossas extensões, como o professor canadense afirmou no século passado, estudar o alcance que essas extensões nos proporcionam e analisar até onde vai as potencialidades humanas de criar, reinventar e transmitir. É estudar, assim, como se formam e como funcionam as nossas diversas Literacias.

Booktubers, cultura participativa e educação midiática

Somos seres participativos. A vontade de narrar e recontar o mundo e as experiências que nos cercam, estão presentes na história da humanidade desde os tempos mais remotos. Essa necessidade, quase primitiva, permitiu a expansão das diversas formas de comunicação e interação, que culminaram com a criação dos veículos de comunicação de massa. A popularização subsequente destes veículos possibilitou, aos grandes conglomerados de comunicação e mídia, a transmissão de informações e entretenimentos diversos a milhares de pessoas por todo o mundo. Entretanto, enquanto receptores, ao público não era permitido ou encorajado um maior diálogo com o seu emissor; a comunicação funcionava quase que em sentido único, sem retorno. Não por acaso, as primeiras teorias de comunicação versavam sobre o papel passivo e quase submisso da audiência.

Ao passo que hoje, vislumbramos um cenário totalmente diverso: com a ampliação da comunicação digital em rede e a maior acessibilidade do público à internet e a todo ambiente online, a voz, antes relegada dos receptores, adquire agora o status de protagonista do processo comunicativo. A audiência é agora barulhenta e participativa, quer ser ouvida e também quer produzir e selecionar os conteúdos que mais dialogam com seus interesses. Ineridos neste contexto, vimos emergir a figura dos booktubers, leitores amadores de vários segmentos literários que, não satisfeitos com o ato solitário e individual de ler um livro, se comprometem agora em falar desse livro, resenhá-lo e discuti-lo na internet, em conjunto com seus seguidores. Estes seguidores, em contrapartida, também interagem fortemente, evidenciando que uma comunicação mais interativa e participativa está ganhando força e se tornando expressiva, fora dos limites e fronteiras da comunicação de massa tradicional.

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O teórico Pierre Lévy (1999) explica que os computadores e as redes interativas nas quais eles estão ligados, permitem o contato e interação entre indivíduos diversos, em todos os lugares.  Nesse sentido, destacamos o termo “imersão” com o qual ele designa a forma pela qual este novo ambiente está se configurando. Ou seja, para o autor, estamos todos imersos em uma mesma substância, ou em um mesmo “dilúvio da comunicação”, não havendo mais espaço para uma totalização quando tratamos das novas relações comunicativas que se desenvolvem no ambiente online.

Mais do que um grupo de leitores falando sobre livros para diversos outros grupos de leitores, o fenômeno dos booktubers está ligado a um importante paradigma no que se refere à competência da literacia midiática, ou seja, a capacidade de codificação e decodificação de mensagens da mídia que, aliada a uma inteligência e compreensão dos meios de produção e difusão de conteúdos online, permite a estes formadores de opinião, a divulgação de conteúdos e mensagens audiovisuais que são absorvidas e reinterpretadas por milhares de seguidores diariamente.

Se, por um lado, o atual ambiente virtual evoluiu para outros formatos, criando formas inéditas de publicação em texto, áudio e vídeo, dispensando complexos recursos tecnológicos e estruturais, por outro lado, os novos emissores dessa estrutura midiática também estão evoluindo, buscando e aperfeiçoando diferentes formas de interação com seu público, através da compreensão e domínio no uso de ferramentas de marketing digital nas redes sociais e de plataformas como o YouTube.

Um dos maiores canais brasileiros do nicho dos booktubers, o Perdido nos Livros  de Eduardo Cilto contabiliza 9.551.800 visualizações e 255.294 inscritos, desde a sua criação em novembro de 2012. Além do YouTube, Eduardo também está no Facebook, Instagram, Twitter e Snapchat (EduardoPNL). Apesar do canal ser sua principal plataforma de difusão de conteúdo, propriamente dito, sua presença e atuação nas demais redes possibilita o fortalecimento de seu capital social junto ao público. Uma vez que, as novas interações entre produtores e consumidores operam, em grande parte, em nível simbólico, onde o valor sentimental e o interesse pessoal estão fortemente relacionados, não basta falar, é preciso falar sempre e fornecer informações novas e diversas, em cada rede, todos os dias.

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Fonte: http://www.youtube.com  / Clique para ver o vídeo

O afastamento gradativo das mídias que pressupõe puro consumo, como a televisão tradicional, para as mídias que ensejam o diálogo, a conversa e a troca de experiências e informações, como as redes sociais, vem demonstrando que a tecnologia está sendo consumida também de forma social, na medida em que, ao acessar a rede para comentar, compartilhar ou interagir, os indivíduos também estão buscando formas de acessarem-se mutuamente (SHIRKY, 2010). Desta forma, a destreza com que os digital influencers fazem uso das diferentes ferramentas do ambiente tecnológico, colabora para que ganhem projeção junto a um público que anseia por uma forma mais igualitária e participativa de comunicação.

É preciso, portanto, entender as novas mídias sobre três perspectivas: as pessoas querem não somente consumir, mas também, paralelamente, produzir e compartilhar simultaneamente. Este triplo movimento desta forma de comunicação, enseja que, não apenas os influenciadores, mas principalmente o público receptor, desenvolva uma compreensão maior no que tange à literacia das mídias e à educação midiática, de modo a consumirem os conteúdos veiculados de forma criteriosa, decodificando cada mensagem, compreendendo os mecanismos de sua distribuição, seus códigos e sinais, de modo a também conseguirem atuar como produtores de conteúdo, compreendendo os mecanismos de produção das mensagens e os suportes técnicos e simbólicos que possibilitem sua melhor propagação.

Karina Menezes Vasconcellos – Mestranda em Comunicação e Sociedade PPGCom UFJF

REFERÊNCIAS

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

SHIRKY, Clay. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.