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A pós-verdade na era da sua reprodutibilidade técnica: de que maneira a palavra do ano se relaciona com a Literacia Midiática

verdade_mentiraA Universidade de Oxford na Inglaterra escolheu a palavra “post-truth” (pós-verdade em português), como a palavra do ano de 2016. O termo é definido como um adjetivo que representa uma maior influência de apelos à emoção e às crenças pessoais na formação da opinião pública em detrimento a fatos objetivos. Segundo a Oxford Dictionaries, a palavra ganhou relevância a partir das análises políticas sobre a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, na cobertura jornalística sobre o referendo popular na Inglaterra em que determinou sua saída da União Europeia, “Brexit” e também no golpe de estado brasileiro que afastou a presidente Dilma. Mas, em que medida essa palavra do ano se relaciona com o conceito da Literacia Midiática?

É importante ressaltar que a Literacia Midiática se refere a uma educação para a mídia no sentido de “aumentar o acesso à informação e ao conhecimento, intensificar a liberdade de expressão e melhorar a qualidade da educação”, conforme aponta o documento da Unesco sobre o assunto. Ou seja, o conceito tem íntima relação com a democracia, uma vez que cidadãos mais alfabetizados, sobretudo do ponto de vista midiático, são capazes de melhorar sua experiência informacional, seja através de habilidades que ajudam a discernir uma informação confiável de uma falsa, seja para utilizar sua liberdade de expressão de maneira plena através dos meios digitais. Claro que o tema possui outros desdobramentos e bases importantes que não vem ao caso, entretanto, focamos no conceito acima para relacioná-lo com a palavra do momento.

Assim, é relevante levar em conta o aumento do uso das redes sociais digitais como canal informacional, em especial o Facebook e o Twitter. Essas plataformas utilizam um sistema complexo de filtragem de informação baseada em preferências pessoais, mais conhecido como algoritmos. Apesar do nome denotar algo complexo, é fácil entender seus efeitos: quando clicamos em alguma coisa que gostamos no feed de notícias no Facebook, por exemplo, ou quando curtimos e compartilhamos postagem de amigos, deixamos pistas sobre nossas preferências. Essas pistas são informações sobre aquilo que gostamos, nossos pontos de vistas e informações sobre nossa personalidade. Assim, o sistema de algoritmos guarda esses dados para ofertar produtos e notícias baseadas nas preferências de cada usuário. Este sistema também é capaz de armazenar “pegadas digitais” que deixamos ao visitar sites fora das redes sociais (sobretudo se estamos “logados” nessas redes em segundo plano) para disponibilizá-las através de conteúdos em nosso feed de notícias. Pense: quantas vezes procuramos produtos para comprar em sites da internet e, ao entrarmos no Facebook, haviam anúncios do mesmo produto lá? Se nunca aconteceu, faça um teste.

O resultado disso é uma vida digital cada vez mais limitada, baseada em nossas preferências, conceito conhecido na academia como efeito bolha. E, se aquilo que é ofertado em nossa rede social digital – por causa dessas pistas que deixamos – ficasse restrito à propaganda de um produto, como um livro ou uma roupa para nossa filha, talvez o efeito disso não seria tão sério. O problema é que ele também filtra nossas opiniões políticas, nossas preferências editoriais de fontes de informação (como jornais, blogs noticiosos e sites opinativos de especialistas duvidosos) além de nossas relações com amigos e parentes (isso explica porque algumas pessoas aparecem mais do que outras em nossa rede social). Paulatinamente, portanto, é possível ter a sensação de que as opiniões contrárias às nossas estão em liquidação, sumindo pouco a pouco da nossa linha do tempo. Assim, por paixão, por descuido ou por causa do analfabetismo midiático, ficamos propensos a compartilhar factoides e boatos porque essas informações pululam em nossas telas e estão assentadas muito mais em nossas crenças pessoais do que em fatos comprovados. A polêmica fez com que o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, anunciasse  medidas para barrar a propagação de notícias falsas.

Este é o efeito da pós-verdade em ambientes carentes de habilidades midiáticas: o isolamento do mundo verdadeiro tal como ele é, com sua pluralidade, com múltiplas narrativas e pontos de vistas. E, em momentos em que se questiona o valor do jornalismo (consequentemente do jornalista), podemos dizer que Oxford contribuiu, ainda que indiretamente, para uma reflexão sobre aquilo que estamos “oferecendo” a essa profissão (principalmente por conta de informações que consumimos e compartilhamos sem credibilidade), e que a democracia e o direito à informação precisam muito mais do que um site bonito para se promoverem.

 

Saiba mais:

Observatório da Imprensa: Apertem os cintos: estamos entrando na era da pós-verdade

O que é ‘pós-verdade’, a palavra do ano segundo a Universidade de Oxford

Como identificar a veracidade de uma informação e não espalhar boatos

Fãs, Consumidores, Produtores ou Ídolos?

Para Abercrombie & Longhurst (1998) os fãs podiam ser divididos em três grupos, onde a cada nível de uma pirâmide especulativa os espaços se tornam menores e as informações que circulam nesses espaços necessariamente mais precisas, fazendo com que o fandom funcione quase como uma hierarquia de poder. A divisão proposta era feita entre fãs: que seriam consumidores gerais, sem grandes esforços além do consumo simples do que é oferecido canonicamente, os adoradores: fãs consumidores com maior interesse e que consomem conteúdo além do básico, como notícias, fanfics, fanarts, produtos licenciados e etc, e por fim os entusiastas: fãs produtores, que são justamente os autores dos fanmades.

Essa divisão pode ainda ser interessante e funcional para alguns estudos, mas desde 1998, quando foi proposta pela primeira vez, muito do processo do produção e consumo mudou. Dessa maneira, outras ideias mais novas podem ser citadas para se falar da organização dos fandons. Como a ideia de prossumidores proposta por Ferrés, sendo esse processo segundo o autor “uma das principais alterações no novo ambiente da comunicação é a instauração daquilo que se entende por era do prossumidor, momento em que as pessoas, além de consumirem as mensagens de outrem, passam também a produzir e disseminar as suas próprias mensagens”.

Dessa maneira o que percebemos hoje é um ambiente onde esses papéis se misturam. Dentro do fandom a primeira divisão de Abercrombie & Longurst ainda pode ser observada, mas a grande diferença está no fato de que um mesmo fã pode migrar de um ponto ao outro, sendo consumidor ou produtor, de uma parte a outra da pirâmide, mostrando mais ou menos interesse, conforme seu processo individual de consumo se estabelece.

O espaço do fandom não é um fã clube, ele é por predefinição a junção de todo fã de uma obra ou ídolo, e assim seus demais espaços estão abertos a qualquer um que esteja interessado. Assim percebemos também dentro dessa organização os pontos citados por Rheingold como necessidades da inteligência coletiva, um fandom existe também em cima de preceitos como networking, coordenação, cooperação e colaboração, esses a partir de um interesse em comum da comunidade.

Mas ainda assim podemos observar nessa estrutura figuras de destaque, fãs que habitam os espaços mais altos da pirâmide, oferecendo conteúdo mais profissionalizado que os demais debates internos. O ambiente está aberto a qualquer um, mas a atenção dada ainda segue regras de outros ambientes sociais. Ao organizar as informações, buscar por conexões dentro da trama, produzir conteúdo com qualidade e disponibilizá-lo aos demais participantes do fandom, os fãs do topo da pirâmide se mantém nesse espaço de privilégio e ganham não só maior visibilidade, mas também mais confiabilidade.

No universo de Game of Thrones este processo de posse de informação e destaque, pode ser observado com maior clareza, uma vez que a complexibilidade apresentada na saga de As Crônicas de Gelo e Fogo torna o cargo de especialistas mais difícil (confiabilidade), assim como a grande popularidade da série torna esse papel mais complexo (visibilidade).

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É por isso que perfis como os das youtubers Carol Moreira e Mikann, assim como os podcasters Rampinii e Edaum se destacam dentro do fandom, oferecendo em seus vídeos e podcasts explanações quase que didáticas de como aproveitar melhor o conteúdo, explicando histórias que não necessariamente estão na série (principalmente) ou nos livros, mas que podem estar em spin-offs, livros apêndices ou entrevistas.

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Ainda que essas personalidades habitem espaços mais especializados que grande parte do fandom, a possibilidade de chegar a esses espaços permanece aberta, principalmente porque parte importante do ciclo que se forma entre essas partes da pirâmide só existe porque existe interação dentro do fandom, porque essas pessoas, ao contrário dos verdadeiros profissionais, ainda estão dentro da comunidade de fãs. É pertinente se perguntar se esses fãs ainda habitam o espaço de fã ou se já se tornaram ídolos por si só, mas a conclusão pode ser que eles apenas habitam outro espaço da pirâmide, mas que esses espaços são por definição fluídos, e essas pessoas por razão fãs.

 

O que o TripAdvisor tem a nos mostrar sobre colaboração

Nos últimos anos, com o advento da internet, a característica colaborativa dos indivíduos está sendo ressaltada e ampliada para níveis globais (RHEINGOLD, 2012). Diversos internautas, do mundo inteiro, reunidos por meio da internet, podem agora agir em campanhas de arrecadação de dinheiro, doação de sangue, compartilhamento de informações sobre games ou séries de TVs e outras infinitas possibilidades…

A verdade é que a vida em comunidade na internet vem nos mostrando que, mais do que competir, os indivíduos podem colaborar uns com os outros de maneira altruísta, visando ao bem comum e ao compartilhando dos mesmos objetivos (RHEINGOLD, 2012).

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Criado no ano de 2000, o TripAdvisor é um site e aplicativo de turismo para tablets e smartphones baseado na experiência colaborativa. Conforme informações da Wikipédia, o TripAdivisor foi um dos pioneiros na utilização de conteúdo criado pelo próprio internauta, sendo sustentado por um modelo de negócio de publicidade.

Atualmente, é difícil alguém que não conheça a aplicação, sempre presente nos resultados de busca do Google quando procuramos os pontos turísticos de uma cidade, hotéis e restaurantes.

Seu funcionamento é bem simples. Usuários que frequentaram um estabelecimento ou pontos turísticos de uma cidade escrevem avaliações sobre os mesmos. Além de um texto com suas impressões, os colaboradores também respondem a questionários sobre o local, classificando-o como um espaço adequado para casais e/ou famílias ou se há delivery, por exemplo. É possível também adicionar fotos. Ao contribuir sempre e mais, o indivíduo vai se tornando um colaborador de nível mais alto, o que aumenta a confiabilidade de sua publicação.

Se um usuário encontra avaliações que lhe foram úteis no TripAdvisor, praticamente automaticamente ele quer também contribuir, acrescentando suas próprias impressões para que outros possam ser auxiliados, em um sistema colaborativo que tende ao infinito. A aplicação também envia e-mail ao usuário mostrando quantas pessoas e de quais lugares já visualizaram as avaliações que ele próprio escreveu, confirmando a utilidade do conteúdo e, assim, impulsionando ainda mais a colaboração.

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Formulário de avaliação do TripAdvisor.

Além disso, o TripAdvisor serve como uma forma de cobrança de qualidade aos estabelecimentos. Se algo não agradou, os usuários podem criticar em seus posts, os estabelecimentos possuem a chance de responder justificando a situação e ainda têm a oportunidade de melhorar o serviço, agradando a outros colaboradores da aplicação.

Esse exemplo simples mostra como a internet pode contribuir para ampliar a capacidade colaborativa da humanidade. Ela pode ser usada em iniciativas ainda maiores, como o auxílio em rede para momentos de catástrofes naturais (moradia, alimento e roupas para desabrigados, por exemplo), rifas onlines para doações a diversas causas e também através da criação de comunidades virtuais de auxílio e amparo a vítimas de violência física e moral. O potencial colaborativo do ciberespaço está a nossa disposição, para que possamos fazer o melhor uso de suas potencialidades, de forma a nos tornarmos cada vez mais conectados e colaborativos uns com os outros.

 

Referência

RHEINGOLD, H. Net Smart: how to thrive online. Mit Press, 2012.

A colaboração em massa da inteligência coletiva em prol dos videogames: o uso dos testes beta.

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As novas tecnologias emergentes do século XXI possuem grandes contribuições para a interação entre público consumidor e produtores/distribuidores de ideias, produtos e informações. Nesse contexto, os trabalhos de Henry Jenkins, Joshua Green, Sam Ford (2016) e Howard Rheingold (2012) apresentam contribuições valorosas para podermos compreender melhor como o atual momento da convergência das mídias influencia tais relações, visto que consumidores e produtores se tornaram praticamente uma única coisa, com consumidores mais ativos e criando por si só conteúdos, assim como produtores que levam mais em consideração a opinião de seus fãs para conduzir certo produto ou franquia.

Dentro disso, o universo dos videogames é uma mídia em constante e exponencial crescimento que apresenta um público cada vez mais amplo e variado de consumidores. Dentro dessa enorme massa de jogadores, muitos rompem a barreira entre produtor e jogador, se tornando desenvolvedores independentes e criando pequenas empresas responsáveis por títulos mais simples, mas que muitas vezes alcançam muito mais o desejo do público do que as grandes multinacionais como Sony e Microsoft. Na cultura da convergência, jogadores criam e criadores jogam.

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Entre esses desenvolvedores, vamos falar mais especificamente nesse texto de duas pequenas empresas responsáveis por dois projetos envoltos de relativa expectativa pelo público gamer. A primeira, Hello Games, é uma pequena empresa estadunidense responsável por um projeto ambicioso de jogo divulgado em 2013 chamado “No Man’s Sky”. O jogo, lançado há alguns meses atrás, trata de exploração espacial, permitindo que o jogador, incorporando um astronauta, explore um universo gerado proceduralmente e possa, com naves espaciais, literalmente viajar de um planeta a outro em um conceito de universo com alto grau de realismo.

A segunda empresa a ser citada aqui é a Fênix Fire Entertainment, criada em 2010 pelo casal Brian “Supreme Overlord” e  Anna “Dragon Lady”. A empresa que possui pouquíssimos jogos lançados, está trabalhando em um título inovador chamado de “Osíris:New Dawn”, o qual possui aspectos muito semelhantes com o título da Hello Games, como o enredo em volta de um astronauta, a possibilidade de explorar todo um planeta e sair de sua atmosfera. Fora isso, ambos os jogos possuem em comum a narrativa que gira em torno da exploração e sobrevivência do avatar controlado pelo jogador, forçando-os a coletar mantimentos e materiais diversos durantes suas explorações, enfrentando criaturas alienígenas e desenvolvendo novos equipamentos que facilitem sua jornada pelo espaço.

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Imagem in game de No Man’s Sky

A questão aqui é que a postura de cada uma das duas empresas sobre o seu produto em relação ao público afetou diretamente a forma como esse público aceitou ou não seu jogo. Como Rheingold explicita em sua obra em inglês Net Smart: hor to thrive online, comunidades virtuais servem como uma espécie de “tecnologia da cooperação”, onde seus membros, em maior ou menor grau, se comprometem em trocas informacionais e simbólicas que facilitam determinadas atividades através do compartilhamento de recursos para o benefício mútuo, fazendo uso abertamente do fenômeno trabalhado por Pierre Lèvy (1993) chamado de Inteligência Coletiva.

No Man’s Sky foi anunciado pela primeira vez em 2013 e seu conceito de universo aberto a exploração chamou bastante atenção, tanto que a empresa independente chegou a fazer uma parceria com a gigante Sony para produzir o jogo também para o console PlayStation 4, o mais moderno da empresa até então. Porém, a empresa passou a divulgar cada vez mais informações e promessas sobre como o jogo ia ser em sua versão final, com vídeos, imagens e entrevistas, gerando cada vez mais ansiedade nos jogadores. Após três anos e meio de adiamentos e promessas, o jogo finalmente foi lançado e hordas de jogadores correram para seus consoles e computadores a fim de experimentar o inovador jogo.

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Imagem in game de Osíris: New Dawn

Entretanto, No Man’s Sky tinha no máximo metade dos artifícios que a empresa divulgou que o produto teria, causando uma divisão da opinião do público sobre o título no início, mas que acabou cedendo para a opinião negativa sobre o título após um mês de vendas. O público jogador ficou muito indignado com o produto final “incompleto” ou “de péssima qualidade”, o que gerou a devolução em massa de uma quantidade exorbitante de unidades do jogo em lojas online. Atualmente o jogo é visto como uma mentira por muitos, que tentou se aproveitar do entusiasmo dos fãs, mas que não tinha capacidade o suficiente para cumprir suas promessas.

Em um sentido quase oposto ao feito pela Hello Game ao segurar toda a experiência do jogo para o dia de seu lançamento oficial, a Fênix Fire abriu no mês passado (Outubro) uma versão Beta do jogo distribuída por um preço reduzido, que dá aos jogadores um gostinho do que o jogo pretende trazer em sua versão completa. Os que jogarem o título nessa versão, terão de forma gratuita a atualização do seu produto para o jogo completo quando este for lançado. Além da qualidade muito mais apurada de Osíris: New Dawn, comparado ao No Man’s Sky, vemos aqui uma postura muito distinta da empresa, a qual participa ativamente de determinadas comunidades de jogadores, ouvindo suas opiniões e modificando o jogo baseando-se no que os jogadores consideram como acertos e erros.

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Essa postura que claramente faz uso da inteligência coletiva como uma tecnologia da cooperação, trata de garantir o engajamento dos fãs no produto assim como permite que a empresa adeque seu produto da melhor forma para os gostos e anseios dos jogadores interessados no título. Não vai ser exatamente uma surpresa se a versão completa do jogo, que ainda não possui data de lançamento, seja coberta de elogios, uma vez que ao invés de tratar os fãs como massa consumidora, os enxerga como uma comunidade ativa e de opinião própria, com conhecimentos e comportamentos que devem e são levados em consideração no desenvolvimento do seu produto. A compra e venda na convergência das mídias se tornou algo muito mais dinâmico do que jamais vimos em outro momento histórico.

Bibliografia:
JENKINS, K; GREEN, J; FORD, S. Cultura da Conexão (2016)
LÈVY, P. Inteligência Coletiva (1993).
RHEINGOLD, H. Net Smart: how to thrive online (2012)

Cooperação, Crowdsourcing e Uber: de carona com a inteligência coletiva

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Aplicativo de transporte de passageiros é um exemplo do  Crowdsourcing viabilizado pelo uso de smartphones (Fonte: StartSe)

Na última quinta-feira (10), o Uber começou a operar em Juiz de Fora e já provocou algumas polêmicas pela cidade. O sistema de transporte de passageiros conhecido mundialmente é semelhante a um serviço de táxi, com a diferença de que os veículos pertencem a proprietários particulares e são chamados pelos usuários através de um aplicativo no smartphone, o Uber.

Os taxistas se sentiram ameaçados pelo aplicativo, pois ele poderia diminuir seu mercado de trabalho. Em contrapartida, os motoristas do Uber afirmam que atuam dentro da legalidade e que há espaço para todos. No meio desta querela, o usuário, por sua vez, é quem sai ganhando. Entretanto, na ascensão de mecanismos como o Uber é possível vislumbrar um fenômeno ainda maior: o crowdsourcing.

Crowd significa multidão; source quer dizer fonte. Resumindo, crowdsourcing diz respeito àquilo que tem o coletivo como fonte, seria a iniciativa de “dividir os problemas ou as tarefas em pequenas partes e, então, apelar abertamente para a participação voluntária” (RHEINGOLD, 2014, p. 168). Rheingold, no livro Net Smart, classifica o crowdsourcing como uma “cooperação superaumentada”, pois esta seria mais uma evidência de que o ser humano é naturalmente propenso a colaborar, como se esta característica estivesse em seu DNA.

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O Crowdsourcing representa o poder que o coletivo possui ao atuar de forma colaborativa (Fonte: Crowdtask)

No Uber, o crowdsourcing mostra uma de suas principais facetas: conectar um serviço àqueles que estão dispostos a oferecê-los, em uma rede colaborativa que está apta a proporcionar “experiências ao invés de posse”.  Howard Rheingold ressalta que, tal como a Inteligência Coletiva, o crowdsourcing está influenciando e transformando diferentes campos, não somente o de transporte. Em seu livro, o pesquisador cita exemplos de crowdsorcing em que pessoas se voluntariam para ajudar laboratórios a quebrar códigos de proteínas complexas; para encontrar vagas de emprego para pessoas de baixa renda; e, até mesmo, procurar inteligência extraterrestre! As possibilidades são variadas, porém o ponto crucial que as une está em criar um ambiente em que haja uma motivação alinhada ao interesse do público. É uma troca onde todos podem sair ganhando.

“O que você aprende como participante pode muito bem prepará-lo para ser um futuro instigador. Um dia você poderá estar apto a usar suas habilidades para instigar (crowdsource) projetos para curas de doenças, criar riquezas ou financiar projetos humanitários ou criativos” (RHEINGOLD, 2014, p. 169).

Bruno Borges, em blog do jornal O Tempo, identifica o Uber como um dos frutos da “Economia Compartilhada”. Como exemplo deste fenômeno, ele cita o Google, o Facebook e o YouTube, que se mantêm através dos conteúdos postados por seus usuários. “O crowdsourcing já é a base do funcionamento da internet há muitos anos. Porém, agora, ele está começando a se estender também aos negócios ‘físicos’, e está deixando completamente apavorados alguns setores da economia, que não sabem como lidar com esta nova realidade que, lamento informar aos resistentes, não tem volta”.

O Uber, assim como o Airbnb (mercado comunitário que conecta viajantes a donos de imóveis para aluguéis de curta temporada), até perfis no facebook que oferecem caronas, são iniciativas que catalisam a Inteligência Coletiva. Nela, o público tem uma importância fundamental, pois ele contribui com sua experiência e iniciativa em prol de algo que o motiva, ou que contemple suas necessidades. São estas motivações que mantém o ser humano como indivíduo colaborativo por natureza.

Referência:

RHEINGOLD, Howard. Net Smart: How to thrive online. MIT Press, 2014.

Transformando vidas: De desconhecidos a ídolos digitais

Querer impactar a vida do próximo, ensinar como ter maior audiência na rede, como vender seus produtos, até como conquistar aquele gato. A rede de Zuckerberg potencializou as vendas de empreendedores que buscam alcançar mais público e compartilhar seus produtos/serviços. Não é estranho aparecer em meio a sua timeline posts patrocinados, a princípio, de ajuda. Basta cadastrar seu email e receber algo por email.

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Erico Rocha, criador do Fórmula de Lançamento.

 

Com a disseminação do espaço do saber, levantando por Pierry Levy, os conhecimentos propostos pelos novos ídolos, como Erico Rocha, Flávio Augusto, Ana Tex, Camila Porto, entre vários outros ganham repercussão na rede. Afinal, quem não se sente intrigado com a frase de efeito: “trabalhe 4 horas por dia, de qualquer lugar do mundo”, “venda em 4 horas, o que você venderia em 1 ano”. Os ídolos digitais compartilham conhecimentos no ciberespaço em torno de imagens dinâmicas, que exploram e transformam as realidades virtuais.

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Difusão de conhecimento entre diferentes tipos de pessoas.


A inteligência e o savoir-faire humanos sempre estiveram no centro do funcionamento social. A velocidade de evolução dos saberes, à massa de pessoas formando um conjunto  do coletivo humano que se adapta ao novo e a quantidade de mensagens de interesses interferem para um ser se tornar autoridade em determinado assunto.

Em específico, Erico Rocha trouxe ao Brasil a Fórmula de Lançamento (criada pelo norte americano Jeff Walker, nos Estados Unidos ela é chamada de Product Launch Formula. O Jeff é autor do livro “Launch” e reconhecido como um dos maiores nomes do Internet Marketing nos EUA e em vários outros países do mundo. A fórmula desenvolvida por ele já foi aplicada milhares de vezes, em centenas de mercados, por pessoas comuns e alguns dos maiores nomes do mercado internacional como Oprah Winfrey, Ariana Huffington, Tony Robbins e Brendon Buchard) . Em várias sacadas gratuitas, o empresário ganha cada dia mais seguidores que querem saber mais sobre a fórmula do sucesso. A Inteligência coletiva neste caso traz o reconhecimento e o enriquecimento mútuo. Distribuída pela internet, valorizada pelos seguidores que fazem Erico Rocha ser autoridade em marketing digital.

Muitos produtos e segmentos segue a risca o produto vendido pelo guro. Os interessados terão que ter em primeiro lugar um conteúdo interessante relacionado ao produto que almeja vender,, para captar email de potenciais consumidores. Em seguida, enviar com regularidade conteúdo por email. A venda do produto só será realizada num momento que grande número de pessoas já confiar na qualidade de seus serviços. O curso custa cerca de R$5.000,00 e é todo online.

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São Paulo, Palácio de Convenções do Anhembi 14/12/2015. Evento destinado a todos que compraram o curso do Fórmula de Lançamento.

A busca pela melhoria de vida e pela felicidade é  o que move os seguidores. Assim como citados por Pierry Levy, a inteligência coletiva não adia a felicidade, ela incita cotidianamente a aumentar o grau de liberdade dos indivíduos e dos grupos, em jogo ganhador-ganhador.

Referência:

LEVY, Pierre. A Inteligência Coletiva: por uma Antropologia do Ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.

Lévy, o narrador do Benjamin é a Jout Jout!

Histórias sempre fizeram parte da trajetória do homem ao longo dos tempos. Sejam aquelas contadas ao redor de uma fogueira por uma figura mais velha como também as trazidas por uma figura mais aventureira que chega cheia de novidades para apresentar.

Em 1936, Walter Benjamin escreveu exatamente sobre esses dois “modelos” de narrador que resumiam uma das características intrínsecas ao ser humano: somos seres narradores e precisamos dessas histórias para construirmos quem somos.

O que Benjamin não esperava era que hoje, 80 anos após a publicação de seu texto que apontava o fim da narrativa, estaríamos mais do que nunca vivendo em uma época inundada por elas; desta vez nos apropriando — ainda que inconscientemente — de um conceito proposto há pouco mais de 20 anos pelo francês Pierre Lévy e que só tem se mostrado atual: o da Inteligência Coletiva.

Embora Lévy estivesse longe da era digital na qual estamos inseridos, suas ideias se mostram tão atuais que poderiam ter sido propostas por qualquer teórico com acesso ao YouTube e que conheça minimamente o trabalho dos YouTubers, figuras engajadas na produção de conteúdo para a plataforma e que fizeram da produção de vídeos para a internet algo tão revolucionário quanto as transmissões televisivas nas décadas de 1960 e 1970.

Ora, se a plataforma reúne tutoriais capazes de ensinar como realizar tarefas domésticas ou até mesmo guiar os mais inábeis na rotina de cuidados pessoais, não seria difícil imaginar que o YouTube poderia ser usado também para a criação dessas histórias.

Julia Tolezano ficou famosa após discutir relacionamentos abusivos em seu canal, o Jout Jout Prazer

Julia Tolezano ficou famosa após discutir relacionamentos abusivos em seu canal, o Jout Jout Prazer

No Brasil temos algumas figuras que acabaram se tornando “especialistas” em debates e conversas por meio da Internet, como a jornalista niteroiense Julia Tolezano, mais conhecida por Jout Jout.

Seus vídeos têm como tema principal situações cotidianas relatadas de uma forma muito informal, na maioria das vezes sofrendo interferências de seu namorado Caio, que fica por trás da câmera e acaba trocando ideias com ela no momento em que o vídeo é gravado.

Como costuma ser corriqueiro em algumas de suas produções, o vídeo “Mudemos” foi feito a partir de uma sugestão de tema proposto por uma de suas seguidoras, que atuam fortemente nas redes sociais, tanto sugerindo temas para serem discutidos em vídeo como também comentando as ideias propostas por Julia.

Isso acaba reforçando a teia que envolve fãs e ídolo e que Julia faz questão de chamar de “Família Jout Jout” — quebrando as fronteiras físicas que antes impediam a interação e colaboração entre  indivíduos e que hoje, com o fortalecimento da Internet como meio de comunicação e plataforma de construção de conhecimento, possibilitam ao homem exercer uma das mais básicas atividades: narrar e construir sua história.

Eduardo Moreira, Michele Pereira e Rodrigo Lobão

Autodidata digital: a era “Do it yourself”

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Nas histórias contadas por nossos avós, havia sempre um personagem que era completamente analfabeto, mas sobre o qual diziam “não sabia ler, mas nas contas ninguém lhe tapeava”. Essas pessoas aprendiam por si mesmas, e por circunstâncias da necessidade da vida, a fazer contas, decorar tabuadas, a somar, dividir, subtrair e multiplicar, pois seu cotidiano, muito mais do que pautado pela leitura, era circundado pela capacidade de administrar os bens da família, e de saber quanto era necessário para manter seus sustentos. Com isso, vemos que em alguns casos, a necessidade da matemática veio antes que a da leitura. Mas, de forma geral, ler os números já é ler.

Como explicar, no entanto, que alguém totalmente analfabeto fosse capaz de fazer contas de alto grau de dificuldade? Esses autodidatas, de certa forma, servem de exemplo para ilustrar seus referentes atuais, o que aqui eu denominei de autodidatas digitais. Não pretendo de forma alguma fazer comparações das complexidades do conhecimento adquirido entre pessoas, ainda existem indivíduos atualmente como as que eu descrevi acima, este exemplo, no entanto, é apenas o ponto de partida para o desenvolvimento da ideia que pretendo trazer. A questão inicial é pensarmos que, hoje, para os autodidatas digitais, a informação mais completa e detalhada está disponível mais facilmente e, talvez por isso, o desenvolvimento destes se mostre mais acelerado.

Aprender a ler sozinho é uma tarefa de extrema dificuldade, uma vez que é necessário que alguém de alguma forma lhe apresente o som de cada letra para que se tenha um ponto de partida. A partir da leitura nos é dada a capacidade de se desenvolver no mundo atual. A literacia na leitura vai além de saber ler, mas também entender o que se diz na superfície e também nas entrelinhas de um texto. Entender uma metáfora, por exemplo, é uma capacidade muitas vezes desenvolvida após tempos de leitura, de convívio social e de articulação de ideias a partir do que se leu. Grande parte das pessoas foi alfabetizada da forma canônica, com professores e durante a infância, para que chegassem à vida adulta com capacidade plena de ler e desenvolver suas ideias em linhas, como o que tento fazer nesse texto que leem agora. Essa alfabetização nos permitiu desenvolver nossa capacidade autodidata para outras áreas como, por exemplo, a navegação on-line.

Mas o que seria a era do “Do it yourself” (DIY)? Na tradução do inglês, o “faça você mesmo”, é a prática de pessoas que desconhecem determinadas áreas de conhecimentos mas, através do acesso permitido pela internet a um conjunto de conhecimentos disponíveis para o usuário, podem desenvolver capacidades antes restritas a grupos pequenos, de pessoas que fizeram cursos profissionalizantes ou cresceram aprendendo determinada profissão. Por exemplo, não é incomum acharmos canais no YouTube com dicas de decoração para a casa como esse (https://www.youtube.com/channel/UCR8wFVaZJBAaFwr-_u4xInA). Neste canal, é possível descobrir desde como redecorar uma cadeira antiga, a até mesmo reformar toda sua cozinha deixando-a com um aspecto mais moderno. Todo esse conjunto de conhecimento antes era restrito a um pequeno grupo de pessoas, eram eles os marceneiros, artesãos e pedreiros.cozinha-de-concreto

Graças a este tipo de iniciativa, no entanto, é possível que qualquer pessoa execute tarefas e faça as mudanças que deseja em sua casa sem precisar de outras pessoas. Não é por isso que os profissionais qualificados deixam de ser necessários. Esse tipo de conhecimento nos leva até um ponto básico do desenvolvimento da ideia, mas grande parte do que é feito por pedreiros, marceneiros e artesãos, necessitam do “know how” que apenas a experiência com a profissão proporcionam. A partir de agora chegamos então ao cerne da ideia que pretendo expor. Com o exemplo acima, percebemos um fenômeno que de certa forma inverte a lógica da literacia: Chegamos ao ápice da literacia digital quando, através dela, começamos a aprender o que é da competência de outros meios.

Sendo a internet um meio completamente multimídia, é necessária uma capacidade grande de entendimento dos meios para aproveitá-la ao seu máximo. Para isso, muitas pessoas pesquisam formas de desenvolver dispositivos para que nela estejam melhor amparados. Usando outro exemplo: um youtuber que pesquisa formas de iluminação para que seu vídeo tenha melhor qualidade. Através da internet ele vai aprender a como melhorar seu conhecimento técnico de vídeo, para que fique mais apresentável de volta na internet. É a web retornando a si o seu conhecimento de forma prática.

A inteligência coletiva nos proporciona meios de conhecer aquilo que nos é velado. Pessoas que nunca souberam como funciona a TV por trás das câmeras, são capazes de fazer iluminações de grande qualidade, usando equipamentos baratos e gerando conteúdo que agrade a seu público. O autodidata de hoje se diferencia do seu anterior pelo fato de ter uma maior possibilidade de acesso ao conhecimento. A onda de “DIY” nos brinda com milhares de ideias geniais e baratas, que nos tiram da necessidade de um mercado capitalista em sua essência, além de proporcionar o prazer de saber que somos capazes de desenvolver coisas boas por nós mesmos. É, no entanto, necessário o uso do bom senso como em todos os ambientes da vida. Não por acaso, uma outra coletânea já surgiu na web sob o título “é reciclável, mas é horrível”, onde é feita uma curadoria de peças de roupa ou de decoração no estilo “faça você mesmo” que não deram muito certo esteticamente.

Neste ponto, a internet nos brinda com o melhor de nós: Ela demonstra até onde vai nossa capacidade, e a partir de onde precisaremos de um pedreiro ou torneiro mecânico. A literacia midiática se mostra, então, na sua capacidade mais libertadora. Ela leva nossas ideias ao ponto máximo que nossa execução é capaz de dar. Muito além de nos proporcionar uma leitura crítica dos meios de comunicação, devemos pensar na literacia como algo a nos dar capacidade de produzirmos informação ou até mesmo aumentar o conforto de nossa vida off-line. O caminho do desenvolvimento de nossas competências não é uma via de mão única, que segue do conhecimento mais arcaico ao mais moderno em linha reta. Esse caminho é uma rua movimentada em que carros, ônibus, vans, bicicletas e pedestres andam caoticamente para todos os lados. Em alguns momentos nos esbarramos e viramos nosso interesse para outro ponto, mas as interligações possíveis desses esbarrões são potencialmente infinitas.

 

Referencias:

FERRÉS, Joan. PISCITELLI, Alejandro. Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. Revista Lumina. UFJF. v.9 n.1. 2015.

LEVY, Pierre. A Inteligência Coletiva: por uma Antropologia do Ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.

Playing for Change e a inteligência coletiva

Preciso fazer alguns reparos ou serviços domésticos: trocar uma lâmpada, trocar o botijão de gás, arrumar uma maçaneta quebrada ou consertar aparelhos eletrônicos que apresentam pequenos problemas. Muito fácil: entro no Youtube, digito no mecanismo de busca aquilo que desejo e, muito provavelmente, encontrarei mil vídeos explicando como executar cada uma dessas atividades.

O mesmo pode ocorrer com muitos outros assuntos sobre os quais desejo saber mais: como me vestir e me maquiar para estar na moda, como executar certos tipos de formatação nos softwares de edição de texto, imagem, áudio e vídeo; como construir narrativas usando as novas ferramentas que surgem todos os dias com a internet, como entender melhor certas disciplinas em curso na universidade, como compreender diferentes pontos de vista sobre a conjuntura política e econômica, além de tantas outras possibilidades quanto se possa imaginar.

Assim como o youtube, basta “googlar” um assunto para encontrar outros blogs, sites e páginas na rede social com todo o tipo de informações. E a dinâmica da rede não para simplesmente no assistir, ver, ouvir ou ler um conteúdo que me interessante. Se ele foi útil para mim, compartilho a informação nas redes sociais, comento e posso ainda acrescentar um texto ou vídeo contando minha própria experiência. Por sua vez, outros podem adicionar suas próprias vivências a minha, em um processo de atuação ativa dos usuários que tende a continuar infinitamente, criando um saber cada vez mais extenso. Nessa interação, a inteligência e aptidão de cada um contribui para criar uma inteligência coletiva de forma colaborativa, conforme proposto por Pierre Levy (1998).

Atualmente, um dos maiores exemplos dessa inteligência coletiva é a Wikipedia, onde cada indivíduo pode contribuir com um verbete, assim como aprimorar aqueles que outros já escreveram. É uma ação colaborativa que cria e alimenta uma inteligência coletiva.

Mas Pierre Levy já compreendia o que seria a inteligência coletiva antes mesmo da revolução digital atual (o autor escreveu sobre o assunto originalmente em 1994, muito antes do nascimento da Wikipedia). Da mesma forma, tal conceito e seus ideais podem ser observados no projeto Playing for Change, que desde 2002 trabalha criando uma forma de inteligência coletiva por meio de uma cultura participativa.

A iniciativa Playing for Change reúne músicos do mundo inteiro, cada um utilizando sua voz e os instrumentos de suas respectivas regiões, para juntos construírem uma única canção. Para que isso seja possível, a equipe do projeto viaja o mundo inteiro gravando músicos que, por fim, aparecem em vídeos cantando e tocando juntos. O objetivo, segundo o site Playing for Change, é “inspirar e conectar o mundo por meio da música”. Para os idealizadores da iniciativa, a música pode quebrar barreiras e aproximar as pessoas.

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Atualmente, estas canções construídas de forma coletiva podem ser encontradas no site do projeto ou mesmo no Youtube. Além disso, muitos dos artistas que a equipe conheceu foram reunidos em uma banda, que possui o mesmo nome da iniciativa. “Estes músicos vieram de muitos diferentes países e culturas, mas, por meio da música, eles falam a mesma língua. A banda Playing for Change está agora percorrendo o mundo e espalhando a mensagem de amor e de esperança para os públicos de todos os lugares”, descreve o site.

E que por meio de uma inteligência coletiva, atualmente desenvolvida na internet, não haja mais barreiras para a colaboração entre culturas, países, etnias, crenças ou orientação sexual, mas que juntos, todos possam construir conhecimentos para toda a humanidade.

 

Referências:

LEVY, Pierre. A Inteligência Coletiva: por uma Antropologia do Ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.

Ativismo digital: a crescente apropriação do espaço público virtual

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Não é novidade para nenhum brasileiro que a situação política do país está altamente conturbada nos últimos anos. Desde um pouco antes das últimas eleições presidenciais, a política vem passando por diversos episódios sequenciais dignos de uma série da Netflix, mas que, infelizmente, são reais. Todo esse contexto conturbado de disputas, ações criminosas descaradas e ausência de justiça serviu de pano de fundo para a emergência de um novo perfil de ativistas políticos. Essa nova geração de manifestantes tem como principal característica o uso das novas mídias sociais como instrumento dinamizador e propagador de seus ideais. Mas como o ciberespaço passou a ser um instrumento e podemos dizer que é a principal deles para manifestação política no país?

O marco que podemos considerar como o surgimento dessa nova forma de ativismo foi, sem dúvidas, a organização virtual das manifestações populares de 2013. A famosa “marcha contra a corrupção” que uniu milhões de jovens nas ruas por diversas cidades do país foi totalmente organizada por meio das mídias sociais como o Facebook, Twitter e Whatsapp. A partir daí, o comportamento de vários grupos de brasileiros nas redes mudou. Debates e expressão de ideias passaram a ser comumente observados no Facebook e até jargões surgiram como os tão conhecidos “textões”. Entre discussões sadias e brigas imorais, os debates políticos entre a população se transformou em algo comum atualmente.

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Registro realizado durante as manifestações no Brasil em Junho de 2013.

Isso se deve também  pela relação complexa  criada entre as características do chamado ciberespaço e a percepção que as pessoas possuem desse lugar e dos instrumentos que nele estão disponíveis. Pierre Lèvy, Steven Johnson, Manuel Castells, Henry Jenkins e vários outros autores que tratam das novas tecnologias de comunicação consideram o ciberespaço como uma espécie de universo construído através da internet e das redes de computadores que se configura como um lugar de encontro entre pessoas, possibilitando relações sociais, conflitos, transações econômicas e culturais e tantas outras formas de expressividade humana com o aporte de texto, vídeo, imagem e som.

Somado a isso temos o elemento que o psicólogo James J. Gibson chamou de Affordance. Esse conceito diz sobre a percepção que as pessoas possuem de um determinado instrumento, conduzindo os modos como essa pessoa irá utilizar de um determinado instrumental. Segundo o psicólogo ambiental, todo instrumento humano já possui contido nele toda e qualquer affordance, entretanto, dependendo da percepção que a pessoa tem sobre o objeto em questão, algumas affordances serão favorecidas em detrimento de outras que jamais serão percebidas. Esse processo pode ser observado de forma muito interessante na trajetória  que levou o ativismo político para as redes sociais online.

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Toda a estética por trás do Facebook, por exemplo, sua organização através de fóruns e grupos de discussão, a mecânica de postagens e a capacidade de comentar e responder comentários. Tudo isso propiciou uma maior abertura para que pessoas pudessem perceber a rede social de Zuckerberg como um ambiente de diálogo aberto passível de abarcar conteúdo político de forma mais horizontal.

Ora, podemos pensar nisso como uma espécie de “reação química”. Coloque pessoas dotadas de um mínimo de literacia midiática em um ambiente de contexto político conturbado que gera profundas indignações e disponibilize para essas pessoas um instrumental que foge da mídia tradicional e possibilite que elas debatam e discutam de forma pública questões políticas que causam desconforto de forma generalizada. Adicione elementos próprios do ciberespaço como o hipertexto e a inteligência coletiva e voilá! Temos o cenário perfeito para o que está acontecendo atualmente no país.

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Conceito de Inteligência Coletiva por Pierre Lévy.

Como já discutimos aqui no blog algumas outras vezes, é claro que esse contexto não é totalmente benéfico, mas também não é totalmente caótico. O atual contexto da convergência de mídias, o crescente uso da inteligência coletiva como forma de enriquecimento crítico e intelectual e, com isso, o desenvolvimento paulatino de uma literacia midiática mais plena propiciam cada vez mais um uso das redes de modo mais ativo e até polêmico. O ativismo político online pode ser visto por muitos como uma chatice ou então uma falação desnecessária, entretanto, a verdade é que ele é o próximo passo para os processos políticos e não há como negar o impacto que essas novas mídias têm exercido em nosso contexto atual, basta observar o impacto que páginas como a dos Jornalistas Livres e da Mídia Ninja possuem.

 

Referência:

LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva. Por uma antologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1994.