Literacies

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Arquivo mensal: outubro 2016

Cultura participativa e eleições: o que ainda precisamos entender?

Se o sentimento de crise pode ser entendido como positivo de alguma forma, certamente  isso acontece quando aproveitamos para refletir sobre os caminhos que levaram a essa situação. Após o processo de impeachment de Dilma Rousseff, as eleições municipais de 2016 tiveram um ar, no mínimo, de estranheza. A começar pela maneira como as campanhas foram conduzidas, com menor tempo na TV e menos sujeira nas ruas (nem parecia período eleitoral), o resultado das urnas demonstrou um aumento no número de eleitores que não optaram por nenhum candidato. Em São Paulo, por exemplo, o número de votos nulos e brancos cresceu em 30% em relação a 2012, segundo o jornal Folha de São Paulo[1]sem-titulo

Em entrevista concedida a Ricardo de Querol, do El País, Zygmunt Bauman, uma das maiores referências da sociologia contemporânea, explica que “O que está acontecendo ago ra, o que podemos chamar de crise da democracia, é o colapso da confiança. A crença de que os líderes não só são corruptos ou estúpidos, mas também incapazes”.[2]

No Rio de Janeiro, onde há segundo turno das eleições, tem chamado atenção a quantidade de boatos vinculados nas redes sociais online atribuídas aos candidatos. Em um dos debates, o candidato Marcelo Freixo chegou a solicitar de seu oponente, Marcelo Crivella, que desmentisse as falsas acusações que seus correligionários fazem a Freixo. Além disso, o candidato criou também o site “A verdade sobre Freixo” em que se dedica a esclarecer as afirmações atribuídas a ele por meio do Facebook, Twitter e Whatsapp.

Segundo a Folha de São Paulo, O Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo vem investigando o caso e afirma que contas administradas por robôs têm contribuído na divulgação dos boatos. Para o coordenador da pesquisa, a quantidade de publicações gera uma sensação falsa de que o candidato é estimado ou não pelo público e, portanto, pode manipular os eleitores[3].

Mas o que isso tem a ver com a literacia?

O conceito de literacia, apropriado pelo campo da comunicação, tem em Henry Jenkins um dos principais expoentes. Para o autor, a noção de cultura participativa representa um contraste à passividade dos meios de comunicação mais tradicionais que produzem conteúdo para os espectadores. No contexto da “Sociedade do Espetáculo”, proposta por Guy Debord, há uma subversão da oposição entre produção e consumo, na qual os consumidores passam a ter papel relevante na produção de novos conteúdos, podendo assim expressar sua criatividade e agir com maior autonomia.

Liberdades, no entanto, pressupõem responsabilidades. Anular ou votar em branco, como aconteceu com parte significativa do eleitorado da cidade de São Paulo, implica em deixar que os outros escolham por você. Isso também é uma escolha. Hoje, as tecnologias permitem meios de manipulação do eleitorado mais sutis que o voto de cabresto, portanto, é preciso estar atento. Acredita-se que a literacia midiática pode contribuir para habilitar o cidadão a lidar de forma crítica com as mensagens que recebe. A literacia está estritamente ligada a democracia e, por consequência, com a produção livre de conteúdo. Em estágios menos avançados, pode gerar fenômenos como esse observado na cidade do Rio de Janeiro. Contudo, apesar de andarmos a passos lentos, esse ainda é o melhor caminho.

REFERÊNCIA

DEBORD, G. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

[1] Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes-2016/2016/10/1819619-percentual-de-votos-nulos-brancos-e-abstencoes-aumenta-e-desperta-debate.shtml. Acesso em: 14/10/2016.

[2] Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/12/30/cultura/1451504427_675885.html. Acesso em 24/10/2016.

[3] Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes-2016/2016/10/1823713-eleicao-no-rio-tem-tatica-antiboato-e-suspeita-de-uso-de-robos.shtml. Acesso em: 24/10/2016.

A Geração Harry Potter Agora Vota

Para o Professor Anthony Gierzynski, da Universidade de Vermont, a geração que hoje é conhecida como Geração Harry Potter, é um fator relevante para decisões políticas importantes, como até mesmo a eleição de Barack Obama nos EUA. Em seu livro “Harry Potter and the Millennials: Research Methods and the Politics of the Muggle Generation“. Para Gierzynski os ensinamentos passados pela saga de livros foi o suficiente para aproximar um importante grupo de eleitores a temas como a diversidade e movimentos contra violência e tortura, para ele, Harry Potter teve um pequeno papel na eleição, mas não pequeno o suficiente para ser insignificante.

Enquanto isso no Brasil, em um cenário político muito confuso e que sofre modificações constantes durante o último semestre de 2016, é fácil observar fãs se organizando para transmitir informações através de seus fandoms (comunidades) usando como metafora para a situação política do país suas obras favoritas, correlacionando os acontecimentos reais ao que já foi consumido na obra ficcional.

A maioria dessas montagens eram feitas iniciando o argumento com “vocês lembram quando…” e continuavam relatando o acontecimendo de uma obra de maneira que ficava clara a relação com o cenário real. Um exemplo é a relação proposta entre o impeachment de Dilma Rousseff e o assassinato de Jon Snow em Game of Thrones, onde os fãs comentavam sobre uma traição dos próprios aliados ocasionada após o líder ser eleito em uma votação apertada.

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Na imagem acima podemos ver uma página de facebook produzida por fãs comentando a proposta de reforma do Ensimo médio no Brasil. A publicação é rápida e ativa, sendo publicada no mesmo dia que a proposta governamental é noticiada. Ela relaciona o momento do país ao momento em que o Ministério da Magia (Órgão Político Principal do Universo de Harry Potter) passa a interferir no ensino de Hogwarts (a escola de Magia e Bruxaria). Na montagem vemos a responsável da educação enviada pelo Ministério da Magia discursando sobre as mudanças que serão feitas em Hogwarts.

A montagem não deixa clara quais mudanças foram feitas em Hogwarts, e se essas foram positivas ou negativas, mas o público alvo da publicação é justamente quem tem a literacia necessária para preencher as lacunas e relacionar a mandato de Dolores Umbridge (a mulher da imagem) ao mandato de Mendonça Filho (atual ministro da educação). Vemos então, que através do reconhecimento de certos códigos, uma obra pode mais do que influenciar de maneira tímida uma eleição, mas sim posicionar claramente toda uma comunidade de fãs.

Dentro dos parâmetros de competência midiática propostos por Ferrés, podemos perceber com o exemplo o quanto a literacia se faz presente em processos importantes de nossa sociedade. Uma vez que a mensagem não está clara é preciso entender a linguagem, reconhecer os códigos impostos, e assim chegar a um grupo específico. Através da tecnologia então é possível colocar esse código em prática, usando ali as possibilidades de compartilhamento e produção oferecidas pela plataforma, no caso o Facebook, o que acaba gerando a interação dessa comunidade por meio da produção e da difusão desta mensagem. Assim, de uma maneira estética primordial, a obra original e sua nova montagem, são passados para frente valores e ideologias.

FERRÉS, Joan; PISCITELLI, Alejandro. Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. Tradução: Amanda Cadinelli, Amanda Cordeiro Padilha e Carla Gonçalves. Revisão: Ana Inés Garaza, Vitor Lopes Resende e Gabriela Borges. Lumina, Juiz de Fora, v. 9, n. 1, p. 1-16, jun. 2015. Disponível em: <https://lumina.ufjf.emnuvens.com.br/lumina/article/view/436>. Acesso em 8 jun. 2016.

GIERZYNSKI, Anthony; THRELKELD, Kathryn. Harry Potter and the Millennials: Research Methods and the Politics of the Muggle Generation. Not Avail, mai. 2013.

Fanfest Brandcast e fenômeno do YouTube Brasil

“O que 800 fãs enlouquecidos e milhões de brasileiros têm em comum? A paixão pelo YouTube.” Como essa sentença, Fabio Coelho, diretor-geral do Google Brasil e vice-presidente do Google Inc. começa seu relato sobre a edição brasileira da FanFest | Brandcast, o maior evento do YouTube do ano, realizado no último dia 05 de outubro em São Paulo.

O evento reuniu 125 dos youtubers brasileiros mais influentes e apresentou dados impressionantes. Segundo Fabio, dos 85 milhões de brasileiros que assistem vídeos on-line hoje, 82 milhões fazem isso no YouTube, sendo que o tempo de visualização da plataforma cresceu 70% no Brasil, boa parte através de dispositivos móveis. E vai além. No ano passado, das três celebridades brasileiras mais influentes entre os jovens, apenas uma era youtuber , segundo dados da pesquisa realizada pela plataforma em parceria com o veículo Meio&Mensagem. Este ano, dois youtubers chegaram ao top 3 da pesquisa:  Whindersson Nunes e o casal Leon e Nilce, do Coisa de Nerd. Esses dados são muito representativos quando refletimos de que forma esses milhões de conteúdos estão sendo divulgados, absorvidos e reinterpretados por esse grande público no ambiente imersivo da internet.

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Nilce do Coisa de Nerd em um dos painéis da Fanfest Brandcast 2016

A plataforma YouTube é hoje um dos elementos mais representativos das novas mídias, onde o consumo, produção e compartilhamento podem ser observados de forma quase simultânea. Seu slogan, “Broadcast Yourself” evidencia como há um incentivo direto ao usuário para produzir e também ser um referencial de transmissão de conteúdos na rede. O termo broadcasting, cuja tradução literal refere-se ao conceito de radiodifusão, está associado ao princípio básico dos meios de comunicação de massa e sua forma de transmissão midiática a partir de uma única origem para vários receptores. Quando o Youtube utiliza-se dessa nomenclatura, e a ele o yourself (si mesmo), está criando a ideia de que o próprio sujeito torna-se um canal de difusão para inúmeros receptores.

Segundo dados disponibilizados pela plataforma, o Youtube possui hoje mais de 1 bilhão de usuários, totalizando quase um terço dos usuários totais da internet. Para Jenkinks (2009) a plataforma é uma organização social maior, onde novos diálogos estão se construindo e reconfigurando. Segundo o autor, é preciso considerar o YouTube como um veículo de mídia espalhável, ou seja, parte de sua criação de valor está fortemente alicerçada em sua capacidade de fácil difusão dos conteúdos produzidos; essa funcionalidade, aliada ao fato de ser a primeira plataforma que uniu, pela primeira vez, as funções de produção, seleção e distribuição, dando um enfoque mais profundo às pessoas comuns, comprova sua grande audiência e predileção por parte de milhões de usuários pelo mundo e no Brasil.

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Esses dados indicam a importância do estudo e de novas políticas que visem lançar um olhar crítico sobre a nova era do prossumidor. Afinal, o público, que recebe e também gera conteúdo quase que diariamente, sabe de fato, interpretar e refletir sobre essa enorme gama de conteúdos midiáticos? Sabe lançar um olhar criterioso e analítico sobre às mensagens que consome e produz? Preocupados com essa questão, estudiosos da Universidade de Pompeu Fabra em Barcelona, na Espanha, em conjunto com diversos pesquisadores do mundo, vem desenvolvendo métodos e técnicas que visem averiguar as competências midiáticas da população.

O compromisso social e cultural do estudo é contribuir para a ampliação da autonomia dos indivíduos, para que, de posse das diversas mensagens midiáticas diárias, o cidadão possa interpretá-las e, também propagá-las de forma responsável e independente. Afinal, como se processa a experiência da interação com as telas? O objetivo da educação midiática sobre esta experiência, tão inerente à cultura participativa e remix que vivenciamos, pretende garantir que a autonomia individual de cada um de nós seja preservada perante à mídia, através de uma gestão responsável de nosso capital emocional, como aponta Joan Ferrés, um dos principais pesquisadores responsáveis pela empreitada em Barcelona.

Afinal, a Fanfest Brandcast 2016 veio para mostrar que o YouTube Brasil cresceu, apareceu e mostrou que, mais do que uma proposta metodológica, o estudo e aplicação das competência midiáticas são uma urgência em nossa sociedade super conectada e interativa.

Karina Menezes Vasconcellos – Mestranda em Comunicação e Sociedade PPGCom UFJF

Força do YouTube requer o desenvolvimento de novas habilidades do público

A incorporação da Internet do processo comunicacional foi responsável não só pelas mudanças ocorridas na forma como as pessoas consumem conteúdos de mídias, mas, principalmente, por possibilitar que elas também produzam e compartilhem suas próprias criações.

Esse cenário, marcado pela multiplicidade de discursos e forte interação entre os usuários, foi descrito por Henry Jenkins (2009) como o de convergência dos meios, no qual aqueles indivíduos acostumados a apenas receber o conteúdo divulgado pelas grandes empresas de comunicação, se utilizam da rede formada pela Internet e passam também a disseminar suas próprias produções.

Dados da Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 comprovam essa mudança ao apontar que quase metade dos brasileiros utiliza a internet (48%), enquanto apenas 21% da população leem jornais pelo menos uma vez por semana. Embora a televisão ainda seja o principal meio de informação das pessoas, cuja programação é vista por 95% dos entrevistados, o meio digital vem sendo acessado por um número cada vez maior de pessoas, que gastam cerca de 5 horas do dia conectados à rede.

Dos 20 influenciadores apontados pelo estudo, 10 são YouTubers

Dos 20 influenciadores apontados pelo estudo, 10 são YouTubers

Em parceria com o Google, gigante da comunicação mundial e responsável pela maior plataforma de vídeos do planeta — o YouTube —, o portal Meio & Mensagem, juntamente com a Provokers, empresa especializada em pesquisas, realizou em 2015 um estudo com adolescentes entre 14 e 17 anos que apontou a força de influência dos YouTubers, produtores independentes de conteúdo que alcançam fama na Internet a partir de seus vídeos.

Aos entrevistados foi pedido que indicassem cinco personalidades envolvidas com vídeo admiradas por eles, de áreas como televisão, cinema ou Internet. De 20 celebridades, dez delas são YouTubers, ou seja, conseguiram seus fãs por meio de vídeos postados de forma independente no YouTube, contornando o principal caminho até então conhecido daqueles que, de fato, conseguiram “sucesso”: a televisão.

Pesquisas como essa vão ao encontro do trabalho coordenado pela Universidade Pompeu Fabra de Barcelona e que envolveu mais 17 instituições espanholas, que aponta para a necessidade de ser desenvolvido no consumidor o senso crítico necessário para que ele possa distinguir a “qualidade” das mensagens que recebe diariamente, ponto chave da faculdade denominada competência midiática.

De acordo com o Professor Joan Ferrés, principal responsável pelo estudo, a principal ferramenta propiciada pela competência midiática é dar a autonomia necessária para que o cidadão tenha condição de interpretar o conteúdo que recebe e, principalmente, seja capaz de propaga-lo de forma correta e precisa. E ações como essa se mostram de extrema importância quando grande parte da referência de mundo passada às novas gerações é construída por outros jovens, que na maioria das vezes não possui esse tipo de conhecimento. Por isso, como aponta o trabalho de Ferrés, devemos atentar para que o estudo das competências midiáticas, assim como suas aplicações, saia da teoria e seja de fato aplicado na sociedade, hoje cada vez mais interativa e conectada.

Eduardo Moreira, Michele Pereira e Rodrigo Lobão

Expecto Patronum: As competências midiáticas por trás do Ativismo

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Falar de Literacias é, sem dúvida, falar de competências midiáticas. Esse termo, como Ferrés e Piscitelli mostram em seu artigo de 2015, se refere aos domínios de conhecimentos, habilidades e atitudes relacionadas ao uso das mídias convergentes na atualidade. Para analisar essas competências nos mais variados âmbitos culturais e sociais das mídias sociais, dos produtos midiáticos e do comportamento das pessoas relacionado às redes, os pesquisadores em questão elencaram algumas dimensões básicas de análise adaptáveis a vários contextos.

Com essa premissa, vamos hoje tentar analisar a prática do Ativismo Político e Social nas redes através de alguns desses pontos. Levando em consideração a influência de alguns atores sociais sobre a opinião política de outras pessoas, consideramos que essa influência está relacionada a uma literacia mais desenvolvida por parte desses atores. A análise em questão será, dessa forma, focada nesses atores de maior influência.

No âmbito da linguagem, podemos observar algumas práticas de atores sociais que demonstram sua proatividade e facilidade de lidar com questões relacionadas a rede e sua expressividade. Quando recebem informações, respostas ou propostas em rede, interpretam e avaliam os códigos de representação e a função que estes cumprem de forma contextualizada. Assim também o fazem com mensagens, os sentidos atribuídos a elas e a forma com a qual elas são apresentadas, compartilhadas e debatidas.

Somado a isso, uma capacidade ímpar ainda no âmbito da linguagem está relacionada à capacidade de adquirir informações de múltiplas mídias, plataformas e fontes, possibilitando articulações mais amplas e melhor estruturadas, impedindo pré julgamentos errôneos, uso do senso comum de forma despretensiosas ou então compartilhamento às cegas de notícias falsas, exageradas ou equivocadas. Na atual cultura da convergência, tal habilidade além de crucial, deixa a pessoa com maior domínio sobre as diversas plataformas informacionais correlacionadas.

Ligado a isso, no âmbito da expressão nas diversas mídias, esses atores sociais específicos ligados ao ativismo político e social também possuem competências relacionadas à capacidade de elaborar produtos e modificar os existentes para questionar valores ou estereótipos presentes em determinadas produções midiáticas. Esses atores, assim como muitos ativistas online se comprometem em exercer sua função social de desconstruir determinados saberes ligados ao senso comum ou a alguma crença específica que seja maléfico para uma parcela da população.

De forma geral, essas capacidades estão todas relacionadas a uma outra que diz sobre aproveitar as novas ferramentas comunicativas para transmitir valores e contribuir para a melhoria do ambiente em que vivemos. Isso pode ser transformado em realidade de diversas maneiras. Um exemplo é como o fandom de Harry Potter é capaz de utilizar a voz ativa, organizada por meio de redes sociais segmentadas. Parte desse fandom foi responsável pela criação do The Harry Potter Alliance, uma organização sem fins lucrativos, interessados em atuar em áreas sociais como igualdade, direitos humanos e alfabetização. Eles associam em como fãs, interessados em comunidades e sites, podem utilizar essa paixão por algo em um ativismo para o bem de diversas causas. Sua campanha mais famosa é a Accio Books, focada em arrecadar livros para as bibliotecas necessitadas ao redor do mundo. Sua mais recente ação está utilizando a estréia do novo filme “Animais Fantásticos e Onde Habitam” para lutar por causas referentes aos animais.

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Voluntários da campanha Accio Books em 2014

Se utilizarmos a análise de Ferrés e Piscitelli nesse caso, podemos observar vários fatores que colidem. Na parte referente a linguagem, talvez a característica mais forte nesse exemplo, é a própria maneira como os fãs são capazes de compreender todo o universo literário e cinematográfico de Harry Potter, como projeta-lo na realidade por meio de expressões de seus códigos específicos, que justamente, seria outra capacidade de definir o fandom. Na questão da tecnologia é inegável como ela foi indispensável para a organização desse grupo de pessoas. Muito além de conversar com as pessoas fisicamente próximas, foi possível o diálogo entre continentes sobre o mesmo tema. Como forma de expressão é válido ressaltar a criação (de fãs para fãs) de sites, fanfics e redes sociais.

Por interação podemos citar a própria seleção dos fãs por sites mais confiáveis para discussão, criação de eventos e reuniões (onlines ou presenciais) para a organização dos principais assuntos do momento, relevantes aquele grupo de interatores. Muitas vezes eles escolhem diversas mídias diferentes: um fórum, uma transmissão live, um chat, entre outros. Assim como no âmbito da produção, milhares de fanfics e vídeos são os exemplos mais comuns nesse caso. A própria difusão desse material é bem organizado em sites e grupos em redes sociais focados nesse tipo de publicação. Partindo para a parte de “ideologia e valores”, não poderia ser por falta de motivos que uma organização sem fins lucrativos voltada a promover o bem para a sociedade fosse criado a partir de uma saga de livros infanto-juvenil. A mensagem é claramente transmitida na história, a valorização da educação como fonte de transformação, a luta contra o “mal”, a rejeição de preconceitos e a ideia de que a bondade é capaz de mudar o mundo, como num passe de mágica.

Por que não utilizar o Instagram Stories?

Nas primeiras teorias, há sempre dois polos bem definidos no processo de comunicação: emissores e receptores. De uma forma geral, a Escola de Chicago (Mass Comunication Research) e a Escola de Frankfurt (Teoria Crítica), apesar de apresentarem visões diferentes, colocavam os receptores sempre como vítimas de constante manipulação, verdadeiras marionetes nas mãos dos meios de comunicação. Isso significa que um peso maior era atribuído à mídia no processo de comunicação.

Os Estudos Culturais Ingleses e as reflexões de Jesús Martin-Barbero e Néstor García Canclini, na América Latina, no entanto, passaram a reconhecer a importância do receptor em todo processo, os quais começaram a ser considerados como pessoas com capacidade para interpretar as mensagens a seu modo e também a reagir a elas.

O digital e a internet selaram esse processo e permitiram que as barreiras entre emissor e receptor fossem praticamente derrubadas. Os receptores ganharam espaço e agora, além de consumidores, passaram a ser também produtores. Podem ser definidos, assim, como prossumidores (FERRÉS E PISCITELLI, 2015, p. 5).

Os antigos receptores ganharam tanto espaço na rede que, atualmente, quem precisa acompanha-los são as mídias tradicionais se não desejarem perder espaço. Apesar de a maioria das empresas jornalísticas estarem nas redes sociais mais antigas, como Facebook e Twitter, ainda têm uma tímida participação nas mais modernas, como o Snapchat, e também utilizam pouco a ferramenta mais nova do Instagram, o Instagram Stories.

O Instagram Stories é uma funcionalidade lançada este ano no aplicativo, a qual permite que seus usuários publiquem fotos e vídeos com emotions e ilustrações desenhadas à mão. Esses conteúdos ficam disponíveis por apenas um dia e, depois disso, são excluídos. O recurso é semelhante ao “Stories” do Snapchat.

Apesar de a maioria dos usuários ativos do Instagram já estar usando a nova ferramenta e aproveitando para divulgar seus próprios conteúdos, as empresas jornalísticas parecem ter ficado para trás. Atualmente, dentre as que melhores utilizam a ferramenta, estão as revistas Galileu e Glamour, que se caracterizam por seus conteúdos jornalísticos mais leves. Seria interessante também a tentativa de utilização do recurso em Hard News, por jornais que já estão no Instagram, como a Folha de S. Paulo e o Globo, por exemplo.

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É evidente que, principalmente os conteúdos de hard news, precisarão de uma adaptação para estarem no Instragam Stories. Como já dizia McLuhan, o meio é a mensagem. Desta forma, se não fazemos o mesmo jornalismo para o impresso, rádio, TV e, mais recentemente, para a internet, é necessário saber adaptar os conteúdos também para o Stories.

Mais do que nunca, muitos usuários já parecem estar “educados” para produzir conteúdo utilizando novas ferramentas. E a maioria dos snapchaters, por exemplo, são jovens entre 18 à 24 anos, segundo o ComScore. É evidente que se faz necessário continuarmos impulsionando e lutando por políticas públicas que incentivem a reflexão sobre o processo de construção de mensagens. Só assim haverá maior compreensão de tais mensagens e estaremos mais preparados para atuar sobre elas. No entanto, as mídias tradicionais também devem ser mais ativas na rede se quiserem atrair, principalmente, o público jovem.

Referências:

FERRÉS, Joan; PISCITELLI, Alejandro. Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. Tradução: Amanda Cadinelli, Amanda Cordeiro Padilha e Carla Gonçalves. Revisão: Ana Inés Garaza, Vitor Lopes Resende e Gabriela Borges. Lumina, Juiz de Fora, v. 9, n. 1, p. 1-16, jun. 2015. Disponível em: <https://lumina.ufjf.emnuvens.com.br/lumina/article/view/436>. Acesso em 8 jun. 2016.

O Ativismo nas redes, a falta da Literacia e o feijão assassino

20160106-beans-vicky-wasik-1Literacia não é exatamente um conceito inaugurado recentemente nos estudos culturais e comunicacionais, entretanto sua vertente mais diretamente ligada às mídias é. Entende-se por literacia, como já falado em outros textos aqui no blog, a soma de habilidades relacionadas ao uso consciente da língua e dos aparatos instrumentais ligados a ela em uma determinada cultura. Isso envolve também a leitura crítica e a produção criativa de conteúdos, demonstrando o domínio da língua por parte do sujeito. Os estudos relacionados a essa temática trazem como principal característica o foco no sujeito como motor principal de atividade tanto das mídias como dos artefatos tecnológicos mais avançados.

No Brasil, desde 2013 uma nova forma de utilizar da literacia midiática está surgindo. Tendo impulso inicial nos protestos que ocorreram no ano citado, mídias sociais como o Facebook e o Twitter se encheram de debates e discussões políticas que, de ano em ano, estão propiciando maior participação política por uma considerável parcela da população. Esse “palco” é protagonizado pela geração que o próprio Henry Jenkins já falava em seu livro de 2009 que seriam os pioneiros do que chamamos hoje de Literacia Midiática, aqueles que cresceram junto com a Cultura da Convergência, dos anos 1980 para cá. Mas como toda moeda possui dois lados, o ativismo despreparado causa certas confusões e desinformações na rede, atrapalhando o desenvolvimento da Inteligência Coletiva.

A smartphone user shows the Facebook application on his phone in Zenica, in this photo illustration

Não é raro encontrar em mídias como o Facebook compartilhamentos de notícias e imagens com conteúdo duvidoso e até declaradamente falso. Em outras redes, como a do aplicativo Whatsapp, o fato ocorre de maneira ainda mais despreocupada, com textos sendo copiados e colados sem uma mínima investigação prévia da veracidade daquela informação, muitas vezes sem nem se quer uma fonte de onde aquilo foi tirado.

Em uma dessas correntes de compartilhamento despretensioso e desregulado surgiu o boato do “feijão assassino”. Uma notícia que vem se transformando e se adaptando desde meados de 2011 fala de um vírus, verme e/ou bactéria que está infectando feijões e causando mortes em São Paulo (ou em alguma outra região do país com tanta gente que é fácil comprar o fato). De acordo com o “relato”, o caso da infecção está preocupando médicos de todo o Brasil pois essa “Superbactéria” não é eliminada com antibióticos e nem fervendo-se o alimento. Assim, a “notícia” aconselha a todos que deixem o feijão de molho em vinagre por cerca de 15 minutos antes de levá-lo ao fogo, a fim de matar as possíveis bactérias.

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A postagem que é compartilhada entre grupos no Whatsapp

Esse boato corre de grupo em grupo no whatsapp há anos, na maioria dos casos, segue-se a ideia do “vai que é verdade”. O problema disso é que bastaria 5 minutos com as palavras-chave certas no Google para achar páginas de matérias reais desmentindo o boato, apresentando profissionais que explicam claramente o porquê daquilo ser mentira e o que realmente ocorre com feijões infectados.

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Mas o leitor pode estar pensando agora: “o que os feijões assassinos têm a ver com o ativismo político nas redes sociais?”. Pois bem, na verdade os feijões têm tudo a ver com o tema em questão. O caso dos feijões assassinos serve para ilustrar algo que ocorre todos os dias nas mídias sociais por parte de pessoas de todas as idades, principalmente no que tange imagens e textos relacionados à ex-presidente Dilma Rousseff, ao ex-presidente Luíz Inácio Lula da Silva, à diversos partidos políticos de esquerda ou direita e até a projetos de leis e fatos sobre a vida pessoal de figuras políticas polêmicas: a desinformação sobre o tema.

De fato o ativismo político cresceu no país nos últimos três anos. Tudo que antes estava na tríade “Futebol, religião e política não se discutem” agora enchem as redes com discussões fervorosas e altamente participativas. O problema é que nem sempre essas discussões são embasadas e respeitosas, aí que entram os feijões. Assim como a bactéria que invade os feijões no boato do Whatsapp, políticos ganham casas e empresas que não possuem comprovação nenhuma de serem deles, projetos de leis como a famosa “bolsa para prostituição” correm as redes e causam a revolta de muitos e até pessoas que nada tem de ligação com isso pagam o pato sem nem saber.

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Isso tudo demonstra a importância do estudo das Literacias e, principalmente, o investimento em formas de aplicação desses saberes em forma de educação midiática. Exatamente ensinar à população como pesquisar fontes, como e porquê questionar informações que são tão convidativas a se acreditar cegamente, como utilizar das mídias sociais como forma de potencializar ideias e questionamentos de fato válidos e tantas outras coisas.

As novas tecnologias da informação são instrumentos brilhantes com a capacidade de potencializar a inteligência da população e a participação do sujeito em questões sociais importantes, mas o uso indevido e alienado desses artefatos pode ser muito custoso para indivíduos e para a sociedade como um todo. Neste momento específico, cabe àqueles que possuem determinado contato com a Literacia das mídias servir de ator propulsor desses conhecimentos, a fim de propiciar uma educação da população frente ao poder do uso dessas ferramentas da maneira correta.

Andamos a passos curtos, mas o importante é não estagnar.

Influenciadores digitais, mídia e novas mensagens

O meio é a mensagem. Com esta sentença histórica, o teórico Marshall McLuhan (1911-1980) iria propor aquela que seria uma das proposições mais estudadas e investigadas na comunicação: como o meio pode reconfigurar, interferir e agir sobre a mensagem, determinando fortemente seu resultado e significado para o público receptor das diversas formas de informação e entretenimento veiculadas pelos veículos de comunicação de massa.

Para o professor, toda inovação tecnológica midiática representaria um prolongamento dos sentidos e faculdades humanas elementares, ampliando e intensificando, de certo modo, determinados sentidos. Por exemplo, o livro estenderia a visão humana, os circuitos elétricos alongariam o sistema nervoso central, etc. A mídia, portanto, poderia expandir e aumentar a eficácia de nossas faculdades inatas, elevando a eficiência de nossos atos e atividades.

Em “Classroom without walls” (Explorations in Communication – coeditado por Edmund Carpenter. New York: The Beacon Press, 1960) o autor propõe o termo mechanical gimmicks para se referir as estratégias retóricas utilizadas pela mídia através da publicidade e do marketing, com vistas a captar a atenção de possíveis clientes; no entanto, estes “truques mecânicos” também poderiam propor novas linguagens, repletas de potencial de expressão e capacidade persuasiva.

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Marshall McLuhan

Foi à partir destes primeiros ensaios e estudos que em 1964 McLuhan lançaria o livro Understanding Media , um compilado de suas teorias sobre os meios de comunicação como extensões do homem. De forma resumida, o autor pretendia mostrar que o meio atua de forma convincente sobre a mensagem e o público/audiência, operando consequências diretas nas vidas de cada um de nós, bem como nos diversos âmbitos da sociedade, afetando também a política, a economia e a estética.  Desta forma, o professor propunha que, qualquer ponto de vista que leve em consideração as mudanças sociais e transformações culturais, somente terá fundamento se considerar e reconhecer a forma através da qual a mídia atua como uma tecnologia que configura uma determinada ambiência social.

Apesar das proposições de McLuhan datarem da segunda metade do século XX e apresentarem uma perspectiva, dentre muitas, através da qual os meios de comunicação podem ser entendidos, ela é muito bem vinda quando desviamos o olhar para a abrangência social que os influenciadores digitais estão conquistando na atualidade. Ou seja, afinal, de que forma o meio – a internet – está reconfigurando mensagens midiáticas e criando um novo filão de emissores que, cada vez mais, conquistam apoio publicitário de grandes marcas e a fidelidade quase incondicional de milhares de seguidores?

Há algumas semanas o YouPix, portal que trata de assuntos relativos ao universo de conteúdo digital e mídia, divulgou a pesquisa Influencers Market 2016, a primeira pesquisa nacional sobre o mercado de influenciadores digitais. O arquivo de 56 páginas mostra o cenário atual dos influenciadores digitais no Brasil e pretende identificar os desafios e possíveis tendências desse segmento.

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Pesquisa YouPix sobre influenciadores digitais no Brasil

Dentre vários pontos apresentados no estudo, o site destaca os seguintes

  • 40% dos influenciadores digitais com mais de 1 milhão de fãs é mulher.
  • 2% dos influenciadores digitais gera 54% das interações nas redes.
  • A rede com menor quantidade de influenciadores com mais de 1 milhão de fãs é o Youtube.
  • O que mais importa pras marcas na hora de contratar influenciadores é a relevância que ele tem junto a sua audiência.
  • Postagens identificadas como patrocinadas recebem 25.3% menos comentários, 12.7% menos likes e 83% menos shares.

Nos parece que a internet, enquanto meio, está de fato reconfigurando uma série de importantes paradigmas da indústria cultural e dos estudos de emissão e receptação da informação midiática. Mais do que uma alteração na mensagem, conseguimos observar uma remixagem significativa de conteúdo possibilitada por este meio.

O pesquisador Henry Jenkins (2009) lança mão dos termos “remixagem e sampleamento” para descrever a forma através da qual os conteúdos são recontados e propagados pelos “multiplicadores” ou influenciadores. Um “multiplicador” é aquele indivíduo que irá alterar a forma original de um produto ou “artefato cultural”, traduzindo-o, contextualizando-o e tornando-o mais “valioso”. Em outras palavras:

“Um multiplicador é alguém que tratará o produto, o serviço ou a experiência como um ponto de partida. Os multiplicadores desenvolverão algum produto de sua própria inteligência e imaginação. Eles vão se apoderar de um artefato cultural e torná-lo mais detalhado, mais compreensível contextualmente, mais diferenciado culturalmente e – não nos esqueçamos do propósito do exercício – mais valioso. Usar um termo como “multiplicador” ajudará o criador de significado a manter novas realidades na melhor posição” (JENKINS, GREEN, FORD, 2009, p. 162). 

Talvez essa dinâmica nos ajude a compreender e refletir de que forma a mensagem propagada pelos influenciadores na internet está interferindo e atualizando as interações, diálogos e efeitos que ocorrem entre os emissores e receptores do século XXI. Não havendo mais espaços para totalizações de qualquer tipo a cerca dos efeitos dos meios sobre os indivíduos, nos resta observar atentamente quais mudanças estão ocorrendo e qual o nosso papel na construção e decodificação desta nova realidade midiática, onde o meio, pode ser sim, um espelho e reflexo da mensagem.

Karina Menezes Vasconcellos – Mestranda em Comunicação e Sociedade PPGCom UFJF

McLuhan e a descida ao Maelstrom

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Um dos pioneiros nos estudos culturais com foco nas mídias, Marshall McLuhan ficou famoso mundialmente por conta da sua capacidade de ter previsto o que seria a Internet anos antes desta existir. Mas o canadense formado em Literatura teve várias inspirações para formular suas teorias, assim como também para defendê-las e transformá-las. Atualmente sua máxima O Meio é a Mensagem, assim como outros termos como Aldeia Global e Awareness são amplamente conhecidos dentre os teóricos da comunicação.

Mas é sobre uma inspiração em especial que esse texto manterá o foco: Edgar Allan Poe. McLuhan tomou um dos contos mais famosos do “pai da ficção científica e da fantasia” como base inspiratória para todo o corpo da sua teoria. Este conto é The Descent into Maelstrom, lançado em português como Uma Descida ao Maelstrom, de 1841.

Edgar Allan Poe escreveu essa história inspirado no Moskstraumen, um grande redemoinho formado junto ao arquipélago de Lofoten, na costa da Noruega. No conto, um homem, que pescava num barco junto com seus irmãos, é apanhado por um furacão que conduz seu barco ao poderoso redemoinho de onde não conseguem sair. O Maelstrom é descrito como o horror que os engolia para a morte. Com o barco destruído e seus irmãos mortos, o homem se vê a deriva no meio daquela monstruosa força da natureza. Entretanto, ao passar certo tempo ali, observa o movimento de um barril e nota que este, em alguns momentos, sobe até o topo do redemoinho gigante, possibilitando sua fuga.

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Essa história, além de ser a precursora do que hoje conhecemos como o gênero de Ficção Científica, também traz uma mensagem ao final de contemplação do evento catastrófico que é o Maelstrom. Aquilo que antes era visto como ameaça, passa a ser visto como algo magnífico. O homem que saíra da catástrofe com vida, foi encontrado irreconhecível por marinheiros, uma vez que estava absurdamente mais velho em pouquíssimo tempo.

McLuhan em vários pontos de suas teorias utiliza do método metafórico para facilitar a compreensão e ilustrar de modo mais inteligível suas propostas. Assim foi o caso do conto de Edgar Allan Poe. A título de explanação, uma metáfora pode ser caracterizada como um transporte de ideias através de uma analogia simplificada e figurativa. Com inspiração no conto sobre o Maelstrom, McLuhan dá uma nova ótica para os estudos que embarcariam no que hoje são os estudos sobre a mídia, as literacias e as novas tecnologias da informação.

O homem preso ao Maelstrom, para fugir dali, utilizou de uma técnica a qual McLuhan chamava de Reconhecimento de Padrões. Foi só observando os padrões de movimentação do redemoinho que o homem conseguiu perceber a oscilação do barril que garantiu sua liberdade. Essa capacidade de reconhecer padrões e prever ações, segundo o pesquisador canadense, são cruciais para o estudo da cultura e das mídias, visto a aleatoriedade que alguns de seus movimentos adotam ao longo dos anos.

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Ligado a isso, o conto de Allan Poe mostra também como que o homem mudou ao sair do Maelstrom. Isso mostra como que o conhecimento modifica a pessoa, lhe dando experiência, mas lhe tirando algo de sua inocência ou juventude. De acordo com o Prof° Aluízio Trinta, McLuhan passou por este “processo de modificação” ao reconhecer padrões da grande mídia e, dessa forma, conseguir inclusive prever o surgimento da “Rede de redes” que é a Internet hoje.

Para o renomado autor canadense, o mundo da mídia seria este redemoinho retratado em The Descent into Maelstrom, do qual somente se adquire certo domínio pelo reconhecimento de seus padrões. Caso isto não seja feito, nos tornamos vulneráveis a certos efeitos alienantes das mídias, obscurecendo nossa percepção de todo o fenômeno e agindo somente através de pequenas partes dele, sem tomar consciência de todo o processo existente ali.

Easter Eggs, a Literacia dos Fãs

Em sua maior definição a literacia se dá pela capacidade que uma pessoa tem de reconhecer e compreender um determinado código e funcionamento, como por exemplo, a linguagem escrita. Nestes trabalhos a literacia se estabelece através do ambiente digital, e se expande através de diversas áreas que habitam este ambiente, como por exemplo, a Cultura de Fãs.

Dentro dos estudos sobre cultura de fãs a literacia pode ser levada em consideração para diversos funcionamentos dessas comunidades, como por exemplo, a identificação de easter eggs mais pesados que pertencem a um universo expandido, levando assim ao entendimento total (ou bem próximo disso) de uma narrativa. Assim como na capacidade de leitura e escrita, é preciso conhecer um repertório anterior, que vai além do que é apresentado em uma obra fechada, por exemplo. É preciso entender os códigos para assim ter acesso ao verdadeiro impacto que aquele detalhe pode gerar para toda a trama.

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Como exemplo podemos citar os universos cinematográficos de super-heróis, que por mais que o filme faça sentido para um fã não muito informado, logo após sua exibição passa a ser explicado em detalhes por fãs mais ativos, amarrando a narrativa. Nos primeiros filmes da Marvel, por exemplo, que abriam e estabeleciam seu universo compartilhado no cinema era comum que as cenas pós-créditos mostrassem personagens desconhecidos, citassem itens específicos da trama dos quadrinhos, a mídia original, e até mesmo misturasse personagens de outros filmes – assim compartilhando o universo, mas tornando necessário que todos os filmes fossem assistidos.

Já no universo da DC (principal rival da Marvel no mercado dos super-heróis), que ainda dá os primeiros passos, muito temerosos, rumo ao universo compartilhado do cinema, a principal teoria observada ainda nos trailers de Batman vs Superman, ainda espera para ser confirmada, mas já um interesse caso da percepção e decodificação de um fã diante de um conhecimento anterior. Toda a teoria pode ser conferida no link.

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Na época em que a teoria foi desenvolvida apenas o trailer de Batman vs Superman tinha sido disponibilizado, todas as demais peças foram tiradas de conteúdos preliminares e transmidias da DC, como as histórias em quadrinhos, mídia base do universo, e também o jogo Batman: Arkham Knight. Basicamente o fã sugere, através de provas – que podem ser vistas no link anterior – que no universo cinematográfico que começa agora com Batman já mais velho, em prequência o Coringa matou o Robin.

Hoje os dois filmes mais esperados dessa teoria já estrearam, Batman vs Superman em março deste ano, e Esquadrão Suicida (filme que apresentaria o Coringa) em agosto. Os filmes não falam abertamente sobre a teoria, nem mesmo a citam, como é a característica dos easter eggs, apenas estão ali, e por isso também não a desmentem. Mais tarde em entrevista, Zack Snyder, diretor de Batman vs Superman, confirma que Robin está morto e que o acontecimento é o que marca a jornada deste Batman mais velho.

Sendo assim, em um primeiro momento, apenas os fãs que possuem conhecimento desses personagens tanto nas hqs, quanto nos jogos, quanto nos filmes, são capazes de entender todo o contexto do filme, a experiência então se torna mais rica e oferece a esses consumidores uma nova posição dentro da comunidade. Tal fenômeno, próprio da cultura dos fãs, ainda pode ser entendido como um exemplo da inteligência coletiva, proposta por Pierre Lévy.

 

REFERÊNCIAS

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: 2009, Aleph.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

LÉVY, Pierre. Inteligência Coletiva. São Paulo: Editora Loyola, 1998