Literacies

Fato ou Fake: a resposta do jornalismo para as notícias enganosas

por Aline Pinna

 

Depois de ter sido considerada a palavra do ano de 2017, conforme o site BBC (British Broadcasting Corporation), a expressão fake news (em português significa notícias falsas) continua sendo bastante discutida. Isso porque todos os conteúdos que são publicados na Internet são espalhados de forma muito veloz. Logo, há uma influência muito grande sobre a opinião pública.

Como fala João Vitor Gonzaga (2017), por conta dos efeitos perigosos e daninhos que as notícias falsas causam, as redes sociais decidiram buscar combater os usuários que disseminam as informações enganosas e, também, aquelas pessoas que não fazem por mal, mas acreditam em qualquer conteúdo e acabam propagando as notícias manipuladas.

Por conta da crescente disseminação de conteúdos duvidosos, Gonzaga (2017) cita uma pesquisa divulgada pelo Instituto Reuterns onde fala que nos próximos anos haverá uma ampliação das ferramentas para a análise das informações distorcidas. Hoje, podemos reparar que o jornalismo atual está trabalhando para lutar contra as fake news. Vemos isso com a criação de uma nova editoria: Fato ou Fake.

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Essa nova criação televisiva e online parece que é o resultado que os jornalistas/comunicadores viram para encarar as notícias manipuladas nas suas plataformas, aplicativos e redes digitais. Criada em 30 de julho de 2018, o novo projeto busca esclarecer o que é informação e o que é boato. O objetivo é de alertar o público sobre as notícias falsas propagadas na Internet ou pelo celular.

Para isso ocorrer de forma bem apurada, a editoria é formada por diversos jornalistas da Globo News, TV Globo, G1; jornais Globo, Valor e Extra; Revista Época e Rádio CBN. Essa junção monitora todos os dias as informações suspeitas que são compartilhadas de maneira rápida. Depois dessas checagens feitas pela equipe, os jornalistas divulgam as apurações em seus sites, emissoras e redes.

Outra questão importante dessa nova editoria é que todos os conteúdos que são averiguados pelo grupo jornalístico recebem um “selo”: fato, fake ou não é bem assim. A partir desses selos, as pessoas poderão compreender se a notícia é real, irreal ou se tem algo verdadeiro inserido no conteúdo verificado.

Portanto, percebemos que os novos recursos para combater as notícias falsas estão começando a surgir. O jornalismo teve que se adequar e se aperfeiçoar perante as inúmeras informações que aparecem diariamente. Assim, as técnicas jornalísticas devem ser usadas pelo enunciador, não deixando o furo jornalístico tomar conta, pois a publicação de uma notícia errada pode ser fatal.

 

Referências:

FAKE NEWS É ELEITA A PALAVRA DO ANO. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-41843695>. Acesso em: 25 de novembro de 2018.

GONZAGA, João Vitor de Lacerda. Uma análise das redes sociais na política brasileira. 2017. (Artigo de conclusão do curso Ciências Humanas, da Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF, 2017).

VÍDEOS G1 FATO OU FAKE. Disponível em: <https://g1.globo.com/fato-ou-fake/playlist/videos-g1-fato-ou-fake.ghtml>. Acesso em: 14 de dezembro de 2018.

Suicídio: precisamos de habilidades críticas para falarmos sobre

por Matheus Bertolini

O paradigma do silêncio ainda está associado à temática do suicídio. A mídia não noticia e as pessoas não são culturalmente educadas a dialogarem sobre a morte autoprovocada. O estereótipo e o preconceito que sustentam a temática distanciam a vítima e os sobreviventes de uma possível reinserção social e de uma assistência digna na valorização de sua vida.

Pouco se sabe sobre a temática, e menos ainda sobre a forma correta de tal abordagem. A máxima atual defendida pelo CVV – Centro de Valorização da Vida, é que “Precisamos falar sobre”. A ambiguidade da frase nos coloca em uma reflexão necessária de que as vítimas precisam de espaços confortáveis para o diálogo e, portanto, é crucial a escuta crítica de um par. Além disso, outro sentido está na importância de tirarmos o peso de tabu sobre a temática, a partir do momento que naturalizamos o feito e evidenciamos que todos estão propícios e que há um caminho alternativo no rompimento desse sofrimento.

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O criticismo para a contextualização do suicídio inicia-se, como já dito, na escuta crítica de um par. Isso significa a disponibilidade de escuta e auxílio que algum par (amigo, familiar, professor, ou outra pessoa que complete a confiança da vítima) oferece ao colocar-se a disposição da divisão daquele mal. Escutar criticamente o sofrimento do outro, é ouvir um grito por ajuda que muitas vezes é silencioso, é dispor-se a conhecer o próximo e a ti mesmo, é encontrar cura para alguém que já desistiu de viver.

Falar corretamente sobre o suicídio é outra tarefa que está emergindo na era digital. Os espaços conectados dão luz para uma contextualização embebida de sombras. Os tabus e estereótipos estão em uma linha tênue da propagação indevida e da possibilidade do rompimento de tais rótulos. Nessa ótica, é necessário que saibamos diferenciar o que é correto ou não nesses produtos que estão tomando conta de espaços digitais. A literacia midiática surge como a habilidade capaz de acender uma compreensão correta e ética diante a temática, promovendo mais conteúdos que valorizem a vida e não ajam no sentido reverso, ou seja, um gatilho.

Por fim, a construção desse criticismo não é fácil, de tal forma que inicia-se esse processo na educação e permeia-se por diferentes níveis culturais, sociais, psicológicos, tecnológicos, entre outros, que convergem o conhecimento, lastro e vivência desses prosumidores que tornam-se capazes de consumirem conteúdo de qualidade e, simultaneamente, interpretarem, produzirem e propagarem, materiais que não são nocivos e tóxicos, mas assumem em sua estruturação uma preocupação de ensino que vai para um aprendizado extra escolar, e assim, promovem a valorização da vida, o amparo aos sobreviventes e a instrução para que mais pessoas possam ouvir, ler e falar criticamente sobre a temática.

 

O arquivo, esse monstro temível e sedutor, é transparente e opaco

por Ramsés Albertoni

 

A artista plástica chilena Voluspa Jarpa possui uma obra que se caracteriza por refletir a respeito do problema do deslocamento dinâmico da cidade, a insegurança, o abandono a destruição, a história e a memória, incorporando as tecnologias digitais como ferramentas representacionais em seus trabalhos. Jarpa questiona as representações da história em diversos sistemas da imagem, como nos meios de comunicação ou na arte.

 

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Foto: Ramsés Albertoni

A instalação da artista, Histórias de aprendizagem, participou da 31ª Bienal de Artes de São Paulo, que ocorreu em 2014. Os trabalhos da edição desta Bienal, intitulada Como (…) coisas que não existem, foram concebidos dentro do conceito de “projeto curatorial”, muitos realizados em colaboração entre dois ou mais indivíduos: artistas e profissionais de outras disciplinas, como pedagogos, sociólogos, arquitetos ou escritores. Firmou-se como uma exposição profundamente conectada com alguns temas centrais da vida contemporânea: identidade, sexualidade e transcendência.

A obra de Jarpa é uma instalação labiríntica e irregular composta, de um lado, por arquivos da CIA sobre a ditadura brasileira (1964-1985) revelados há alguns anos pelo governo dos Estados Unidos e, de outro, por documentos dos serviços secretos brasileiros produzidos durante os mandatos dos presidentes Getúlio Vargas (1951-1954) e João Goulart (1961-1964). Deste último, ela inclui também registros sobre o exílio no Uruguai e o suposto assassinato na Argentina, em 1976, investigado como parte do plano coordenado entre as ditaduras do Cone Sul conhecido como Operação Condor.

De acordo com a artista, é sintomático o fato de que, antes da liberação desses documentos ao acesso público, em todos eles haja trechos que foram riscados. Isso pode ser interpretado como o comportamento histérico que, na psicanálise freudiana, designa a impossibilidade de lidar com o trauma, pois o trauma é um relato arquivado e negado, e o sintoma, um arquivo cifrado. Aos riscos dos documentos originais, a artista soma a estrutura da instalação, que impede que o espectador tenha acesso aos documentos que estão diante dele, podendo apenas vislumbrar os que estão em segundo e terceiro planos. Dessa maneira, experimenta-se uma possibilidade como impossibilidade, o que remete a uma promessa de revelação que, na verdade, se concretiza como repressão.

Jarpa realizou várias obras a partir de arquivos sobre o Chile e outros países latino-americanos revelados pelos Estados Unidos. Em todos os casos, analisa o que foi apagado e chama a atenção para a imagem resultante do documento que sofreu intervenção: uma imagem que expressa tanto a construção de visibilidades quanto a potência poética e política dos usos do arquivo, e que cria sombras no presente.

Dessa forma, o artigo reflete a comunicação humana como um processo artificial em que os símbolos se organizam em códigos, como formula Flusser (2007), que tecem “o véu do mundo codificado, o véu da arte, da ciência, da filosofia e da religião, ao redor de nós, e o tece com pontos cada vez mais apertados, para que esqueçamos nossa própria solidão e nossa morte, e também a morte daqueles que amamos”. O “mundo codificado” seria, então, aquele cujo significado geral da vida em si mudou sob o impacto da revolução na comunicação.

Por conseguinte, a questão a ser investigada é o que há por detrás das imagens criadas por Jarpa, numa sociedade em que a transparência é uma norma cultural, segundo o filósofo Byung Chul Han, cujos ditames impõem um sistema totalitário que suprime a alteridade, operando a “violência da positividade” em desfavor da “negatividade”.

O futuro não será digital

por Ramsés Albertoni

 

Vários pesquisadores na área de Inteligência Artificial pontuam que muitas das inovações tecnológicas já são realidade, pois todas as coisas estão conectadas sem bordas, objetos, máquinas e/ou artefatos, e já começaram a interagir de maneira inteligente, o que está gerando ações inteligentes responsivas ao comportamento humano. Dessa forma, o atual estágio de conexão proporcionado pelas novas tecnologias é considerado por alguns estudiosos como a quarta Revolução Industrial e a segunda Revolução da Internet, sendo que atualmente existem três camadas sobrepostas, quais sejam, a conectividade social, a conectividade híbrida e a arquiconectividade, conforme Lúcia Santaellla.

 

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A conectividade social se relaciona à nova fase das chamadas mídias sociais, porquanto findou a euforia celebratória da Web 2.0, pretensamente democratizante, aberta à participação e ao compartilhamento de todos com todos, haja vista que os oceanos de dados e rastros dos indivíduos são manipulados por poderosos algoritmos e por um monitoramento total. A conectividade social, responsável por uma personalização extrema dos dados, gera as chamadas “câmaras de eco” ou “salas espelhadas”, em que tudo o que as pessoas veem e consomem são reflexo de si próprias, cuja consequência são as bolhas filtradas, as fake news e a pós-verdade, o que as torna mais vulneráveis a propagandas e manipulações. Dessa forma, deve haver uma formação educacional, uma literacia midiática, que habilite o indivíduo a colocar suas visões de mundo à prova.

A conectividade híbrida se refere à robótica e à conexão com o corpo humano, pois com os algoritmos evolutivos, os robôs são capazes de aprender à maneira de um organismo vivo dotado de inteligência; consequentemente, com a fusão do biológico-digital-físico são desenvolvidos os mais diversos dispositivos que permitem sua aplicação em diferentes áreas do saber.

A arquiconectividade, cuja camada comporta a internet das coisas, a realidade aumentada e as tecnologias portáteis, vestíveis e implantáveis, permite ambientes de computação em redes globais e ambientes imersíveis invisíveis, em um tecido de informação de abrangência mundial.

É preciso considerar, portanto, que a AI provoca uma ruptura naquilo que se concebe como sendo o humano, pois ela possibilita que máquinas aprendam com as experiências, se ajustem a novas entradas de dados e performem tarefas como seres humanos, pois se configuram a partir da deep learning e do processamento de linguagem natural. Com essas tecnologias, os computadores podem ser treinados para cumprir tarefas específicas ao processar grandes quantidades de dados e reconhecer padrões nesses dados.

Porém, deve-se ressaltar que Pierre Lévy pondera que não acredita na AI, pois no que se refere ao ser humano, toda inteligência é artificial, “salvo se dissermos que a inteligência humana é artificial desde o começo, pois, no fundo, a escrita já é inteligência artificial; já é a memória sobre o papel ou numa biblioteca. O que é isso? É a memória exterior ao organismo humano; sim, pois a memória é uma parte muito importante da cognição humana”.

Entretanto, Santaella pondera que essas transformações não se dão de modo homogêneo, uma vez que as diferenças sociais e históricas são abissais entre os países, e que os limiares tecnológicos apresentados descrevem o estado em que se encontra hoje a evolução do homo sapiens sapiens. Neste ponto, Santaella se aproxima da questão do “viés sistêmico”, apontado por Henri Jenkins, em Cultura da Conexão, ou seja, o modo como a criação/consumo de conteúdo é restrito e desequilibrado por características demográficas dos participantes/não-participantes, pois os recursos tecnológicos não superam outros fatores que dão forma ao acesso relativo de grupos diferentes ao poder comunicativo e cultural. Assim, a não-participação pode persistir quando se tem acesso técnico, mas não as habilidades e o conhecimento cultural exigidos para se participar plenamente do universo arquiconectado.

Quem fornece o que, para quem, a que preço?

por Matheus Bertolini

O pensamento ecossistêmico diante a comunicação reconfigurou a perspectiva das relações estabelecidas entre o meio, mensagem e sujeito. Nessa ótica, o pressuposto emerge a partir do conjunto interativo síncrono entre a habitação de seres vivos e não vivos que se expandem nessas conexões, movimentações, fluxos e etc. Portanto, vale-nos a ressalva, que agora, portanto, esses seres abióticos – tecnológicos, algorítmicos, de design e interfaces responsivos; adquirem uma interferência na fruição e percurso desse usuário.

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O texto de José Van Dijck¹ contextualiza e norteia uma reflexão para a localização do papel dos algoritmos na direção dos desejos,  o poder dos usuários para controlar seus dados, a tensão aparente entre as comunidades, a comercialização da conectividade e o significado de “público” e “sem fins lucrativos” em uma ecologia dominada por forças corporativas.

A mineração de dados, por meio das métricas, cria uma captura para as tendências em tempo real. E por meio dessas hipóteses híbridas e suas reverberações, os dados desse sujeito tornam-se valiosos para o ambiente digital. Afinal os usuários precisam de plataformas para expressarem suas opiniões e expressões criativas, enquanto as plataformas precisam que os usuários canalizem suas expressões em formatos pré-definidos na construção das mesmas e dos seus bancos de dados.

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Dessa forma, existem duas visões diante esses consumidores, a primeira considera-os agentes no processo de produção, “livres” para abandonarem as plataformas e o fornecimento de dados. Por outro lado, são consumidores que não compreendem a lógica operacional, econômica e social que arquiteta o trancamento da sociabilidade estabelecida entre a linha tênue de público e privado.

De acordo com a autora, no ecossistema emergente, a palavra “livre” assume: conteúdos gerados gratuitamente pelos usuários, distribuição gratuita por plataformas e não contaminados pela mídia, comércio e interesses do governo. Porém a mesma palavra assume um valor antagônico, de “pago”. Não em dinheiro, mas na atenção dos usuários, bem como em sua criação e dados comportamentais.

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E, portanto, os conteúdos não possuem mais valor em si mesmo, ou seja, torna-se uma combinação de conteúdos (em sua essência, produção e criação), metadados (valores abióticos como já mencionado anteriormente) e dados comportamentais e de perfis (a inserção do sujeito e suas características cognitivas no espectro artificial digital) que tornam recursos conectivos interessantes para a construção desse fluxo hiperconectado.

Por fim, a pergunta que intitula esse pensamento está longe de ser respondida. Afinal, a retroalimentação entre consumo e consumidor é uma característica onipresente na cultura digital. Cabe-nos competências e habilidades para discernirmos criticamente os lugares que inserimo-nos e as consequências dessa imersão conectiva.

¹VAN DIJCK, José. The culture of connectivity: A critical history of social media. Oxford University Press, 2013.

Da introdução do jornalismo na Web à recirculação das notícias nas redes sociais

por Aline Pinna

 

Em 2002, os serviços de redes sociais ainda não eram existentes. Assim, foi através dos blogs que ocorriam as primeiras experiências em webjornalismo participativo/colaborativo. Com o passar dos anos, houve a evolução da informática que possibilitou a criação de condições para a emergência de aplicações das técnicas de computação distribuída. Além disso, surgiu o recurso de inteligência artificial ao jornalismo.

Variadas ferramentas e recursos foram instalados no dia-a-dia dos indivíduos. Os jornalistas também tiveram que se adaptar a modernidade. O ritmo de trabalho passou a ser ditado pela tecnologia e o repórter teve que acompanhar a velocidade do sistema, o que incluiu a diminuição dos contatos interpessoais com as fontes e com seus colegas. Assim, o resultado foi a precarização do trabalho nas redações e uma preocupação ainda maior com a transparência nos textos noticiosos e com a sua objetividade. Apesar dessas novidades, o repórter ainda é visto como um importante defensor da democracia, antagonista do Estado e dos poderes constituídos.

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As tecnologias de interação intercedida pelo computador, mídias locativas, análise de bases de dados e narrativa hipertextual assumiram o primeiro plano na atividade jornalística. Frequentemente as notícias passaram a ser produzidas em termos de sua utilidade para a distribuição em smartphones, notebooks e tablets. Deste modo, a computação, cada vez mais, é inserida como base das rotinas produtivas na imprensa, em lugar do significado político e social dos acontecimentos.

Nos últimos anos, a mídia tem buscado, constantemente, explorar a inteligência coletiva disponíveis nas redes telemáticas. Outra questão importante nesse setor é o uso da inteligência artificial na apuração e redação de notícias. De acordo com Träsel (2013, p. 203), adotando-se a inteligência artificial evita a “irrupção da criatividade, da indignação, da empatia, da contradição, enfim, da política no cotidiano ordeiro das redações de hoje em dia”. Logo, as matérias são produzidas instantaneamente e sem equívocos factuais, embora, talvez, sem aquele sabor literário que o jornalista introduz no decorrer do texto.

A partir dessas informações, hoje, encontra-se uma nova forma de distribuição das notícias. Com a estrutura descentralizada das redes sociais, compreende-se que há uma nova maneira de uso das redes graças aos seus interagentes. Estes podem filtrar e comentar as notícias e contribuir para o processo jornalístico. Podemos ter como exemplo o Twitter. Este site de rede social é uma plataforma onde os usuários podem postar atualizações de até 140 caracteres. Além disso, ele também pode ser visto como uma ferramenta para compartilhamento e troca de informações. Segundo Zago (2013, p. 213), “o Twitter poderia ser considerado mais um espaço para o compartilhamento de informações do que propriamente uma rede social”. Nota-se, então, um caráter de site no qual ele pode ser apropriado por seus usuários para o jornalismo.

Percebemos isso no momento em que o Twitter modificou uma questão importante na sua tela inicial. Antigamente, a sua pergunta inicial era “O que você está fazendo?”. Nos últimos anos, mudou-se para “O que está acontecendo?”. Tem-se essa alteração por conta de sua apropriação para a circulação de conteúdos.

Do mesmo modo com que os meios de comunicação se apreendem desses ambientes para distribuir notícias, os interagentes também podem usar sites de redes sociais para comentar (expressar opinião, reagir com humor a determinadas situações jornalísticas, criticar) e filtrar (publicar pequenas notas, inserir links ou manchetes) notícias, vindo a contribuir para a recirculação desses conteúdos jornalísticos.

Conforme Zago (2013), o jornalismo pode ser compreendido como um procedimento constituído em quatro fases: apuração, produção, circulação e consumo. Essas etapas, muitas vezes, se sobrepõem e se complementam, ou seja, uma caminha lado a lado da outra. Porém, Zago (2013) ainda comenta que o processo final não termina no consumo. Ele pode continuar com o acontecimento sendo novamente posto em circulação pelas mãos dos interagentes, que filtram e comentam as notícias originalmente postas em circulação pelos veículos. Essa fase é nomeada de recirculação na medida em que a etapa de circulação pode continuar, através de espaços públicos mediados após o consumo.

Com essa nova fase, não caracteriza que antes a informação não recirculava após o consumo. As informações recirculavam, mas de forma “manual”, isto é, o famoso boca-a-boca. Essa “nova” recirculação diz respeito ao fato de que nos espaços públicos mediados, como o Twitter, é mais fácil e prático de se comentar e filtrar conteúdos, por conta da velocidade incontrolável que as notícias são compartilhadas.

Tendo em vista essas características, Zago (2013, p. 215) cita Correia (2010, p. 7) no momento em que ele argumenta que a principal modificação do sistema de circulação jornalístico em redes virtuais seria o fato de que esses ambientes “constituem novos fluxos de informações onde emissão, recepção e resposta á emissão acontecem pelo mesmo ‘canal’, pelo mesmo meio”.

Portanto, apesar de seus aspectos de site de rede social, pode-se entender que o Twitter é de fato mais um meio comunicacional do que propriamente uma rede social, onde alia informação com interação e/ou interatividade, conteúdos (notícias) com comentários, veículos com interagentes e temas triviais com acontecimentos jornalísticos.

 

Referências:

TRÄSEL, Marcelo. Toda resistência é fútil: o jornalismo, da inteligência coletiva à inteligência artificial. p. 191-210. In: PRIMO, Alex (organizador). Interações em rede. Porto Alegre: Sulina, 2013. (Coleção Cibercultura)

ZAGO, Gabriela da Silva. Da circulação à recirculação jornalística: filtro e comentário de notícias por interagentes no Twitter. p. 211-232. In: PRIMO, Alex (organizador). Interações em rede. Porto Alegre: Sulina, 2013. (Coleção Cibercultura)

O papel do sujeito na era digital

por Cíntia Xavier

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            Na Era digital, o avanço das tecnologias de comunicação permitiu que novas mudanças transformassem o sujeito e o meio em que vive. Houve uma grande mudança no hábito de consumo de conteúdos midiáticos. Com o aumento do acesso à internet, a popularização dos smartphones, a disseminação dos sinais wi-fi e as redes sociais online, as pessoas passaram a viver conectadas. Assim, o aperfeiçoamento das tecnologias tornou o ambiente virtual ainda mais interativo, participativo e colaborativo.  Logo, ao se apropriar do novo meio o sujeito vai em busca de diferentes experiências de entretenimento e de informação.

Novas perspectivas trazidas pela internet contribuem para uma mobilização de sujeitos que procuram e trocam informações, mas também querem interagir com outras pessoas nesses ambientes. O sujeito, antes passivo, assume uma posição ativa no consumo e produção de informações nas redes. Ele não quer apenas contribuir, mas se tornar protagonista da ação, quebrando então o paradigma de recepção que os meios de comunicação, até então, consideravam. Assim, diante desse novo cenário Thompson (1998) explica que a recepção deve ser entendida como um processo rotineiro em que os sujeitos se apropriam das mensagens de modo a ressignificá-las.

Jenkins (2009) pontua que o conteúdo que circula pelas mídias depende também da participação dos consumidores para intensificar sua circulação. Logo, o sujeito se apropria do conteúdo e confere novo significado, o que pode estimular a interação. “A convergência representa uma transformação cultural, à medida que consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos” (JENKINS, 2009, p. 28). Ainda segundo o autor: “a convergência altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros e públicos (…) refere-se a um processo, não a um ponto final.” (JENKINS, 2009, p. 43).

Assim, frente a convergência midiática e o sujeito fazendo parte do processo, observamos a preocupação de programas televisivos, como por exemplo, Master Cheff, Big Brother Brasil, Dança dos Famosos, entre outros, na mensuração da opinião dos telespectadores. De olho na audiência, os grupos de comunicação estimulam a participação e a interação com o público na rede, para que o mesmo comente e vote no seu personagem favorito. Mais que isso, o sujeito que antes se contentava em apenas sentar-se em frente à televisão e assistir a um programa, quer agora participar, opinar, interagir e conversar com a emissora. Além disso, ele busca um produto midiático que dê a ele conteúdos que vão além de um único dispositivo de distribuição e que possibilite um engajamento com o público que se apropria de conteúdos disponibilizado pelo meio.

Para Jenkins (2008), ao invés de fazer uma separação entre produtores e consumidores midiáticos, podemos definir os indivíduos como participantes que interagem uns com os outros a partir de novas regras. O sujeito ativo e sua adesão à rede dão a ideia de cultura participativa, definida por Jenkins como consumidores de mídia, que assumem o papel de participantes que interagem para formar novos conteúdos. Seriam “consumidores que também produzem, leitores que também escrevem e espectadores que também participam” (JENKINS, 1992, p. 208).

A revolução digital trouxe consigo uma transformação no comportamento do receptor. Logo, conclui-se que os sujeitos são capazes de compreender e disseminar o conteúdo. No entanto, a partir do aprimoramento das tecnologias, o mesmo reivindica seu papel na construção de novos conteúdos. Ao sujeito cabe agora o espaço de protagonista, não apenas o papel de receptor de conteúdo.  Assim, o público dispõe de uma maior autonomia não apenas para consumir a demanda de seu interesse, mas de contribuir com o material que está disponível na rede.

JENKINS, Henry. Cultura da convergência: a colisão entre os velhos e novos meios de

comunicação / tradução Susana Alexandria. – 2a ed. – São Paulo: Aleph, 2009.

THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia.  Petrópolis: Ed. Vozes, 2011.

Cultura participativa e convergente: o cenário que favorece o nascimento dos influenciadores digitais

Disponível em: https://casperlibero.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Artigo-5-Communicare-17-Edi%C3%A7%C3%A3o-Especial.pdf Acesso em: 12 de novembro de 2018.

A aventura das imagens na rede!

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Pierre Levy (1993) já alertava que a sociedade imersa pelas tecnologias obteria uma realidade simulada, ou seja, virtual, a qual tomaria o espaço do real. A imagem, por sua vez, distribuiria representações.

Ao observar a história da humanidade, é possível perceber que o homem sempre buscou
mecanismos de apreensão do real, principalmente, por meio das imagens.  Isso pode ser notado nas esculturas feitas em mármore e bronze na Grécia Clássica desde o século 10 a.C, nas pinturas desenvolvidas pelos povos medievais no período do Renascimento, no surgimento da fotografia no século XIX, na chegada da televisão no século XX, e em muitos outros suportes que foram evoluindo ao longo dos tempos.

Hoje, com o desenvolvimento da internet e de novos dispositivos eletrônicos, essa relação entre  homem e máquina, entre real e virtual, se aprofundou e fundiu ainda mais. A partir da concepção de McLuhan (2007) que propõe os meios de comunicação como extensões dos homens, é possível perceber que muitas ferramentas de imagens existentes, atualmente, parecem recriar e estender as pessoas para outros lugares, para outras dimensões.

Nota-se que as novas possibilidades de imagens que surgem na rede, estão proporcionando novas experiências sensoriais. São novas formas de criação, de circulação e de apresentação de conteúdos. Como bem coloca Wilson Oliveira, “a entrada das imagens em movimento na cibercultura fez a rede se constituir não mais como a biblioteca de babel, mas como um novo acervo iconográfico, possibilitando uma nova forma de se conceber e de se conectar as imagens na internet”.

Segundo o autor, internet, ciberespaço e realidade virtual são novos modos de interação homem-máquina. Sendo assim, pode-se dizer que a máquina é o novo ambiente da experiência.

Philippe Dubois (2004) vai além ao afirmar que o tempo eletrônico da imagem é sincronizado com o tempo do real. “O realismo da simultaneidade vem se acrescentar ao do movimento para formar uma imagem que nos parece cada vez mais próxima e decalcada no real, a ponto de gerar por vezes confusão..(p.52). Segundo o autor a própria ideia de representação perde seu sentido e valor na atualidade.

“A representação pressupunha um hiato entre o objeto e sua figuração, uma barra entre o signo e o referente, uma distância fundamental entre o ser e o parecer. Com a imagerie informática, essa diferença desaparece: não há nada além da máquina que cobre todo o processo e exclui tudo o mais. O próprio mundo se tornou maquínico, isto é, imagem, como numa espiral insana. A realidade passa ser chamada de virtual”. (DUBOIS, p.48, 2004)  

De fato, as novas tecnologias parecem “criar vidas” próprias. Não é mais a imagem que se assemelha ao mundo, mas, sim, o real que se assemelha à imagem.  

Referências bibliográficas:
OLIVEIRA FILHO, Wilson. Mc Luhan e o Cinema. São Paulo.Futuro, 2017.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensão do homem. São Paulo: Cultrix, 2007.
DUBOIS, Phillippe.  Cinema, Vídeo, Godard. Tradução: Mateus Araujo Silva. São Paulo. Cosac Naify, 2004.



O sujeito como centro tecnológico

por Aline Pinna

 

As novidades tecnológicas vão fixar-se no nosso cotidiano. Dia após dia, algo novo surge ou aperfeiçoa. Esse é ciclo que as tecnologias são seguramente sofrendo. Nada apareceu por acaso. Os aparatos, dispositivos, dispositivos são fundamentais para a sobrevivência em um paradigma de sociedade que está online (virtual) está cada vez mais tendo a proximidade com o real. Porém, para isso ocorrer, o homem tem que ter capacidade e habilidade de criar e inventar. Deste modo, todo o potencial de suas criações está no próprio sujeito.

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A questão do sujeito vem dos antigos anúncios comunicacionais. Ele é formado historicamente pelo seu meio de trabalho. Podemos ter como exemplo a fotografia. O homem tornou-se um artista / fotógrafo não qual manuseava um instrumento. This is a major presence maquinica in historic of the modernity in the early century.

Depois, como registro de cinema. O ser humano agora se tornou um espectador. O sujeito foi reintroduzido na imagem tanto como o quanto mais espectador, já que uma máquina tem o poder de ver pela ilustração das imagens que são vistas daquele engenho. A maquinaria cinematográfica é produtora do imaginário. O seu poder não está apenas na extensão tecnológica, mas também na extensão simbólica.

O vídeo é outro equipamento que faz transmissão a distância, ao vivo e multiplicada. Logo, o homem passou a ser a audiência, uma onipresença fictícia, sem corpo, sem identidade e sem consciência, ou seja, um sujeito fantasma indiferenciado. É esse sujeito que expõe à ilusão (simulação) da co-presença integral.

Ainda podemos citar a informática. Trata-se de uma concepção do real, onde a imagem é o próprio “real” (o referente originário) que se torna maquínico, porque é gerado pelo computador. Neste caso, o homem é a instância do programa, podendo ser criador, programador, espectador e interagente. Isto é, o sujeito é o enunciador e não mais o autor, espectador ou narrador.

Filmes

Há uma interação frequente entre o homem e a máquina. Essas interações já estão até sendo retratadas em filmes, como Robocop, Elysium e Her. Essas obras conceituam a um futuro distante. Mas, com a constante velocidade da evolução das tecnologias vemos que tudo é possível, pois muitos dispositivos já estão incorporados no nosso dia a dia. O que antes era considerado ficção científica, hoje já estão inseridos ao nosso enredo real.

Nesses filmes, e em muitos outros, estão questionando a realidade. Estão prevendo as tecnologias que podem surgir nos próximos anos. As obras cinematográficas já incorporam diversos recursos que estão sendo utilizados atualmente, como a realidade aumentada, tablets, envio de arquivos somente por proximidade (bluetooth), e-readers, geolocalização, aplicativos, interação a distância, mesas touchscreen, pulseiras inteligentes e muitas outras novidades.

Percebemos, então, que a relação entre maquinismo-humanismo é mais filosófica do que histórica, tendo um encadeamento com a evolução da história das tecnologias e a questão do humanismo ou artisticidade (ligada a parte estética). Esses dois pólos constitui a característica propriamente inventiva dos dispositivos, onde o estético e o tecnológico podem se encontrar. Desta forma, notamos que não existe mais uma relação intensiva, mas sim, uma relação extensiva.

 

Referências:

DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004. 

EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA MOSTRA QUE INTERAÇÃO HOMEM-MÁQUINAÉ É MAIS FICÇÃO. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/tecnologia/2014/03/27/interna_tecnologia,512316/evolucao-da-tecnologia-mostra-que-interacao-homem-maquina-nao- e-mais-ficcao.shtml>. Acesso em 12 de novembro de 2018.

O QUE TE MOTIVA / TECNOLOGIA E HUMANIDADE. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/blog/o-que-motiva/tecnologia-e-humanidade/&gt;. Acesso em 12 de novembro de 2018.

O sujeito inserido no fluxo conectivo

por Matheus Bertolini

Na perspectiva digital é possível elucidarmos um avanço que mescla os preceitos tecnológicos, sociais, culturais e psicológicos. Nessa ótica acredita-se que vivenciamos uma evolução síncrona, porém multifacetada entre as referidas esferas. Essas por sua vez não distinguem-se em espaços separatistas, mas em uma junção ecológica que assemelha o conceito biológico, vislumbrando uma reciprocidade entre as relações humanas e seu habitat, nesse caso, o espectro comunicacional digital.

Na historicidade dos estudos referentes ao fluxo informacional, Raymond Williams (2016) expõe a terminologia unilateral para definir uma relação entre o meio e o sujeito espectador. Nessa teorização o autor acredita que, por meio de uma única direção iniciada na TV com ponto final no espectador, construía-se uma audiência passiva baseada em números e sem interferência na programação televisiva. Nesse sentido, a expressão few-to-many, ou seja, de “pouco para muitos”, faz valer a ideologia proposta por ele.

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Com a evolução já mencionada, a web instaura-se ao cotidiano humano e passa a abrir espaços para uma participação equivalente entre os meios. Em seu livro, A Televisão em Tempos de Convergência (2014), Soraya Ferreira cunha o fluxo bilateral, que em suma seria inserir uma via reversa aos conteúdos, e assim, possibilitar uma influência da TV para a Internet e da Internet para a TV. Dessa forma, adquirindo uma instância de público, o sujeito nesse patamar pode, quer e deve ocupar um lugar de fala para que usemos da máxima many-to-many, ou seja, “muitos para muitos” interferindo nesse fluxo.

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Na era digital entende-se que o fluxo enquanto elemento híbrido, fluído, inconstante e multidericonal, não pode se limitar em vias. Para tanto, o pensamento de um fluxo conectivo começa a ser entendido nessa reconfiguração estética. Com isso, não há um ponto inicial ou final, mas trajetos com inúmeros rizomas que se interconectam e, por meio do ecossistema digital, possibilitam a interação desse sujeito (biótico) com atribuições abióticas (como os algoritmos, layout, design, ferramentas, etc.). Nessa hiperconectividade, construção de competências e leituras críticas, os fãs ganham um habitat propício para que sua ação gere outras ações e reações.

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Por fim, se é que podemos finalizar essa discussão, o ecossistema digital proporciona aos fãs o esquema all-to-all, que seria “tudo para todos”, e dessa forma, validamos a visão de Jenkins, Ford e Green (2014) diante o sujeito nesse antes e depois: se antes eles eram passivos, invisíveis e apenas números, agora são migratórios, críticos, habilidosos e com um espaço que incentiva sua presença. Portanto há uma conectividade nesse fluxo e também nesse sujeito, que por meio das expansões e emergências, torna-se notório na participação digital.

Referências:

FERREIRA, Soraya. A televisão em tempos de convergência. Editora UFJF. Juiz de Fora, Minas Gerais, 2014.

JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Cultura da Conexão – Criando Valor e Significado por Meio da Mídia Propagável. São Paulo: Aleph, 2014.

WILLIAMS, Raymond. Televisão: tecnologia e forma cultural. Tradução: Marcio Serelle; Mário F. I. Viggiano. 1 ed. São Paulo: Boitempo; Belo Horizonte, MG: PUCMinas, 2016.

A personificação da literacia midiática em Malina.

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Isabelle Huppert em cena do filme Malina (1991) de Werner Schroeter.

por Guilherme Gomes Dias.

Em 1991, o diretor alemão Werner Schroeter lançava sua adaptação da obra de Ingeborg Bachmann chamada Malina. Trazendo Isabelle Huppert como protagonista, a narrativa central é focada na vida de uma personagem sem nome e de sua relação com dois homens, Malina e Ivan. É difícil definir muito bem a personalidade da personagem central, dado que uma de suas principais características é ter sua identidade em crise. Ao longo do texto mencionaremos alguns trechos do livro que são transcritos no filme de forma literal, dada a preocupação do diretor de remontar a escrita disfórica de Bachmann. Cabe mencionar certos momentos em que a personagem afirma “estou totalmente incapacitada para pensar nas coisas que me mandam pensar” (BACHMANN, 1993, p. 58), ou quando a mesma personagem diz “não tenho competência, minha opinião não é competente, não tenho opinião alguma” (1993, p. 71). Serve também ao reforço desta despersonalização da personagem, a frequência em que ela é mostrada em estado de letargia ou ansiedade extrema chegando ao ponto de esquecer que precisa respirar. Ainda assim, assistimos à personagem exercer seu papel social, sendo uma espécie de professora ou escritora, mais uma característica que não é definida ao certo ao longo do filme ou do livro.

Façamos agora a apresentação quanto aos dois homens que compõem o triangulo relacional da narrativa. Mais uma vez, não é possível determinar suas características de forma muito precisa: Malina é descrito como um escritor desconhecido que graças a certos privilégios ocupa um cargo em instituições da cidade que lhe permitem não ser notado [voltaremos a essa capacidade de não ser notado a seguir], já Ivan é funcionário de um emprego regular em um prédio que lida com finanças. Ambos vivem um relacionamento com a personagem central. Mas é importante dar mais destaque ao papel de Malina nesta narrativa: no filme ele aparece em contato apenas com a protagonista, surge como um espírito vagante em determinadas cenas que trazem a sensação de que o personagem possui certa onipresença. A escolha do diretor por trazer estas cenas pode ser justificada pela forma que Malina é algumas vezes mencionado no livro, como por exemplo, o questionamento frequente da personagem sobre a real existência de Malina. Ao longo da narrativa é possível perceber que Malina acaba funcionando como um complemento da personalidade da personagem central. Ele existe, mas apenas na cabeça dela, talvez por isso seu trabalho é descrito como algo não-relacional e este também seria o motivo pra forma em que ele se manifesta nas cenas do filme. Enquanto a personagem central vive sua disforia, Malina a coloca de volta nos trilhos, transporta a personagem de volta à realidade e à sã consciência. Já Ivan é real, simboliza o amor, o desejo da personagem por viver uma realidade ortodoxa e proposital.

Apresentando de forma breve os personagens de Malina, buscaremos mostrar ao leitor como a narrativa descrita é capaz de dialogar de forma metafórica com os estudos dedicados à literacia midiática. A partir da lógica desenvolvida por Marshal McLuhan podemos afirmar que os meios de comunicação moldam a percepção e desta forma, são inerentemente agentes produtores das subjetividades. O indivíduo moderno tem sua percepção construída a partir da experiência sensível resultante de sua interação social e estas relações sociais estão atravessadas pelos meios de comunicação. Reconhecer este potencial de formação da subjetividade inerente dos meios de comunicação é reconhecer a necessidade de um elemento que permita a decodificação destes meios e é olhando por este horizonte que encontramos a literacia midiática. Não é possível dizer que exista uma convenção rígida quanto ao que define a literacia midiática, mas visando reunir estas várias perspectivas sobre o tema, W. James Potter redigiu o texto The state of media literacy (2010). De forma sintética o autor adiciona em seu texto um relatório das definições apresentadas por autores como D. Adams e M. Hamms (2001) e R. Hobbs (2001), além de reunir as definições apresentadas por organizações de pesquisa como a Alliance for a Media Literate America e a Media Education Foundation. A percepção do autor é que com o vasto campo de abrangência pelo qual a literacia midiática pode se alastrar, as definições acabam sendo adaptadas ao direcionamento feito em cada estudo. Ainda assim, ele propõe inicialmente uma reflexão sobre algumas questões centrais que permitiriam a convergência destas definições sobre o tema. Estas questões são: o que é a mídia? O que é literacia? E qual seria o propósito da literacia? Buscando responder a última destas perguntas, selecionamos o seguinte trecho:

O propósito da literacia midiática é de ajudar as pessoas a se protegerem dos efeitos potencialmente negativos. O propósito de se tornar mais dotado de literacia midiática é o de obter maior controle sobre as influencias em nossas vidas, particularmente as influencias constantes das mídias de massa. Isso não significa dizer que todos os acadêmicos de literacia midiática acreditam que a mídia exerce um efeito poderoso sobre os indivíduos. Ainda assim, parece haver um consenso de que mesmo as mídias mais fracas e sutis são importantes de serem consideradas, dada a natureza persuasiva da influência midiática através de nossa cultura acompanhada pelos altos índices de exposição das pessoas nas várias formas de mídia ao longo do curso de suas vidas. (POTTER, 2010, p. 681, tradução nossa).

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Isabelle Huppert e o personagem Malina (Mathieu Carrière).

Ou seja, a utilidade da literacia midiática se justifica por um interesse em tornar o indivíduo dotado de uma consciência capaz de lidar com os meios de comunicação, sendo capaz de assumir sua autonomia ao mesmo tempo em que se relaciona com elas. Outras convenções entre os acadêmicos da literacia midiática podem ser apontadas como, por exemplo, a necessidade de que a literacia seja adquirida, pois não é inerente ao indivíduo e também sua característica multidimensional, podendo afetar os indivíduos por diversos meios e de formas diversas. Ainda que assinalemos a existência dessas múltiplas definições e de diálogos entre elas apresentadas por Potter, iremos nos concentrar na definição da literacia midiática como a capacidade de acessar, analisar e avaliar o poder de imagens, sons e mensagens. Enquanto as mídias necessitam comunicar de forma clara e competente, o indivíduo em contato com elas deve ser capaz de compreender as mensagens e influências resultantes da experiência midiática.

Voltando ao filme que propomos como objeto central, o personagem Malina parece funcionar na vida da protagonista com os mesmos propósitos que a literacia midiática possui. Em certos momentos da narrativa é possível perceber que além de encontrar-se em profunda crise individual, a personagem central busca decodificar a origem desta crise e depara-se com um trauma de infância. No filme de Schroeter esse trauma é revelado como a primeira cena do filme na qual assistimos o assassinato de uma criança. Essa criança era a irmã da personagem central e foi assassinada pelo próprio pai. A personagem de Huppert só irá revelar esse trauma mais tarde na narrativa e o faz contando com o direcionamento de Malina. É o personagem que dá nome à obra que irá ser capaz de revelar a origem do colapso da personagem central. Ao descobrir a origem de seus traumas ela se vê livre a retornar para a autonomia de sua consciência. Lidamos aqui com uma ideia metafórica de que Malina é a literacia midiática para a personagem de Huppert, é o mecanismo pelo qual ela se ampara para acessar, analisar e avaliar sua própria realidade. Este homem funciona como a potencia individual em aplicar o discernimento sobre as coisas.

Afim de reforçar esta relação metafórica entre Malina e a literacia midiática, podemos mencionar novamente a parte em que a protagonista afirma “estou totalmente incapacitada para pensar nas coisas que me mandam pensar” (BACHMANN, 1993, p. 58) e acrescentar o trecho em que diz “Nunca perderei Malina, ainda que perca a mim mesma” (1993, pag. 102). Percebemos ao longo da história que a personagem já se perdeu, mas ao dizer que ainda assim teria Malina e após revelando seus traumas, percebemos que ela é a dualidade entre o sentimento de alienação e o de esclarecimento. O que faz a alternância entre estes dois polos é a literacia midiática, a capacidade de decodificar as imagens ao redor e criar com elas uma relação estética e de entendimento. O que faz a alternância entre estes dois polos é Malina. Ainda haveriam outros exemplos da influência de Malina como um resgate das questões inconscientes sendo trazidas à consciência como uma forma de esclarecimento, como por exemplo, um diálogo entre eles sobre o que a protagonista escrevia nos seus cadernos de infância e que agora busca ignorar. Terminaremos apenas deixando estes exemplos como uma indicação ao leitor e para finalizar apresentamos um trecho basilar na relação de Malina e a literacia midiática:

Muitas vezes exagero em minha imaginação, e muitas vezes Malina me chama a atenção para isso; todavia, minha imaginação não é suficiente para captar seu olhar ou o que percebe de forma precisa ou em toda a sua singularidade. Suspeito que ele não devassa os homens, não os desmascara, pois isso seria muito comum e vulgar, além de lhes ser indigno. Malina os vê, e isso é muito diferente; os homens não se tornam menores, e sim, maiores, mais misteriosos […]. não teria se contentado com uma simples impressão ou com uma vaga inquietude, mas me mostrado o verdadeiro assassino, e através desse conforto me levado a uma conclusão. (1993, pag. 202)

É perceptível por este trecho o quanto Malina é parte da experiência existencial da protagonista. É ele quem é capaz de transformar a imaginação da personagem em algo verdadeiro, dotado do sentimento de conforto e de competência para uma conclusão autônoma. Mesmo revelando o assassinato cruel à personagem, é a percepção desta ferida emocional que revela a autonomia sensorial e física da personagem. Junto à Malina ela era uma só, olhava o mundo como um mistério que queria desvendar e assim, sua consciência seria retomada de forma autônoma. Por isso repetimos: Malina é a personificação da literacia midiática.

 

BIBLIOGRAFIA

BACHMANN, I. Malina. São Paulo: Siciliano, 1993.

POTTER, J. The State of Media Literacy, Journal of Broadcasting & Electronic Media, 2010, v. 54, n.4, p. 675-696. Disponível em: <https://goo.gl/UWDdba&gt;. 05 nov. 2018

Senso crítico e o poder das redes

por Cíntia Charlene

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As mudanças proporcionadas pelo ambiente digital vem transformando a maneira como o ser humano se relaciona com a vida em sociedade. Nas últimas décadas, o avanço das tecnologias de comunicação vem modificando paradigmas e hábitos de consumo. Com a expansão da internet, os indivíduos cada vez mais conectados se mobilizam para conversar, produzir e trocar informações na rede.

De acordo com uma matéria publicada na Folha de São Paulo em julho de 2018, a rede social Facebook possuía cerca de 2,2 bilhões de usuários mensais no planeta. No Brasil, um dos cinco maiores mercados, são 127 milhões de usuários ativos mensalmente. Na época, a rede social superava o aplicativo de mensagens Whatsapp, com 1,5 bilhão de usuários. Deste montante, existem 120 milhões de brasileiros conectados a troca de mensagens. Assim, o Facebook se apresenta como principal meio de divulgação de conteúdo social, econômico, político e cultural, já que cada vez mais pessoas veem se informando através das redes.

Diante desse panorama, as tecnologias digitais cada vez mais vem exigindo que os indivíduos possuam uma variedade de habilidades que auxiliem em sua capacidade de pensar e agir em um espaço público. Uma ferramenta que poderá ajudá-lo no desenvolvimento de um senso crítico mais apurado em uma sociedade mediatizada é a Literacia midiática. Trata-se da “[…] capacidade de aceder, analisar e avaliar o poder de imagens, sons e mensagens que confrontam o sujeito contemporâneo assim como comunicar de forma competente” (BORGES, 2014, p. 221).

Assim, o sujeito capacitado por esta habilidade consegue compreender de que forma a mídia seleciona, manipula e filtra gostos, percepções e crenças capazes de produzir impactos na escolha individual do cidadão comum. A partir dessa percepção, o sujeito habilitado apresenta uma capacidade de se comunicar mais consciente oferecendo a sociedade conteúdos mais criativos e eficientes. Essa formação possibilita ao cidadão um pensamento crítico e um papel ativo na sociedade. Trata-se de um sujeito livre, que utiliza de maneira consciente sua liberdade de expressão, fortalecendo assim o sistema democrático.

A Unesco (2005), define a literacia como uma “habilidade para identificar, entender, interpretar, criar, comunicar e utilizar computadores, como também o uso de materiais impressos e escritos, associados a contextos em mutação. A Literacia envolve uma atitude contínua de aprendizagem ao permitir que os indivíduos alcancem seus objetivos, desenvolvam conhecimento e potencial para participar ativamente na comunidade e na sociedade como um todo.” (UNESCO, 2005, p. 9).

O cidadão com literacia midiática consegue obter por meio do senso crítico uma maior compreensão das informações produzidas e disseminadas. Além disso, ao saber como funciona a rede o mesmo consegue analisar e selecionar temas relevantes e através de sua intervenção pode contribuir para o crescimento de uma sociedade mais justa e solidária,  partilhando conhecimentos e ajudando na tomada de decisões. O conceito de literacia midiática é complexo e está em constante movimento, uma vez que surgem  novas tecnologias a todo momento.

Portanto, diante desse cenário, torna-se cada vez mais necessário o desenvolvimento de ferramentas que ajudem o sujeito na seleção, produção, divulgação e compartilhamentos de informações relevantes que auxiliem na formação de uma consciência mais crítica e um papel mais atuante do sujeito na sociedade.

 

BORGES, G. Qualidade na TV pública portuguesa: análise dos programas do canal 2. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2014.

Internet e Digital – Dados Brasil 2017. Disponível em: <https://pt.slideshare.net/thiconoriz/internet-e-digital-dados-brasil-2017&gt; Acesso em: 22/10/2018.

Facebook chega a 127 milhões de usuários mensais no Brasil

Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/tec/2018/07/facebook-chega-a-127-milhoes-de-usuarios-mensais-no-brasil.shtml&gt; Acesso em: 22/10/2018.

UNESCO (1982), Grünwald Declaration on Media Education.

 

 

 

 

O espetaculoso da vida

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por Ramsés Albertoni

 

Ao refletir a respeito das pesquisas de Debord e Foucault, Crary (2013) pondera que, a princípio, as formulações dos dois autores podem parecer distantes, porém, eles descrevem mecanismos difusos de poder através

“[…] dos quais os imperativos de normalização ou conformidade permeiam a maioria das camadas da atividade social e tornam-se subjetivamente internalizados. Nesse sentido, o controle da atenção […] tem menos a ver com os conteúdos visuais desses monitores e mais com uma estratégia ampla sobre o indivíduo. O espetáculo envolve a construção de condições que individualizam, imobilizam e separam os sujeitos. […] Dessa maneira, a atenção torna-se um elemento-chave para o funcionamento de formas não coercivas de poder.” (CRARY, 2013, p. 100-101)

É preciso deixar claro que o espetáculo do qual fala Crary, a partir da conceituação de Debord, é o “espetáculo integrado”, esse sim pode ser articulado com o formular foucaultiano. Debord (1997) conceitua que o espetáculo existe sob três formas, quais sejam, a “concentrada”, a “difusa” e a “integrada”.

O espetáculo concentrado está na esfera do capitalismo burocrático, controlador do trabalho social total, e sua ideologia concentra-se em torno de uma personalidade ditatorial. O espetáculo difuso está na esfera abundante das mercadorias do capitalismo tardio (MANDEL, 1982), cuja satisfação se dá no seu reconhecimento como mercadoria, uma efusão religiosa diante da liberdade soberana da mercadoria. Assim, vivencia-se o “império do efêmero”, segundo Lipovetsky (1989), pois sem conteúdo próprio, a moda é uma forma específica da mudança social, pois não está vinculada a um objeto determinado, ela é um dispositivo social cuja característica é uma temporalidade breve e de reviravoltas fantasiosas que afetam várias esferas da vida social. Tal categoria instiga os indivíduos a escolherem livremente entre tantas mercadorias novas.

Por fim, o espetáculo integrado que, de acordo com Crary (2013), possui pontos de coincidência importantes com o pensamento de Foucault,  é uma prática unificada que transformou economicamente o mundo atual numa organização consensual, cujo mercado mundial é falsificado e avalista do próprio espetáculo. Sua característica é a combinação das duas categorias anteriores, que se fortaleceram e se expandiram mundialmente. Cinco aspectos principais caracterizam a sociedade modernizada, quais sejam, a incessante renovação tecnológica, a fusão econômico-estatal, o segredo generalizado, a mentira sem contestação e o presente perpétuo. O tempo irreversível unificou-se mundialmente no mercado mundial, no espetáculo mundial. Este tempo da produção é a medida das mercadorias, é o tempo geral da sociedade, cuja significação é o interesse especializado de um tempo particular.

O espetáculo integrado, desse modo, é a própria sociedade e o seu instrumento de unificação, é a mediação imagética da relação social entre as pessoas. Como Weltanschauung, o espetáculo integrado é a objetivação de uma visão de mundo, é o modelo atual da vida dominante na sociedade cindida entre realidade e imagem. Conforme Debord,

“A linguagem do espetáculo é constituída de sinais da produção reinante, que são ao mesmo tempo a finalidade última dessa produção. […] O espetáculo que inverte o real é efetivamente um produto. […] a realidade surge no espetáculo, e o espetáculo é real. Essa alienação recíproca é a essência e a base da sociedade existente.” (DEBORD, 1997, p. 15)

A sociedade do espetáculo integrado configura a existência humana como simples aparência, porquanto o espetáculo, como principal produção da sociedade atual, domina os homens já dominados totalmente pelo sistema econômico ou, como afirma Habermas (1999), é o sistema colonizando o mundo da vida. Não se trata mais de ser ou de ter, mas de parecer. As imagens, como simples imagens de simulação, de ausência, tornaram-se seres reais e a motivação eficiente de um comportamento hipnótico.

Portanto, a estetização da vida política pela economia do entretenimento é a apoteose fascista, pois o fascismo procura organizar as massas de modo a manter as relações de produção e de propriedade, permitindo apenas a expressão de sua natureza, mas não a dos seus direitos como indivíduo, direitos que serão confundidos com os direitos do cidadão. Dessa forma, a reprodução em massa da indústria do entretenimento é a reprodução das massas entretidas no espetaculoso da vida.

O espetáculo integrado é, por fim, a realização técnica do exílio interior do homem. Em sua raiz encontra-se a especialização do poder, a representação diplomática da sociedade hierárquica diante de si mesma. No discurso ininterrupto de um monólogo laudatório existe o poder separado que se desenvolve a si mesmo.

Referências

CRARY, J. Suspensões da percepção: atenção, espetáculo e cultura moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

HABERMAS, J. Teoria da acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1999.

LIPOVETSKY, G. O império do efêmero. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

MANDEL, E. O capitalismo tardio. São Paulo: Abril Cultural, 1982.

Quando a percepção é um mero nascer do sol

por Ramsés Albertoni

 

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Jonathan Crary (2013), em Suspensões da percepção, analisa o desenvolvimento histórico da abordagem dos estudos a respeito do problema da percepção, especificamente o universo da percepção visual, relacionando as recentes noções de percepção e atenção com as transformações ocasionadas pela transformação econômica e tecnológica da modernidade. O autor pondera que as transformações históricas relacionadas ao papel do corpo no processo da visão são constituintes dos processos de construção e de reformulação da subjetividade, rompendo com o conceito clássico de visualidade, inaugurando uma concepção abalizada na materialidade do corpo.

É preciso convir que os estudos e as descobertas científicas do século XIX abriram passagens para novas subjetividades, influenciando, inclusive, o campo das artes, haja vista as pesquisas de Étienne-Jules Marey, inventor do cronofotógrafo, cujo trabalho foi significativo no desenvolvimento da cardiologia, da instrumentação física, da aviação, da cinematografia e da ciência do trabalho fotográfico. A cronofotografia é uma técnica fotográfica que captura o movimento em vários quadros de impressão que podem ser organizadas, subsequentemente, como células de animação ou colocadas em camadas em um único quadro.

Assim, desde o século XIX questiona-se a tese do conhecimento/representação como uma categoria essencialmente cognitiva, o que abriu o conhecimento, inclusive, sobre os campos de estudos sobre a memória, que deixou de ser um processo mecânico e individual, ligado às construções de subjetividades, pois como afirma Henri Bergson, não existe percepção que não esteja saturada de lembranças, pois

“[…] o cérebro é uma imagem, os estímulos transmitidos pelos nervos sensitivos e propagados no cérebro são imagens também […] é o cérebro que faz parte do mundo material, e não o mundo material que faz parte do cérebro […] Nem os nervos nem os centros nervosos podem, portanto condicionar a imagem do universo.” (BERGSON, 1999, p. 13-14).

No século XX, o filósofo Maurice Merleau-Ponty já desenvolvera um importante contraponto ao cartesianismo científico ao descrever o corpo como o veículo do ser no mundo, estrutura fundamental, base de nossa existência, já que

“Ter um corpo é, para um ser vivo, juntar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se continuamente neles. […] O que reúne as “sensações táteis” de minha mão e as liga às percepções visuais da mesma mão, assim como às percepções dos outros segmentos do corpo, é um certo estilo dos gestos de minha mão, que implica um certo estilo dos movimentos de meus dedos e contribui, por outro lado, para uma certa configuração de meu corpo.” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 208).

O filósofo não pretendeu, no entanto, inverter a relação corpo/alma, apenas contestar a dualidade atribuída aos indivíduos, concebendo-os em um sistema integrado, pois o homem é seu corpo e tem consciência do mundo por meio dele. Nessa perspectiva, o corpo deixa de ser um receptáculo passivo daquilo que o cerca para ser o meio de “ter o mundo”, porquanto, estando no mundo participamos dele de forma racional, estética, emotiva, percebendo-o através dos nossos sentidos. Com os olhos, sustento meu olhar em fragmentos de paisagem, sendo que alguns objetos retrocedem para a margem, acalmam, mas não deixam de estar presentes, e se constituem naquilo que vemos deles. Merleau-Ponty (1999), portanto, refuta a ideia de um pensamento puro, kantiano, e defende a percepção construída no contexto. Por conseguinte, a percepção do espaço e da coisa em sua espacialidade são problemas semelhantes, uma vez que o “corpo próprio” está atado a um certo mundo, ele é no espaço, a sua percepção se dá por sua lei de construção.

Crary (2013) define, dessa forma, a visão humana como o resultado de dois processos simultâneos e complementares, percepção e cognição, cujo relativismo no olhar é determinado pelas variáveis de vivências do observador e seu tempo histórico, dentre outras, pois a percepção visual é intrínseca ao movimento muscular do olho. O autor analisa a ideia de “visão subjetiva”, surgida na segunda metade do século XIX, como a noção de que a “nossa experiência perceptiva e sensorial depende menos da natureza do estímulo externo e mais da constituição e do funcionamento de nosso aparelho sensorial”. Posto isso, Crary (2013) assinala que a modernidade capitalista seria o agente manipulador que atua neste vácuo, onde a percepção humana passa a residir no corpo e se torna passível de mensuração, haja vista que a lógica de sistema dispõe que os indivíduos tenham a habilidade de mudar o foco de sua atenção constantemente, em virtude do grande espectro de estímulos multissensoriais recebidos diariamente. A par disso, o autor sugere que deva haver um nível permanente de atenção reduzida que contribuirá para uma experiência mais produtiva e consciente da vida como um todo.

Por conseguinte, Crary (2013), a partir das obras dos artistas impressionistas Édouard Manet, Georges-Pierre Seurat e Paul Cézanne, desenvolve sua investigação a respeito da atenção unificadora e desintegradora. O Impressionismo foi um movimento pictórico francês do século XIX, cujo nome é derivado da obra Impressão: nascer do sol (1872), de Claude Monet. Os jovens artistas procuraram romper com as regras da pintura vigentes até então, não mais se preocupando com os preceitos da Academia, dessa forma, suas pesquisas não mais se interessavam pelas temáticas nobres ou pelo realismo, mas em enxergar o quadro como obra em si mesma, em que a luz e o movimento, utilizando pinceladas soltas, tornam-se o principal elemento da pintura.

A primeira obra a ser analisada por Crary (2013) é o O Balcão (1868), de Manet, pois distancia o observador do sistema clássico de visão preso ao modelo de interioridade, afirmando-se como marco representativo da modernidade, justamente por sua externalidade de mundo. No quadro Na Estufa (1879), do mesmo artista, Crary (2013) aponta que se situam nesta pintura dois aspectos conflitantes da percepção moderna, quais sejam, a integridade da visão aliada ao conceito de unidade na percepção e a dinâmica fluida e desestabilizadora contida na dispersão dos olhares dos retratados. Com relação à obra Diante do Espelho (1877), o autor pondera que através de uma pincelada de ritmo intenso e o proeminente uso de cores não referenciais, Manet expande a atenção sensorial, removendo a rigidez dos objetos e propondo um jogo de eventos instintivos, móveis e amorfos.

Na análise da criação de Seurat, Crary (2013) disserta a respeito da construção calculada de novos modelos semânticos e cognitivos. No quadro Parada de Circo (1890) que, segundo o autor, revela e reprime, o artista constrói uma atenção cromática autossuficiente e subjetiva que constitui um reino provisório de liberdade para o observador e, por outro lado, aspira controlar suas respostas através de sugestões.

Por fim, ao analisar a obra Pinheiros e Rochas (1897), de Cézanne, Crary (2013) pondera que esse artista é um observador atento a tudo que ocorre de irregular na experiência perceptiva, desafiando seu próprio entendimento de mundo reconhecível, pois o artista problematiza a concepção de um campo de visão homogêneo e unificado, propondo um exercício visual que permite ler diversas áreas desconexas concomitantemente, eliminando as noções habituais de centro e periferia. Dessa forma, ao contrário de Manet e Seurat, que cominavam seus modelos aglutinadores a respeito da volatilidade da atenção, Cézanne insere uma nova perspectiva instável que redimensiona a percepção através do olhar.

Crary (2013), a partir das obras dos artistas impressionistas, desenvolve sua investigação a respeito da atenção unificadora e desintegradora, pois estes artistas posicionaram-se de modo único a respeito das rupturas, ausências e fissuras do campo perceptivo, criando um espaço instigante para que ocorram novas descobertas a respeito da indeterminação da percepção atenta e da instabilidade da atenção, porquanto fazem parte da inquirição das decorrências e reverberações da ascensão, desde o século XIX, de modelos de visão subjetiva e fisiológica.

Referências

BERGSON, H. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

CRARY, J. Suspensões da percepção: atenção, espetáculo e cultura moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

Entendendo o que é Literacia Midiática

por Aline Pinna

 

Antigamente, o conceito literacia atribuía-se a quem soubesse a ler e a calcular. Hoje, esse termo é muito mais extenso, já que se refere a uma leitura de contextos, de situações históricas vividas na contemporaneidade, isto é, a uma leitura de mundo. O termo literacia abrange todas as áreas, até mesmo a midiática.

Na atual sociedade da convergência na qual vivemos, a Literacia Midiática tem se tornado um conceito muito relevante a ser discutido. Esse assunto vem sendo estudado em diversos países da Europa, desde os anos de 1980, por um grupo de estudiosos que argumentam sobre as diretrizes básicas para uma literacia das mídias. A Literacia Midiática é conhecida em vários países por nomes distintos. No Reino Unido e nos Estados Unidos da América (EUA) chama-se Media literacy; em Portugal fala-se Literacia dos media; na Espanha trata-se de Competência midiática; e, no Brasil de Letramento midiático.

Podemos entender que a Literacia Midiática é uma alfabetização audiovisual, ou seja, do mesmo modo que aprendemos a ler e a escrever, nós aprendemos, também, a ler e ver as imagens. Porém, esse ver não é apenas abrir os olhos, mas sim, ter uma posição crítica sobre aquilo que é construído e que nos rodeia.

Em outras palavras, compreendemos que é a capacidade que as pessoas têm de acessar as mídias, de analisar e avaliar os conteúdos que são veiculados nos meios. Considera-se, ainda, a capacidade de produzir conteúdos (mensagens) para serem exibidos nas mídias hoje em dia e, também, de compreender a forma como as mídias filtram as percepções e crenças, como elas formatam a cultura popular e como elas influenciam nas escolhas individuais.

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É através da Literacia Midiática que as pessoas poderão ampliar seus conhecimentos, pois ajuda a formar e desenvolver o pensamento crítico e a postura diante das situações sociais e políticas. O indivíduo passa a ter competência e habilidades de se posicionar frente a questões tão cotidianas, já que ele passa a selecionar e a focar as informações para uso e para a transformação e intervenção na comunidade, na sociedade, na família, ou seja, no dia a dia.

Contudo, notamos que esse conceito midiático compreende a capacidade de acessar, analisar e avaliar o poder de imagens, sons e mensagens; de comunicar de forma competente através das mídias disponíveis; e, habilitar os cidadãos para o pensamento crítico e a resolução criativa de problemas a fim de que possam ser consumidores sensatos e produtores de informação.

Conclui-se que quanto mais tivermos elementos que nos ajudem a decodificar essas imagens, melhor preparados estaremos para receber, de certa forma, o mundo que nos adentra através desses meios, contribuindo com a formação do olhar crítico e interventivo (cidadão e profissional), além da elaboração de políticas públicas. Assim, é como se fosse um dos pré-requisitos para o exercício de uma cidadania ativa e para o usufruto dos direitos de liberdade de expressão e informação, sendo essencial na construção e manutenção da democracia.

 

Referências:

POTTER, W. James. The State of Media Literacy. Disponível em: <https://issuu.com/nokaav/docs/potter_the_state_of_media_literacy>. Acesso em: 10 de outubro de 2018.

Gabriela Borges – O que é Literacia Midiática. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=xD8gm50I2Gc>. Acesso em: 4 de outubro de 2018.

Gente que Transforma – O que é Literacia? Parte 1. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=J0X0WgeAKbQ>. Acesso em: 4 de outubro de 2018.

Literacia Midiática – Mirian Tavares. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=scHYTtEzFmQ>. Acesso em: 4 de outubro de 2018.

 

 

A Geração Harry Potter Agora Vota

Para o Professor Anthony Gierzynski, da Universidade de Vermont, a geração que hoje é conhecida como Geração Harry Potter, é um fator relevante para decisões políticas importantes, como até mesmo a eleição de Barack Obama nos EUA. Em seu livro “Harry Potter and the Millennials: Research Methods and the Politics of the Muggle Generation“. Para Gierzynski os ensinamentos passados pela saga de livros foi o suficiente para aproximar um importante grupo de eleitores a temas como a diversidade e movimentos contra violência e tortura, para ele, Harry Potter teve um pequeno papel na eleição, mas não pequeno o suficiente para ser insignificante.

Enquanto isso no Brasil, em um cenário político muito confuso e que sofre modificações constantes durante o último semestre de 2016, é fácil observar fãs se organizando para transmitir informações através de seus fandoms (comunidades) usando como metafora para a situação política do país suas obras favoritas, correlacionando os acontecimentos reais ao que já foi consumido na obra ficcional.

A maioria dessas montagens eram feitas iniciando o argumento com “vocês lembram quando…” e continuavam relatando o acontecimendo de uma obra de maneira que ficava clara a relação com o cenário real. Um exemplo é a relação proposta entre o impeachment de Dilma Rousseff e o assassinato de Jon Snow em Game of Thrones, onde os fãs comentavam sobre uma traição dos próprios aliados ocasionada após o líder ser eleito em uma votação apertada.

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Na imagem acima podemos ver uma página de facebook produzida por fãs comentando a proposta de reforma do Ensimo médio no Brasil. A publicação é rápida e ativa, sendo publicada no mesmo dia que a proposta governamental é noticiada. Ela relaciona o momento do país ao momento em que o Ministério da Magia (Órgão Político Principal do Universo de Harry Potter) passa a interferir no ensino de Hogwarts (a escola de Magia e Bruxaria). Na montagem vemos a responsável da educação enviada pelo Ministério da Magia discursando sobre as mudanças que serão feitas em Hogwarts.

A montagem não deixa clara quais mudanças foram feitas em Hogwarts, e se essas foram positivas ou negativas, mas o público alvo da publicação é justamente quem tem a literacia necessária para preencher as lacunas e relacionar a mandato de Dolores Umbridge (a mulher da imagem) ao mandato de Mendonça Filho (atual ministro da educação). Vemos então, que através do reconhecimento de certos códigos, uma obra pode mais do que influenciar de maneira tímida uma eleição, mas sim posicionar claramente toda uma comunidade de fãs.

Dentro dos parâmetros de competência midiática propostos por Ferrés, podemos perceber com o exemplo o quanto a literacia se faz presente em processos importantes de nossa sociedade. Uma vez que a mensagem não está clara é preciso entender a linguagem, reconhecer os códigos impostos, e assim chegar a um grupo específico. Através da tecnologia então é possível colocar esse código em prática, usando ali as possibilidades de compartilhamento e produção oferecidas pela plataforma, no caso o Facebook, o que acaba gerando a interação dessa comunidade por meio da produção e da difusão desta mensagem. Assim, de uma maneira estética primordial, a obra original e sua nova montagem, são passados para frente valores e ideologias.

FERRÉS, Joan; PISCITELLI, Alejandro. Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. Tradução: Amanda Cadinelli, Amanda Cordeiro Padilha e Carla Gonçalves. Revisão: Ana Inés Garaza, Vitor Lopes Resende e Gabriela Borges. Lumina, Juiz de Fora, v. 9, n. 1, p. 1-16, jun. 2015. Disponível em: <https://lumina.ufjf.emnuvens.com.br/lumina/article/view/436>. Acesso em 8 jun. 2016.

GIERZYNSKI, Anthony; THRELKELD, Kathryn. Harry Potter and the Millennials: Research Methods and the Politics of the Muggle Generation. Not Avail, mai. 2013.

O tribunal virtual do Facebook e do Whatsapp e o efeito do “linchamento virtual”

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Muito antes das redes sociais infectarem mundo afora, boatos e meias verdades já circulavam por aí, fazendo vítimas e destruindo vidas inocentes. Quem não se lembra do exemplo da Escola Base, um terrível episódio na história da imprensa brasileira, que destroçou pessoas inofensivas, em detrimento de boatos e más apurações. Agora imagine isso no mundo virtual, em que uma voz é elevada a décima potência e se faz ouvir a longas distâncias.

Tomemos como exemplo a obra cinematográfica da diretora Carolina Jabor (foto acima), “Aos Teus Olhos” (2018). Como ferramentas de comunicação que levam informações às pessoas, mas também geram boatos e fake news, o Whatsapp e o Facebook podem induzir pessoas a cometerem injustiças, atropelar direitos e potencializar vozes, trazendo muitas vezes consequências catastróficas para certos indivíduos. Este é o segundo longa-metragem de ficção de Jabor, que explora a barbárie humana estimulada pelas redes sociais, revelando o lado primitivo de muitas pessoas, chegando até mesmo ao linchamento virtual.

Da mesma forma que o caso Escola Base fez ao julgar e condenar sem evidências reais e concretas os protagonistas, o mesmo ocorre no filme da diretora, em que um professor de natação é acusado de dar um beijo na boca de uma criança, entretanto, sem provas efetivas. Partindo deste princípio, a narrativa se desenvolve a uma série de acusações e consequências que afetam não só a vida do professor, mas também da escola de natação em si e de terceiros. As redes sociais são o estopim para agressões (físicas e morais) e condenações, levando a situações hostis ao protagonista da história.

Longe de debater a inocência ou culpabilidade do professor, o filme de Jabor propõem uma reflexão acerca do valor da Literacia Midiática dentro das redes sociais, e em como a mesma pode reduzir casos de propagação de mentiras e falsas acusações, além de incentivar um melhor uso do espaço virtual e consequentemente melhorar as relações lá existentes.

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Nos dias atuais, infelizmente, temos casos de injúria e difamação virtual que levaram a mortes de pessoas inocentes. Um deles foi o linchamento da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, em 2014. A vítima foi confundida com uma suposta criminosa que sequestrava crianças para realizar rituais de magia negra, tudo isso por conta de um retrato falado publicado em um post no Facebook de um site notícias do Guarujá (SP). Mas a história não passava de um boato que não foi devidamente apurado.

O linchamento virtual é algo que ocorre nas redes sociais, podendo inclusive mudar a política de um país, como podemos notar pelas fake news nas campanhas eleitorais dos Estados Unidos (2016) e do Brasil (2018). Além disso, é capaz de atrapalhar o livre exercício da profissão de jornalistas que apuram corretamente as informações. Em 2018, 137 profissionais da comunicação foram vítimas de alguma forma de agressão no país.

Referências:

CARVALHO, André; COELHO, Krisllen Mayra; CARNEIRO, Leonardo Ramon; ROCHA, Sarah Maria; BRITO, Rosaly de Seixas. Discurso de ódio nas redes dgitais e a instauração do “tribunal virtual”. In: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom.            Joinville,       2018.  Disponível                               em                          < http://portalintercom.org.br/anais/nacional2018/resumos/R13-0883-1.pdf>.

MARTINUZZO, José Antônio; BASTOS, Marcela Tessarolo. Boatos em rede social no contexto da sociedade midiatizada. Revista ALCEU – v. 18 – n.35 – p. 5 a 20 – jul./dez. 2017. Disponível em < http://revistaalceu.com.puc-rio.br/media/A01_p5-20.pdf>.

SANTOS, Marco Aurélio Moura dos; CUNHA, Renata Silva. Violência Simbólica nas Redes Sociais: incitação à violência coletiva (linchamento). In: VII CONGRESSO BRASILEIRO DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO – REGULAÇÃO DA MÍDIA NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO.           São            Paulo,            2014.           Disponível           em            < http://www.revistaseletronicas.fmu.br/index.php/CBSI/article/view/526/639>.

SOUZA, Balduíno; ALTOÉ, Giovanni. O Whatsapp como Ferramenta de Transformação das Interações Sociais. In: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Centro-Oeste – Goiânia, 2016. Disponível em < http://portalintercom.org.br/anais/centrooeste2016/resumos/R51-0863-1.pdf>.

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46177957.

 

A Literacia nas obas de arte

VanGogh

Como já vimos em postagens anteriores, a literacia midiática é um termo aplicado ao estudo da interpretação textual, ideologia e audiência propagados pela mídia (jornal, TV, rádio, internet). A literacia constrói significados a partir de experiências e contextos (político, econômico, social, cultural), numa tentativa de estabelecer uma autonomia crítica em relação a estes veículos de comunicação.

Estas habilidades entretanto, estão sempre em constante evolução, pois é um processo no qual o objetivo é a pessoa conseguir acessar as informações dos meios, entender as mensagens contidas nestas informações, pensar por conta própria sobre estas informações e fazer escolhas com base nestas informações. Isto faz com que tomemos decisões baseadas em pensamento crítico e proporciona uma cidadania mais ativa.

De entre as várias competências que um cidadão literato a nível midiático deve ter, destaca-se a capacidade para avaliar a confiabilidade da informação que recebe, principalmente quando a informação vem do ambiente digital. Não apenas informações, notícias, textos e imagens, mas para uma cidadania participativa e um maior entendimento do mundo ao redor, é necessário que o cidadão também tenha a capacidade de comunicar e interpretar significados usando as linguagens das disciplinas artísticas, ou seja, que ele tenha uma literacia artística.

A literacia artística “implica a aquisição de competências e uso de sinais e símbolos particulares, distintos em cada arte, para percepcionar e converter mensagens e significados. Requer ainda o entendimento de uma obra de arte no contexto social e cultural que a envolve e o reconhecimento das suas funções nele” (GRANDÍSSIMO, Maria Alice Sousa Dias; CAETANO, Ana Paula Viana, 2010, p.69).

Para as autoras, a literacia em artes ocorre através do uso de capacidades e desenvolvimento de competências, em que o saber não é compartimentado, ele autentica-se sempre que somos capazes de “(re)definir e inserir noutros contextos”. Nesta perspectiva, e de acordo com o artigo defendido por elas, “desenvolver a literacia artística é um processo sempre inacabado de aprendizagem e participação, o que contribui para o desenvolvimento das nossas comunidades e culturas, num mundo onde o domínio de literacias múltiplas é cada vez mais importante” (GRANDÍSSIMO, Maria Alice Sousa Dias; CAETANO, Ana Paula Viana, 2010, p.69).

A literacia pode ser entendida como uma leitura da vida, a capacidade que os humanos têm para (re) ler e (re) escrever o próprio mundo e de (re)criar (re)significações. Esta característica, seria portanto, a liberdade.

Pedro de Andrade em seu artigo, faz uma abordagem de sobre as principais regiões sociais de aprendizagem dos saberes e da cidadania, os locais de consumo de cultura, lazer, jogo, entretenimento e informação. Para o autor, estes lugares são como novos territórios de formação informal ao longo da vida. “Numa dessas arenas – o museu de arte – a formação informal permite, por exemplo, a construção da literacia artística, que consiste no processo de comunicação estruturado pela leitura e escrita próprias das actividades artísticas, especificamente no seio da produção da obra de arte, através da sua mediação pelo museu, e no seu consumo. Na modernidade avançada/pós-modernidade, surge ainda a inédita ‘literacia multicultural e híbrida’. Tais figurações de literacia, em articulação com as opiniões públicas local, nacional e global, contribuem para o investimento recente na cidadania cultural por parte do habitante da urbe, em especial no quadro das ‘cidades criativas’” (ANDRADE, Pedro de, 2008, p.51).

Andrade opina que os museus devem ser considerados ‘instituições de comunicação’, onde se nota uma mudança nos tipos de apresentação das obras ao público. Os visitantes dos museus, segundo o autor, devem ser entendidos como utilizadores ativos, embora os modos de interatividade se mostrem um tanto diversos, conforme os tipos de museus analisados, seja científico, técnico, artístico ou outro.

O texto ainda aborda a conexão entre os museus e a formação informal, uma relação notável entre a museologia e a comunicação, redefinindo o espaço do museu enquanto espaço cultural e lúdico dirigido a segmentos de público tendencialmente diferenciados. “No campo da cultura e das artes, de que nos ocuparemos neste texto, o ‘analfabetismo artístico’ surge como a incapacidade, total ou parcial, de entender e registar a linguagem da arte. Por sua vez, a ‘iliteracia digital’ reside na desqualificação crónica relativamente à leitura e à escrita da informação e da cultura veiculada” (ANDRADE, Pedro de, 2008, p.53).

Por isso a importância para, “no campo artístico, tais políticas deverão suscitar um melhor conhecimento das artes, para que possa emergir uma cidadania artística mais consciente e mais informada” (ANDRADE, Pedro de, 2008), a fim de compreender melhor obras artísticas que se relacionam com a mídia. Um exemplo que ilustra bem é o filme “Com amor Van Gogh” (2017), considerado a primeira animação do mundo feita totalmente com pinturas. Com tinta a óleo sobre a tela, a história se desenrola em traços muito similares aos de Van Gogh, por meio do trabalho de pintores que reproduzem a técnica do artista holandês. Todos os mais de 65 mil frames foram pintados à mão por uma equipe de 125 artistas. Já disponível na Netflix, o longa de animação narra a história do carteiro Armand Roulin que encontra uma carta de Van Gogh destinada ao irmão, Theo. Armand decide então ir até Arles entregar a carta aos familiares do artista.

Outro exemplo bem conhecido é a influência de obras de arte em obras cinematográficas. É inegável que a pintura é transplantada ao cinema por meio de referências e dedicatórias. Um canal no Vimeo (Film Meets Art) se dedica a fazer esta incrível compilação.

Portanto, a literacia artística pode ser definida como capacidade de reconhecer, compreender e exprimir corretamente uma obra em qualquer meio de expressão visual.

 

ANDRADE, Pedro de. Cidadania cultural e literacia artística: lazeres e saberes em museus e cibermuseus da cidade criativa. In: Comunicação e Sociedade, vol. 14, 2008, pp. 51-59

CRARY, J. Suspensões da percepção: atenção, espetáculo e cultura moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

GRANDÍSSIMO, Maria Alice Sousa Dias; CAETANO, Ana Paula Viana. A Obra de Arte como um caminho para uma Literacia Artística no Currículo de EVT. 2010,

 

A arqueologia das mídias

Em seus capítulos 11 e 12 do livro “Temas e dilemas do pós digital” (SANTAELLA, 2016), Lucia Santaella relata que, atualmente, há atenção ao arquivo por várias razões. Uma delas, segundo ela, é a arqueologia das mídias. Para discorrer sobre o tema da arqueologia, a autora recorre a alguns pensadores, como: Sigmund Freud; Walter Benjamin e Michel Foucault. Para ela, a arqueologia se trata de um método aberto, por haver distinções conceituais e metodológicas entre pensadores. Para isso, ela debate acerca da definição de “arquivo” apresentada pelos autores supracitados.

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De acordo com Santaella, Freud pensava no trabalho do arqueólogo como uma analogia para o funcionamento do inconsciente, sendo que o analista deveria desempenhar uma tarefa similar. Assim como o arqueólogo, o psicanalista se debruça sobre restos, resíduos, fragmentos. “Foi Freud quem, com inusitada força, mostrou que os caminhos pelos quais aparece o incondicional do sujeito não são os assignados ao discurso de um logos seguro da sua própria presença e voz, mas aquelas fendas que percorrem o corpo, as emergências a meia voz, os documentos de arquivo que se revelam com efeito de retardo e sem possibilidade de domesticação calculadora” (FASOLINO, 2014). Freud, portanto, baseava o seu trabalho na desconstrução do que era dito e demonstrado por seus pacientes.

Em uma perspectiva similar à freudiana, Benjamin também compara a arqueologia à historiografia. Para ele, a história é descontínua, não sendo, portanto, linear. De acordo com o pensador, a historiografia é burguesa e social democrata, sendo ela baseada na crença no progresso, sustentada em um pensamento capitalista. Dessa forma, ela é um documento de barbárie, uma vez que os povos dominantes exercem violência sobre a cultura dominada.

O pensador se compara à Freud, porque para ele, a história pode servir como metáfora para um tempo repleto de agoras, por meio dos quais o presente conversa com diversos passados.. Nesse sentido, ele defende uma visão plural sobre a história, sendo ela repleta de fragmentos.

“A verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado se deixa fixar, como imagem que relampeja irreversivelmente no instante de sua cognoscibilidade. Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo “como ele de fato foi”. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo (BENJAMIN, 1973, p.80).

Benjamin e Freud abordam, portanto, a história enquanto um acúmulo de fragmentos, sendo necessário desvendá-los, ou seja, buscar o que ficou esquecido.

“Quem pretende aproximar-se do próprio passado soterrado deve agir como homem que escava. Antes de tudo, não deve temer voltar sempre ao mesmo fato, espalhá-lo como se espalha a terra, resolvê-lo como se resolve o solo. Pois fatos nada são além de camadas que apenas à exploração mais cuidadosa entregam aquilo que recompensa a escavação” (BENJAMIN, 1987, p. 239).

Foucault aborda, em seu livro A “Arqueologia do Saber” (1972), a arqueologia enquanto método. Esta, por sua vez, procura estudar as estratégias de organização dos saberes por meio de formações discursivas. É importante entender, entretanto, que essas formações nascem a partir de uma série de relações estabelecidas por processos econômicos e sociais, instituições, sistemas de normas, formas de comportamento, técnicas, modos de caracterização e tipos de classificação. É papel dessa arqueologia, dessa forma, desvendar tais jogos responsáveis por formular um determinado discurso.

Segundo Foucault, essas formações discursivas são constituídas por arquivos. O arquivo, para o pensador, é a lei do que pode ou não pode ser dito. Trata-se, portanto, de um sistema de formações discursivas, responsável por selecionar aquilo que vai ser conectado à história e aquilo que será excluído. Para Foucault, o arquivo define aquilo que merece ser memorizado e esquecido. A arqueologia, nesse sentido, procura estudar esse arquivo, desconstruindo essas formações discursivas, essas pequenas partes, já que é impossível recuperar o arquivo em sua totalidade.

Nesse sentido, é possível traçar uma similaridade entre Freud, Benjamin e Foucault, já que eles abordam a desconstrução enquanto alternativas para o acesso ao arquivo, à essa bacia semântica.

Referências:

BENJAMIN, Walter. “Tesis de filosofía de la historia”, in: Discursos interrumpidos I, Jesús Aguirre (trad.). Madrid: Taurus, 1973, pp. 175-192.

_____. Obras escolhidas II. Rua de mão única, Rubens R. Torres Filho e José Carlos M. Barbosa (trads). São Paulo: Brasiliense, 1987.

FASOLINO, Ruben. Derrida, Freud e o retorno do arquivo. Natal, 2014. Rev. Princípios, v.21, n.35, p. 63-83.

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber, Luiz Felipe Baeta (trad.). Petrópolis: Vozes, 1972.

SANTAELLA, Lucia. Temas e dilemas do pós-digital: a voz da política. São Paulo: Paulus, 2016.

 

Ciberespaço, cultura participativa e memória

Por: Isabella Gonçalves

Ao estudar o imaginário e a memória, é possível traçar uma relação entre eles. Ambos não são estáticos, sendo, portanto, construídos e subjetivos. Dessa forma, podem sofrer transformações ao longo do tempo, influenciados pelo contexto social. Tratam-se, nesse sentido, de “bacias semânticas”, “espíritos do tempo”, “obras abertas”, que se transformam a partir da influência das instituições sociais e de indivíduos. Em seu livro publicado em 2003, Juremir Machado da Silva discorre acerca das Tecnologias do Imaginário, definindo-as como dispositivos (Foucault) de “intervenção, formatação, inferência e construção das “bacias semânticas” que determinarão a complexidade (Morin) dos trajetos antropológicos de indivíduos ou grupos” (SILVA, 2003, p.20).

O pesquisador define as diferentes tecnologias como tecnologias do imaginário, por serem elas as responsáveis por atuarem na construção do imaginário social. Pensando sobre isso, é possível refletir, então, acerca da incipiência do conceito “tecnologias da memória”, já que a partir da primeira delas, a escrita cuneiforme, a relação social do homem com a memória se transformou profundamente. Naquela época, os sumérios utilizavam a escrita para arquivar informações matemáticas do governo, tomando cuidado, desde então, para o seu armazenamento.

Em contraste, anteriormente, com os gregos, era necessário um sistema de memória cerebral, utilizado para facilitar a lembrança de determinadas informações. Não havia, para tanto, a confiabilidade na palavra escrita, mas em associações feitas a partir da relação do homem com emoções, espaços e objetos, responsáveis por trazer a lembrança à memória humana. Mas os sumérios promoveram a possibilidade do arquivamento, o que mudou essa relação, já que a partir de então foi possível confiar em um outro para lembrar. Para isso, entretanto, era necessário espaço, sendo preciso calcular os custos de tal preservação. A pergunta da vez era, dessa forma: “o que podemos guardar?”, já que não era possível armazenar tudo, diante da ausência de espaço e de capital (RUMSEY, 2016).

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No século XXI, a relação do homem com a memória se transformou ainda mais. A partir do ciberespaço, vivenciamos a lacuna material, diante do emaranhado de dados, no qual não há objetos, apenas bits. A Web 2.0, protagonista desse contexto, permitiu o início de uma cultura participativa (JENKINS, 2014), na qual o sujeito anônimo ganhou voz, podendo também produzir conteúdo. Além disso, a partir do intercruzamento da dados, houve o surgimento de uma inteligência coletiva (LÉVY, 2003), responsável por transformar as mais diversas relações sociais, inclusive a dialética do lembrar e do esquecer e, naturalmente, a própria memória coletiva, que se tornou fragmentária, não sendo ela tão influenciada por instituições, como outrora. Nesse mundo digital, no qual os arquivos ganham as nuvens e são visualizados em uma tela repleta de pixels, a pergunta de ordem mudou. Antes, nos preocupávamos com o que era necessário guardar. Hoje, a questão que parece urgente é refletir sobre o que é necessário esquecer.

Referências

JENKINS, Henry. Cultura da Conexão: criando valor e significado pela mídia propagável. São Paulo, 2014.

LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 2003.

RUMSEY, Abby. When are no more – how digital memory is shaping our future? London: Bloomsbury, 2016.

SILVA, Juremir Machado. As Tecnologias do Imaginário. Porto Alegre, Sulina, 2006.

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