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CONGRESSO INTERNACIONAL DE COMPETÊNCIAS MIDIÁTICAS DISCUTE DESAFIOS DA ÁREA

De 23 a 25 de outubro, a Universidade Federal de Juiz de Fora sediou o II Congresso Internacional sobre Competências Midiática, organizado pela Rede Alfamed Brasil, composta por diversos núcleos, sediados em alguns estados do país e também no exterior. O evento propôs-se a realizar um exploratório, com demonstração dos indicadores de referência.

A rede estuda a relação entre comunicação e educação, feita em conjunto, através da participação dos sujeitos, com ganhos para ambas as áreas. Preocupa-se com a prática do jornalista, a qual tem implicações nos processos educativos. O importante, nessa perspectiva, é estar habilitado, ou seja, desenvolver competências para o uso dos diversos meios, tendo-se em mente a qualidade e efeitos questionáveis de seus produtos.

Incialmente, tinha-se como hipótese que as pessoas, de uma forma geral, têm dificuldades de ler e interpretar enunciados escritos. Estudos realizados pela rede comprovaram que os hábitos de produção são ruins e os cidadãos não são críticos dos meios que consomem. A maioria das pessoas apenas compartilha conteúdo, se comportando como usuários e não, como produtores de conteúdo.

Esse é um fenômeno social que precisa ser reconhecido, com crescente aumento do interesse acadêmico. Um dos trabalhos apresentados durante o congresso, de autoria da professora Iluska Coutinho, aborda a centralidade ou seja, a experiência do mundo de maneira audiovisual. Ela apresentou a plataforma Youtube como instância de aprendizagem, repositório de vídeos integrado ao buscador Google, e analisou três canais: Canal de Foto, Brainstorm Tutoriais e Professor Youtuber. Iluska concluiu que esses conteúdos formativos ampliam o número de vozes, numa perspectiva contra-hegemônica, com construção de sentidos, mas ao mesmo tempo, desestimula métodos diversos e tem forte diálogo com o mercado de marcas.

Flávio Lins apresentou seu trabalho, o qual ressalta os eventos como sujeitos de comunicação, com criação de tempo, espaço e de uma dramaturgia que o envolve, oportunidade para que as competências midiáticas sejam desenvolvidas. Segundo ele, em um evento tudo é comunicação, tudo é mensagem.

Gabriela Borges, coordenadora do Mestrado em Comunicação e Sociedade da UFJF, integra a Rede Alfamed Brasil e apresentou um levantamento dos níveis de competências midiáticas de públicos de 9 a 12 anos, 14 a 16 anos e de universitários. A professora concluiu que, de uma forma geral, eles têm conhecimento dos dispositivos e ferramentas tecnológicas, mas possuem pouca formação audiovisual, numa desconstrução de que o jovem têm conhecimento de tudo. Ela disse ainda que é preciso desenvolver uma literacia da publicidade.

É preciso, pois, tomar consciência dessa nova interface, tendo como responsabilidade o domínio da comunicação como direito, para defesa dos interesses dos cidadãos. A leitura crítica dos conteúdos veiculados leva em consideração as manipulações da realidade social, o uso da coerção e violência simbólica para controle social e monopólio das ideologias, através de estratégias discursivas.

Na visão dos integrantes, devemos seguir aprendendo, já que não se trata de mera transmissão. A leitura básica da linguagem pressupõe a reconstrução de uma história que traz no seu cerne interpretação impregnada de uma cultura audiovisual. Os meios de comunicação são criadores de percepções. Esse processo de homogeneização cultural resulta negativo e perigoso para a convivência cidadã. A sociedade precisa usar a mídia para enfrentar poderes deletérios, uma vez que ela tem sido usada por esses poderes.   Por isso, a educação para a mídia deve ser tratada com urgência.                                                                                                                                                                Uma pesquisa reativa não basta.  De acordo com o Conselho Nacional de Educação,  temos escolas do século XIX, docentes do século XX para alunos do século XXI. O letramento midiático e informacional é fundamental para o pensamento crítico e a qualidade da educação, devendo ser incluída no currículo dos cursos a literacia midiática. É preciso relacionar as linguagens dos meios de comunicação, demonstrando domínio das tecnologias da informação. Como a universidade fomenta o espírito crítico, em que ela acrescenta? Eventos como esse demonstram diálogo da universidade com campos do conhecimento e da educação básica. A realização de pesquisas de caráter científico, com aplicação de questionários, pretendem despertar a consciência para a formação e desenvolvimento de políticas públicas.

Segundo a rede, as formas de assistir televisão já estão se modificando, havendo ainda uma necessidade de contextualização. A aprendizagem em rede e a didática online podem contribuir para o processo de aprendizagem, mas é preciso aprender a utilizar essas possibilidades, nos ambientes digitais.

De acordo com os integrantes da rede, a educação, como fenômeno complexo, possui pontos em comum com a comunicação, como vínculos afetivos e mediação. Mas para mover, é preciso mais do que sensibilizar, tem-se que considerar os diálogos da educação com as diversas áreas e tipos de conhecimento, como os avanços da neurociência, por exemplo.

DIFERENÇAS ENTRE OUVIR E ESCUTAR NO MUNDO CORPORATIVO

No passado tinha-se menos oportunidades para falar dos problemas do mundo corporativo fora dos mecanismos fornecidos por uma empresa. Ocorre que até hoje, muitas ainda minimizam a natureza qualitativa e social das plataformas interativas, atribuindo pouco valor ao engajamento, como se fosse um modismo passageiro. Talvez porque seus lucros são difíceis de serem rastreados e a mensuração não indica o que esses fãs fazem.

Outras ainda estão preocupadas com as velhas formas. “…os anunciantes estão – o que é bastante compreensível – apenas interessados em espectadores para a plataforma que compraram.” (JENKINS; FORD, 2014, p.157) Não levam em conta que essas audiências são mais propensas a recomendar, discutir, pesquisar, criar e compartilhar material fora dos fluxos tradicionais, não dependendo nem mesmo daquela audiência massiva dos modelos tradicionais. O foco no engajamento é fundamental para a reconfiguração do poder da audiência, já que o consumo de mídia pressupõe produção de significado, contribuição de valores culturais.

Muitas empresas e instituições não se preocupam em conectar o que dizem com o que ouvem, nem são bons em inspirar o que suas audiências estão dizendo. A indústria ainda não é capaz de vender produtos e serviços a elas, nas formas e nos contextos que desejam. Se voltam para ambientes fechados com agendas sob controle da empresa. Como sabemos, diferente de ouvir, escutar é um processo de concentração e de dar resposta a uma mensagem.

Valorizar os participantes apenas como dados, perpetuando a “cultura da vigilância”, faz com que retornem a uma “passividade imaginada”. Simplifica a maneira como são entendidos, considerando a audiência como algo relativamente coerente, em vez de entendê-la como públicos conectados em rede. Poderia ser uma atividade compartilhada por todos os departamentos, mas o mais frustrante é que muitas organizações não escutam porque não é de interesse de seus líderes. Essa maneira de agir impede mudanças significativas.

Um dos motivos para as empresas e instituições se concentrarem apenas em ouvir é que elas não estão organizadas para escutar com eficácia. As organizações não são uma entidade única e unificada. Enquanto os departamentos de marketing são cobrados pela forma com as quais podem “engajar” o cliente, os departamentos de serviço são medidos pela rapidez com que podem se desvencilhar deles, por meio de métricas de eficiência.                                       

Apesar disso, há colaboradores que trabalham para permitir significados alternativos, mudar a relação de uma empresa com seus públicos. Essa nova forma de agir é importante por causa dos potenciais benefícios. Eles querem liberá-los porque veem essas concessões como uma boa lógica de negócio ou ainda porque sua ética pessoal e profissional exige essa mudança.

Algumas abordagens demonstram que as empresas estão começando a se voltar para esse novo paradigma, prestando atenção e escutando cada vez mais. Começam a se inserir nas conversas travadas nas comunidades de fãs, presentes nessas novas mídias, respondendo aos seus públicos como eles querem e precisam.

Essas plataformas foram capazes de atrair uma audiência apaixonada. Nas comunidades, os fãs mais ativos são vistos como capazes de motivar o engajamento de espectadores mais eventuais. Concentram suas energias em causar uma impressão, demonstrar o valor deles e o compromisso que possuem com a marca, através das narrativas transmidiáticas, conceito desenvolvido por Henry Jenkins, no texto “Em busca do Unicórnio de Origami”.

Uma história transmidiática se desenrola através de múltiplos suportes midiáticos, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmidiática, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida bum filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversões. (JENKINS, p. 135)

Esforços de escuta fornecem um alicerce para construir relacionamentos positivos e também ajudam a evitar os tipos de crise que estão se tornando cada vez mais prováveis, quando as empresas ignoram o que as pessoas estão dizendo. Se quiserem prosperar, as empresas devem sintonizar suas infraestruturas para ficar mais sintonizadas com o que os públicos querem e precisam, devem participar.

Jenkins, Henry. Cultura da conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável / Henry Jenkins, Sam Ford e Joshua Green: tradução Patrícia Arnaud.  – São Paulo: Aleph: 2014. Título original: Spreadable media: creating value and meaning in a networked culture Bibliografia.

Jenkins, Henry. Em busca do unicórnio de origami. In: Cultura da Convergência. 2a edição. São Paulo: Alepnh, 2009.

Pesquisadoras discutem as competências midiáticas entre crianças e jovens

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Mesa Alfamed Brasil foi conduzida pelo professor Paulo Roberto Figueira Leal, da UFJF. Foto: Carlos Eduardo Nunes

 

Integrando o 2º Congresso Internacional sobre Competências Midiáticas, realizado na Universidade Federal de Juiz de Fora entre os dias 23 e 25 de outubro, a mesa redonda da Alfamed Brasil debateu alguns estudos realizados por pesquisadores de diversas partes do Brasil sobre o tema das competências midiáticas em diversos públicos, de crianças aos jovens universitários.

O espaço foi uma oportunidade para frisar como é de extrema importância a formação de competências midiáticas para professores já durante a graduação destes. São eles que vão desenvolver estas habilidades junto aos alunos desde o primário, que no futuro serão jovens e adultos já “alfabetizados” e aptos a pensar criticamente.

Segundo apontamentos da pesquisa “Competências Midiáticas dos Estudantes Universitários Brasileiros” desenvolvida pela professora Soraya Ferreira no grupo de pesquisa em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, boa parte dos universitários inquiridos durante a pesquisa conhecem e dominam as ferramentas de produção midiática mas não são produtores de conteúdo, e sim apenas meros replicadores. Um dos questionamentos que traz é sobre o jovem hoje apenas se valer do compartilhar e não do produzir, já que o estudo mostra que 52% têm conhecimento em tecnologias e 77% compreende relações entre diferentes linguagens e compreendem bem as linguagens audiovisuais, estando aptos à produção. Como a universidade pode criar uma cultura de produção nesses jovens?

Tais respostas talvez podem ser encontradas nas pesquisas divulgadas conjuntamente na mesma: a formação da competência midiática já na infância, como forma de desenvolver um adulto apto a ter um conhecimento crítico do sistema e produção midiáticos, como aponta o estudo “As competências midiáticas e os desafios para a formação de professores numa perspectiva sustentável”, da professora Maria Alzira de Almeida Pimenta. da Universidade do Triângulo Mineiro. A pesquisa tenta mensurar os desafios da formação de professores medindo a literacia midiática no currículo de formação de docentes. A pesquisa teve como objetivo identificar o que os professores da rede de ensino compreendem hoje sobre linguagens, papéis sociais, conteúdos entre outros interesses e qual o posicionamento frente ao papel da mídia na sociedade atual

Alguns apontamentos mostram como empoderamento dos cidadãos como caminho para usar criticamente a mídia através da alfabetização midiática e informacional e a escola como o eixo central para desenvolver as competências midiáticas. Mais do que um dever, deve ser um compromisso ético das instituições de ensino.  

Com foco no público infantil, a professora Márcia Barbosa da Silva apresentou o estudo “Competências Midiáticas no Contexto Educacional dos Campos Gerais”, desenvolvido dentro do grupo de pesquisas Lume, da Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Paraná. A iniciativa consistiu em um questionário desenvolvido para crianças no primário e com foco no conteúdo audiovisual e na formação dos professores. Os resultados apresentados em diversos quesitos, sendo que, dentre eles, podemos destacar a bagagem cultural da criança até o momento como um item importante para a representação que ela faz e a importância do conhecimento e das técnicas para o processo de produção. 

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Professora da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Márcia Barbosa apresentou resultados da pesquisa feita com o público infantil. Foto: Carlos Eduardo Nunes

 

Segundo a pesquisadora responsável, no cenários das competências midiáticas a imitação não deve ser vista como algo negativo mas positivo, quando aplicada na apropriação das linguagens midiáticas feitas de forma crítica. O estudo também apontou que mecanismos de apropriação levam à experimentação.

Os três estudos apresentados permitem visualizar o desenvolvimento das habilidades de competências midiáticas como um circuito, que deve começar na formação de professores e irá sendo desenvolvido, via escolas, ao longo da formação de crianças e adolescentes, chegando aptos à universidade para pensarem criticamente a mídia, a comunicação e todo o sistema que ela está envolvida.

É preciso força para querer lidar com o contraditório na internet

 

Citada frequentemente como um gênero televisivo que está em franca decadência, que não possui mais o apelo de outrora junto ao público brasileiro, a novela deu sinais de vida e de que continua despertando paixões, emoções e ódio nos telespectadores brasileiros. Tal constatação pode ser percebida ao se verificar as mídias sociais da últimas semanas de outubro, entupidas de conteúdo contra e a favor sobre a novela “A Força do Querer”, exibida no horário das 21h da Rede Globo.

A trama de Glória Perez conquistou a maior audiência da emissora carioca em termos “tradicionais” (números de audiência no Ibope) e “modernos” (repercussão nas redes sociais). Tanto sucesso não se via desde 2012 com “Avenida Brasil”, um marco e uma das pioneiras do fenômeno da social TV, onde o público interage via plataformas on-line enquanto o programa vai ao ar.

Abordando temas polêmicos como tráfico de drogas e criminalidade urbana, vício em jogos e transsexualidade, a novela conquistou uma legião de fãs com seus personagens carismáticos e a boa história contada. Mas também suscitou uma reação em contrário, por parte da onda conservadora que o Brasil vive atualmente. Uma militância que tem marcado presença forte nas redes sociais brasileiras e com pensamento oposto à forma como o conteúdo foi tratado na novela, daí sua ferrenha oposição.

Henry Jenkins, Joshua Green e Sam Ford, em seu livro “Cultura da Conexão – Criando valor e significado por meio da mídia propagável” diferencia o público de uma simples audiência como uma “coletividade, mais do que a soma de suas partes, enquanto audiência, em contrapartida, é mera agregação de indivíduos”. Dayan, citado por Jenkins na mesma obra, complementa definindo o público “como uma entidade coesa cuja natureza é coletiva, um agrupamento caracterizado pela sociabilidade compartilhada, por uma identidade compartilhada e por algum senso dessa identidade”.

Com laços estreitados por uma causa em comum, que pode ser religiosa ou política, grupos de espectadores têm usado seu engajamento para propagação dos mesmos em meio on-line “São os seus valores, interesses e propósitos que definem o que tem valor ao ponto de merecer ser propagado”. O sucesso de “A Força do Querer” acabou servindo como uma vitrine para propagação dessas ideias e aproveitando a publicidade e a popularidade da novela visando atingir diversos públicos, no que é bem definido por Jenkins cita em Cultura da Conexão: “Alguns grupos de ativistas procuram transformar audiência em público conectado em rede com o qual possam trabalhar na promoção de suas causas”.

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A internet brasileira já se tornou conhecida por sua estreita colaboração com produtos provenientes do meio televisivo, além da imensa criatividade e humor na poderosa fábrica de memes brasileiros. A Força do Querer foi uma das pioneiras nas mídias a contar uma oposição mais engajada com aparecimento de grupos se aproveitando da história contada para se oporem a ela propagar isso em rede de forma bastante enfática.

Se o grosso dos internautas continuavam a produzir seus memes, outras iniciativas contra a história foram surgindo, ancoradas também em outros temas que predominaram nos noticiários de então. A hashtag #GloboLixo foi uma das iniciativas com mais engajamento e que acusava a emissora de “destruir os lares e as famílias do país”(sic); a suposta glamourização do tráfico de drogas e o debate sobre transsexualidade, todos abordados por meio dos personagens principais. Tão forte foi o engajamento desse público para promover suas causas que ela extravasou o espaço virtual, sendo levado para cultos religiosos ou mesmo o Supremo Tribunal Federal.

Marcada por seu estilo de campanhas sociais que conscientizem o público, a autora Glória Perez encontrou desta vez uma forte oposição, como tudo tem sido no país nos últimos anos. Mas A Força do Querer conseguiu se sair bem no debate dos temas no dia a dia do público. No Brasil dos dias atuais, é preciso de força para querer lidar com o contraditório na internet.

“O que é educação?” Mesa redonda debate a importância do pensamento crítico no âmbito didático

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Membros da mesa redonda durante troca de ideias com a plateia (Foto: Observatório da Qualidade no Audiovisual)

“O que é educação?” — esta foi a pergunta que permeou a mesa redonda realizada na terça-feira, 24, durante o II Congresso Internacional sobre Competências Midiáticas. Sediado na Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o evento reuniu pesquisadores nacionais e internacionais entre os dias 23 e 25 de outubro. Ao longo da programação, o debate se voltou para as novidades, alertas e mudanças na área da Comunicação e de suas intercessões com a de Educação, especialmente no campo que dá nome ao congresso: as competências midiáticas, responsáveis por auxiliar a população em uma melhor compreensão e uso das mensagens que recebe, constantemente, através de vários tipos de mídia.

Análise no âmbito universitário
Durante a mesa redonda de terça-feira não foi diferente. Mediada pelo doutor em Ciência Política e professor da UFJF, Paulo Roberto Figueira Leal, a discussão foi pautada pelo tema central do evento, com foco nos desafios e obstáculos presentes na área de competência midiática. Iniciando o debate, a pesquisadora da UFJF e doutora em Comunicação e Semiótica, Soraya Ferreira, apresentou seu estudo sobre a competência midiática no âmbito dos estudantes universitários brasileiros. Através de questionários direcionados aos próprios estudantes (ao todo, foram contabilizados 627 respondentes), a pesquisadora analisou diferentes âmbitos, como o tecnológico, o de linguagem e os de processos de produção e difusão de conteúdos, e levantou questões por meio dos resultados.

“Por que, em sua maioria, esses estudantes compartilham conteúdos já prontos, mesmo tendo o poder de também produzir o seu próprio? Por que se comportam como usuários, e não como produtores de conteúdo?”, questiona, afirmando que é necessário inspirar o espírito crítico e cidadão, mesmo em universitários, em relação ao tipo de conteúdo que são responsáveis por compartilhar, especialmente no âmbito on-line. “Com este atual cenário, temos que estar, no mínimo, alertas.”

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Pesquisadores brasileiros e de instituições internacionais acompanharam o debate na terça-feira, 24 (Foto: Observatório da Qualidade no Audiovisual)

Educação midiática
A próxima a expor uma discussão foi a doutora em Educação e professora da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Márcia Barbosa da Silva. Coordenadora da pesquisa intitulada “Competências midiáticas no contexto educacional dos Campos Gerais”, que também é executada como uma atividade de extensão, no departamento de Pedagogia da UEPG, Márcia explica que o estudo também é desenvolvido através de questionários — mas as respostas são dadas por crianças. “Constatamos que elas têm, sim, um certo nível de competência midiática. Ainda é muito primário, precisa ser desenvolvido, mas existe.”

A professora também destacou a importância de, além de se pensar a linguagem, também compreender as coisas produzidas por meio da mesma. “Além de só fazer perguntas, é preciso proporcionar experiências que as crianças possam entender.” Citando o especialista em mídia e educação para jovens, David Buckingham, Márcia elabora que a educação midiática não é voltada somente para dar sentido ou permitir que crianças escrevam conteúdo para as mídias, mas sim habilitá-las a refletir, sistematicamente, sobre o processo de leitura, escrita e produção midiática, e seus papéis como leitores e escritores nesse meio.

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O debate teceu reflexões sobre o papel das competências midiáticas em vários estágios da educação (Foto: Observatório da Qualidade no Audiovisual)

 

“Se não me move, não me pertence”
Terceira e última a se apresentar, a doutora em Educação e professora da Universidade de Sorocaba (Uniso), Maria Alzira de Almeida Pimenta, abordou o ângulo das competências midiáticas e os desafios para a formação do professor. A pesquisadora discorreu sobre seu estudo, “Se não me move, não me pertence: desafios para a formação de professores numa perspectiva sustentável”, expondo, segundo ela, a compreensão da educação como um fenômeno completo, abordando as nuances do aprendizado de acordo com ritmos e motivações diferentes.

Em sua pesquisa, Maria Alzira coletou dados em onze países e debate os desafios encontrados nas escolas, como o advento da internet, o apelo do consumismo e a “necessidade de princípios e práticas que dêem valor à diversidade e à sustentabilidade”. Segundo a pesquisadora, frente essas questões, a mudança do pensamento regido por instituições de educação é necessária e pode ser iniciada dentro das próprias escolas, por meio de cursos de formação de professores voltados para uma leitura crítica das mídias. Sua fala completando um ciclo de reflexão sobre o papel das competências midiáticas em vários estágios da educação: seja com crianças, jovens universitários e/ou professores.

Integração entre Comunicação e Educação para um mundo melhor

Nós precisamos de literacia para construir um novo mundo”.  Esta frase sintetiza a palestra proferida pelo Presidente da Alfamed, Prof. Dr. José Ignácio Aguaded Gomez, da Universidade de Huelva, na Espanha, em sua conferência de abertura do II Congresso Internacional sobre Competências Midiáticas. O evento, realizado em Juiz de Fora, entre os dias 23 e 25 de outubro de 2017, contou com uma rica discussão sobre as competências midiáticas, reforçando a importância de que esse conhecimento seja disseminado de modo a habilitar o cidadão para o pensamento crítico, a participação democrática, o diálogo com os meios e a resolução criativa de problemas.

Em sua apresentação, Ignácio destacou o quanto a comunicação está presente de forma intensa em nossas vidas na atualidade, através de telas mais universais, mais acessíveis e mais econômicas. Contudo, embora a comunicação tenha se ampliado e disseminado, ela é uma construção, uma “realidade mediada com interesses diversos”, conforme pontuou o professor, e nós precisamos conhecer isso. Para o presidente da Alfamed, se conhecêssemos as mediações, seríamos uma sociedade melhor.

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Foto: Observatório da Qualidade no Audiovisual.

Ignácio vê uma diferença entre os termos “comunicação” e “informação”, destacando que a primeira é muito mais participativa e a segunda mais unidirecional. Assim também, “educar” e instruir” não significam a mesma coisa. Para o professor, “para educar é preciso ser”, e “para instruir, é preciso apenas saber”. A Educação prevê a formação de cidadãos completos, por isso está diretamente ligada à Comunicação. “A Comunicação deve estar imersa no contexto educativo”, lembrou.

Como hoje nos situamos em um contexto caracterizado pelo excesso de informações, veiculadas em várias mídias e nas várias telas, é momento de promover a capacitação das pessoas para filtrarem os dados que recebem, para saberem se posicionar criticamente frente às manipulações a que estão sujeitas, para dialogarem diretamente com as mídias e participarem do processo comunicacional. Para Ignácio, “este é o momento da ação”: acadêmicos e pesquisadores precisam dar uma resposta à questão da Comunicação perpassada por interesses diversos e por instrumentos de poder. Para o especialista, a Educação tem um papel central na Comunicação contemporânea.

Literacia na Europa

O professor da Universidade de Huelva (Espanha) falou também sobre o panorama atual da Educomunicação na Europa, destacando que os 27 países que integram a comunidade europeia contam com diretrizes para o desenvolvimento da literacia, voltadas tanto para a formação de professores como de alunos. Ignácio salientou também que trata-se do desenvolvimento de competências para formar capacidades e não conhecimentos. “É necessário desenvolvermos as competências para nos comunicarmos de forma eficiente e aproveitarmos os meios de forma positiva e não negativa”, disse.

O especialista apresentou também alguns projetos de Educomunicação ativos na Europa, ressaltando o quanto é importante que profissionais da Comunicação e Educação desenvolvam ações para melhorar a sociedade. “A sociedade nos demanda respostas porque os meios de comunicação ocuparam um papel central. Trata-se de respostas para direcionar um consumo eficiente”, pontuou.

Dentre os projetos, estão o Educlips, que visa fomentar a produção audiovisual entre alunos universitários, os cursos abertos online, também chamados de MOOCs, voltados à formação de professores na educação para os novos meios, o Bubuskiski, projeto desenvolvido com marionetes, o projeto Aiuária, uma revista digital disponível em quatro idiomas que reporta a experiência da literacia midiática e a Revista Comunicar, publicação científica no ramo da Comunicação e Educação.

Ignácio citou, ainda, uma pesquisa desenvolvida com estudantes de vários países, cujos resultados são apresentados nos tópicos a seguir:

  • As crianças se formam para o uso das mídias com os amigos (em segundo lugar, a família, e em terceiro, a escola);
  • 20% das crianças na primeira infância se formam para o uso das mídias de maneira autodidata;
  • Não há um uso crítico: “consumimos o que os outros querem que consumamos” (ideia contrária à literacia, que quer o receptor como sujeito e não como objeto);
  • 50% dos jovens não têm formação midiática (o consumo não garante a competência) e 26% tem formação autodidata;
  • Nas universidades há um pouco mais de competência, porém, constatou-se que 42% dos professores nunca receberam formação em competências midiáticas.

Esses quadros revelam a importância em se formar Educomunicadores, conforme defende Ignácio. No documento da Unesco, “Alfabetização Midiática Informacional – Diretrizes para a formulação de políticas e estratégias”, também há esse apelo para o desenvolvimento da Educomunicação ou Alfabetização Midiática Informacional (AMI). De acordo com o órgão, “as políticas e as estratégias da AMI promovem a criação de sociedades baseadas no conhecimento, inclusiva, pluralistas, democráticas e abertas”.

E é exatamente esse o pensamento de Ignácio, que acredita que o nós precisamos de desenvolver as competências midiáticas para construir um novo mundo, mais participativo e democrático. Para ele, o grande desafio da atualidade é integrar a Educação e a Comunicação para se alcançar uma sociedade melhor, de modo que possamos progredir e não regredir.

Anitta e o “Check Mate” da audiência internacional

As primeiras peças do tabuleiro internacional da cantora Anitta já estão sendo movidas. Depois de dominar o público nacional, a cantora quer ampliar sua audiência na América Latina e chegar nas paradas de sucesso da Billboard. Para entender os movimentos precisos e  calculados precisamos analisar o marketing e a comunicaçãoanitta-pecas-xadrez-xeque-mate-825x432 da cantora.

Desde seu surgimento com a música “Show das Poderosas”, em 2013, Anitta vem emplacando diversos singles como “Deixa ele Chorar”, “Zen”, “Meiga e Abusada”, “Bang” , entre outros. Produções elaboradas de videoclipes alavancam os singles colocando-a constantemente no ranking das músicas mais tocadas no país. Anitta está conquistando uma legião de fãs, os quais movimentam suas redes sociais e a impulsiona no cenário brasileiro. Para Daniel Dayan, “um público não apenas oferece atenção, mas também solicita atenção”(2005). Mas esse quesito a cantora tira de letra. Com mais de 20 milhões de seguidores no Instagram, Anitta se apresenta como uma pessoa sincera e interativa.“Um público não é simplesmente um espectador no plural, um somatório de espectadores, um montante. Trata-se de uma entidade coesa cuja natureza é coletiva, um agrupamento caracterizado pela sociabilidade compartilhada, por uma identidade compartilhada e por algum senso dessa identidade” (Dayan, 2005).

Porém a jogada dos sonhos é o “Check Mate” da audiência internacional. Anitta está aumentando sua popularidade no exterior. Mas a maioria de seus novos consumidores não imaginam o esforço de marketing que a brasileira vem fazendo. “A audiência é produzida por atos de mediação e vigilância, normalmente sem conhecimento de como as pistas que ela deixa podem ser ajustadas pelas indústrias de mídia”, (Dayan, 2005).

 

Uma das táticas desenvolvidas é a utilização de parcerias com músicos já influentes nos outros países. Já foram desenvolvidos feats com J Balvin, no remix de “Ginza”, e no dueto com Maluma, em “Sim ou Não”. A participação no single “Switch” da australiana Iggy Azalea. O qual rendeu a primeira aparição de Anitta na TV norte-americana no programa “The Tonight Show” com o apresentador Jimmy Fallon, um dos principais talk show dos EUA.

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Mas a coisa esquentou de vez foi com o lançamento de “Paradinha”. Com uma estrutura de marketing e logística em vários países da América Latina, Anitta lançou prévias convidando seu público para aguardar a primeira música solo internacional cantada em espanhol. Uma exacerbada campanha nas redes sociais fez a música ter mais de 6,4 milhões de views no youtube nas primeiras 24 horas. Hoje, 4 meses após o lançamento, o clipe já possui mais de 200 milhões de acessos. A música chegou ser a mais tocada em países como México e Colômbia.  

Poucos dias após movimentar uma grande peça no tabuleiro, mais uma grande jogada: a canção “Sua Cara”, do Major Lazer, que também conta com a cantora Pabllo Vittar obteve grandes projeções.

Sem álbum previsto e trabalhando singles ao longo do ano, Anitta traçou uma nova estratégia para seus próximos lançamentos. A carioca anunciou em agosto o projeto “Check Mate”, ela pretende lançar um novo single por mês, sempre acompanhado por um clipe. A cantora dá uma passo a frente de seus concorrente, pois entende que os hábitos de consumo da indústria fonográfica estão sendo modificados. “Em vez de esperar passivamente pelo conteúdo a ser distribuído como na época da radiodifusão aberta, os usuários estão buscando ativamente e comparando mídia sobre assuntos importantes por meio de mecanismos de buscas, recomendações, vídeos on demand, guias de programas interativos, feeds, recomendações e sites de nichos. Isso está colocando pressão sobre os criadores para que converta seu conteúdo, de forma que ele fique não apenas acessível através de várias plataformas e dispositivos, mas também formatado e marcado de forma adequada para que tenha maior probabilidade de ser encontrado”. (Jessica Clark, 2009)

Henry Jenkins aponta o telefone celular como exemplo representativo do período que estamos vivenciando, ressaltando o papel central que o aparelho desempenha em diversas situações, dentre elas as estratégias de marketing. Admite que estes dispositivos desprenderam-se da condição de mero telefone, tornando-se ferramenta importante para produção, envio e recebimento de vídeos, músicas, fotos e jogos eletrônicos. O conceito de convergência, proposto por Jenkins, refere-se ao paradigma configurado para representar a mente dos consumidores individuais e que pode ser percebido em suas interações sociais, nas formas de consumo e nas relações dos usuários com a tecnologia contemporânea (Jenkins, 2013).

Dentro do seu novo projeto Anitta já lançou as músicas “Will I See You”, como Poo Bear e “Is That for Me”, com o DJ Alesso, ambas cantadas em inglês. Fato é que Anitta vem articulando muito bem sua entrada no cenário estrangeiro. E quem sabe a próxima diva internacional não é a brasileira? Sorte Anitta e “Check Mate”!

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JENKINS, Henry; GREEN, Joshua; FORD, Sam. Cultura da conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2013.

 

A escuta como estratégia de relacionamento e geração de valor

O surgimento da web 2.0 alterou significativamente o cotidiano das pessoas e o modo de se relacionarem entre si e com empresas e instituições. As plataformas que permitem a interação direta, o compartilhamento de conteúdos e os feedbacks inauguram uma nova cultura, caracterizada por Jenkins, Sam e Green (2014) como “cultura participativa”. Em se tratando do universo corporativo, aquele que antes era visto como consumidor, é concebido como participante; seu perfil e preferências, antes desconhecidos ou mensurados apenas quantitativamente (o que não traduzia seus reais anseios), agora são objetos de uma escuta mais atenta e de avaliação.

Em Cultura da Conexão: criando valor através da mídia propagável (2014), Henry Jenkins, Sam Ford e Joshua Green discutem esse novo cenário e, entre as mudanças apontadas, destacam alguns paralelismos ainda existentes, mas que tendem a ser dissolvidos à medida que a participação se tornar efetiva e as pessoas adquirem competências para interagir melhor com as novas mídias. Dentre os apontamentos, está o “ouvir x escutar”. De acordo com os autores, “as empresas devem se deslocar de uma cultura do apenas ouvir o que o público está dizendo para uma que priorize o escutar o que o público tem a dizer” (JENKIS; FORD; GREEN, 2014, p. 252). Eles definem o “escutar” como “um processo de espera, de concentração e de dar resposta a uma mensagem”.

Muitas empresas já têm investido nessa nova relação com seus consumidores, acolhendo-os como participantes ativos, importantes de serem ouvidos. Um exemplo recente foi a iniciativa da empresa Karsten, que, na comemoração dos seus 135 anos, organizou uma ação especial para as consumidoras, convidando-as para um bate-papo especial onde suas preferências não seriam apenas ouvidas, mas também executadas.

Em uma tarde de sol, com um clima que remetia aos tradicionais chás servidos na Inglaterra, 15 consumidoras se reuniram com as lideranças da empresa. O assunto era a nova coleção, a ser lançada em 2018 pela Karsten. Dentre 80 peças apresentadas, as consumidoras escolheram 30. As peças escolhidas não apenas serão as lançadas no ano que vem como cada uma delas terá suas tags e rótulos estampados com o nome da cliente. Assim, através de uma ação de escuta e de valorização do relacionamento com o consumidor, a empresa se prepara para lançar uma coleção exclusiva e colaborativa.

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Em entrevista para o site Portal da Propaganda, Guilherme Picolli, Visual Merchandising e Desenvolvimento de Produtos Exclusivos das lojas Karsten, destacou  os objetivos da iniciativa: “Com essa ação buscamos ouvir, entender e, consequentemente, gerar relacionamento ainda melhor com nossos clientes. Fazendo deles parte da Karsten ao buscar essa opinião na hora do desenvolvimento”.

Seu depoimento remete ao que Jenkins, Sam e Green (2014, p. 253) dizem sobre a escuta: “não apenas coletar dados, mas fazer algo com eles”. Além disso, ao convidar as clientes para opinar sobre os novos produtos, dando feedback sobre o que gostaram ou não e sobre o que poderia ser aprimorado, a empresa fomentou o que Lévy (2000, p.110) classifica como a inteligência coletiva, através da qual “os agenciamentos de comunicação são capazes de escutar, integrar e restituir a diversidade”.

É importante destacar que a ação da Karsten não foi idealizada ao acaso. Pelo fato de estarmos imersos na era digital, em que a web 2.0 ganha mais força, a escuta tornou-se fundamental, seja ela on ou off-line. Ao se converterem em participantes, os consumidores tendem a valorizar e se identificar com marcas que fomentam o bom relacionamento e que se abrem para o feedback de seu público. Assim, trata-se de uma ação reflexo da nova configuração do ambiente midiático, caracterizado por Jenkis (2008) como mais participativo.

Referências:

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.

JENKINS, Henry; GREEN, Joshua; FORD, Sam. Cultura da conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014

LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 3ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

O crowdsourcing e o boom do financiamento coletivo

As mídias atuais são participativas e interativas, como bem frisa Jenkins (2013), logo de cara, em sua obra “Cultura da Convergência”. O próprio conceito de convergência dialoga com o fluxo de conteúdos de várias mídias e a colaboração entre os mercados midiáticos — afinal, “nenhum de nós pode saber tudo; cada um de nós sabe alguma coisa; e podemos juntar as peças, se associarmos nossos recursos e unirmos nossas habilidades” (JENKINS, 2013, p.30).

Para o autor, uma fonte atual de poder midiático pode ser caracterizada como a inteligência coletiva presente nas transmídias. E poder é, de fato, uma palavra-chave no contexto abordado neste breve artigo: trata-se da mobilização de fãs de determinados conteúdos que, por meio de plataformas digitais, têm força suficiente para pautar os assuntos de suas mídias preferidas, e até financiar a produção por trás das mesmas.

Pego, mais uma vez, os podcasts como exemplo. Uma das dúvidas mais recorrentes, especialmente em relação aos programas com maior fluxo de ouvintes (chegando à casa dos milhares de acessos por semana), é como a produção dos mesmos se sustenta. Afinal, uma das diferenças primordiais do podcast para o rádio tradicional é, por exemplo, de que não estão “presos” a uma grade horária e nem veiculam propagandas de terceiros ao longo do programa; além do mais, trata-se de um conteúdo disponibilizado de forma completamente gratuita na internet e, na maioria quase esmagadora das vezes, ser um podcaster é apenas uma das funções exercidas pelos produtores e apresentadores, que ganham o pão através de outras profissões. Qual é a saída?

Ela dialoga diretamente com o conceito discutido por Rheingold (2012) em seu livro “Net Smart: how to thrive online”: o de crowdsourcing. Um termo parecido, o crowdfunding, já é um dos queridinhos da internet (podemos traduzi-lo para “financiamento coletivo”). Ambos dialogam no sentido de que dependem da participação voluntária e da contribuição de uma rede extensa de pessoas para que o resultado final seja significativo. Grandes podcasts brasileiros também “obedeceram” uma das diretrizes retomada por Rheingold (2012): a de realizar um apelo público, direto aos ouvintes, para participar da sua iniciativa — no caso  dos programas, trata-se de seus financiamentos.

A contribuição é expressiva, inclusive no Brasil. No Padrim, uma plataforma de financiamento coletivo voltado, segundo seus criadores, para conectar produtores de conteúdo com seus fãs, os quatro projetos mais “apadrinhados” são podcasts. O acúmulo das contribuições pode passar, como é o caso do programa Não Ouvo, a casa dos vinte mil reais.

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Como bom exemplo de transmídia, o conteúdo dos podcasts não se limita ao áudio, e não é diferente com os pedidos e incentivos para financiar os programas. Ao se tornar um padrinho, o ouvinte têm direito, dependendo da quantia que fornecer, a determinadas regalias: acesso a grupos privados com a participação dos produtores do podcast, inserção de seu nome nos agradecimentos do programa, conteúdo adiantado ou personalizado — para citar alguns exemplos. Em outras redes sociais, as chamadas para contribuir também continuam: um exemplo são as interações no twitter do podcast Mamilos.

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É importante denotar, então, o senso de coletividade, pertencimento e interatividade entre consumidores e produtores de mídias na internet — e como os próprios se confundem, com os consumidores sendo parte ainda mais vital do processo de criação, consolidação, suporte e até viabilização das mídias que consomem. Atualmente, não só procuramos pelo conteúdo que mais nos agrada, como somos capazes de mantê-los funcionando, em um fluxo de troca e apoio antes inéditos e/ou pouco explorados.

 

Referências:
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2013.
RHEINGOLD, Howard. Net Smart: how to thrive online. The MIT Press: Cambridge/Massachusetts, 2012.

INTELIGÊNCIA COLETIVA, CULTURA DA CONVERGÊNCIA E CULTURA PARTICIPATIVA NAS VISÕES DE LEVY, JENKINS E RHEINGOLD

No que propõe Pierre Levy (2000), a Terra foi o primeiro grande espaço de significação aberto à nossa espécie. Um segundo espaço, o Território, foi inventado a partir do Neolítico. Nesse, os modos de conhecimento baseiam-se na escrita e o centro da existência é o vínculo com uma entidade territorial. As instituições nas quais vivemos são igualmente territórios, com suas hierarquias, burocracias, sistemas de regras, fronteiras, lógicas de pertença ou de exclusão.

Pierre Levy (2000) ainda acredita que saímos do totalitarismo para a era do conhecimento. Técnicas se transformaram em potencialidades. Temos hoje uma abordagem mais cognitiva das organizações, em que as pessoas são incitadas a dar suas contribuições, assumindo o controle das mídias. Nesse sentido, Jenkins (2009) entende que nos últimos anos, a indústria midiática parecia em guerra com os consumidores, no sentido de tentar forçá-los a voltar a antigas relações e à obediência a normas sedimentadas.

De acordo com Levy (2000), a “engenharia do laço social” é a arte de valorizar ao máximo a diversidade das qualidades humanas. Inteligência coletiva, para ele, é um processo de crescimento, de retomada de singularidades. Quando valorizamos o outro, desenvolvemos nele sentimentos de reconhecimento. Não se trata de substituir o homem, mas de promover a construção de coletivos inteligentes, nos quais as potencialidades sociais de cada um poderão desenvolver-se e ampliar de maneira recíproca.

Em qualquer lugar há inteligência. Qualquer um é capaz de produzir conhecimento, de gerar informação de relevância. O outro é alguém que sabe as coisas que eu não sei. Na era do conhecimento, deixar de reconhecer o outro em sua inteligência é recusar-lhe sua verdadeira identidade social. (LEVY, 2000, p. 30) Jenkins concorda com esse ponto de vista. Nenhum de nós sabe tudo; cada um de nós sabe alguma coisa; e podemos juntar as peças, se associarmos nossos recursos e unirmos nossas habilidades. (JENKINS, 2009)

Pierre Levy (2000) leva em consideração que a redefinição de identidades e das regras do jogo social se dará por ocasião de interações cooperativas no ciberespaço. Esse projeto convoca a um novo humanismo, em que devemos nos conhecer para pensarmos juntos. Sujeitos cognitivos, abertos, capazes de iniciativa, imaginação e de reação rápidas asseguram seu sucesso em um ambiente altamente cognitivo.

Jenkins (2009) vai mais além ao conceituar cultura da convergência, a qual representa uma transformação cultural à medida que consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos de mídias dispersos. Ele ainda afirma que as mídias vêm sendo moldadas para algo que ele chama de economia afetiva, em que o consumidor ideal é ativo, comprometido emocionalmente e parte de uma rede social.

Howard Rheingold (2012) fala de um cultura participativa, em que uma parcela significativa da população pode participar da produção de materiais culturais. Ele enfatiza o empoderamento sem precedentes que o know-how digital pode conceder, criando um senso de pertença e participação nos usuários. Possibilita aos internautas adquirir habilidades para se envolver na vida cívica de suas comunidades, construindo uma cultura mais democrática e diversificada. A recompensa pode vir ainda com um emprego, um companheiro, ou mesmo, a venda de um produto ou serviço.

Na visão dele, essa “arquitetura de participação” só se torna vital quando os humanos a usam para fazer coisas. Um “tecido cultural” emerge da agregação e da interação de milhões de produções criadas individualmente. Em torno dessa participação digital surgiu um “ecologia cultural”, repleta de subculturas e episódios para se criar novos significados, influenciando na agenda cultural, definindo estratégias para atingir os interesses dos usuários.

No entendimento de Jenkins (2009), no momento, estamos utilizando esse poder coletivo para fins recreativos. Mesmo com um novo modo de aprendizagem, em que a educação se assemelha mais a uma rede, ainda há pouca instrução explícita. Rheingold (2012) refere-se aos gêneros criativos, dizendo que poderão anunciar a forma como muitas pessoas aprenderão habilidades necessárias no futuro. O modo como essas diversas transições evoluem irá determinar o equilíbrio de poder na próxima era.

A convergência altera a lógica como a indústria midiática opera, segundo Jenkins (2009). Ela compreende uma apropriação popular, mas também uma tática empresarial. Alguns consumidores têm mais habilidade para participar desse processo, mesmo que as corporações ainda exerçam maior poder. Cabe a nós pensar o porquê de as mídias estarem apoiando novas formas de engajamento.

Jenkins (2009) se questiona sobre como manter o potencial da cultura participativa na esteira da crescente concentração das mídias. Howard Rheingold (2012) nos leva a crer que os cidadãos comuns são, na maioria das vezes, travados, quando desejam participar da produção. Ainda vivemos em um mundo em que consumimos principalmente conteúdos produzidos por empresas midiáticas. Se o público não tiver ideia das discussões, terá pouco ou nada a dizer a respeito das decisões tomadas.

BIBLIOGRAFIA:

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Tradução Suzana Alexandria.2ª ed. São Paulo: Aleph, 2009

LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 3ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

RHEINGOLD, Howard. Net Smart: How to Thrive Online. 2012.