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Um exemplo latente (e atual) da inteligência coletiva: o podcast

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A coletividade, característica inerente aos humanos, inevitavelmente chegaram à internet

“Não há deuses no universo, nem nações, nem dinheiro, nem direitos humanos, nem leis, nem justiça fora da imaginação coletiva dos seres humanos” — é a afirmativa forte, ainda que não seja uma novidade, que recheia um dos últimos best sellers mundiais, o livro Sapiens — Uma breve história da humanidade. Nunca é tarde, no entanto, para compreender e reforçar como nós só somos indivíduos perante o coletivo — como conseguimos chegar até aqui nos baseando em uma inteligência coletiva.

As narrativas que nos embalam se confundem com nossa própria sobrevivência: desde os primeiros vilarejos humanos, passando pelas igrejas medievais e pelos grandes impérios da Antiguidade, até chegar à consolidação dos Estados modernos: todas as construções humanas, nas quais baseamos nossas vidas e espelhamos nossas culturas e tradições, são fruto de mitos partilhados, narrativas coletivas que sustentam nossas instituições.

Não é diferente no âmbito da comunicação. A inteligência coletiva, termo cunhado por Pierre Lévy, se refere a um contexto em que “ninguém sabe de tudo, todos sabem de alguma coisa, e tudo que uma pessoa conhece é acessível para outras mediante uma solicitação” (JENKINS, 2006). O que Lévy argumenta é que a capacidade de agrupar conhecimento, colaborar através de pesquisas e debater interpretações — tudo isso feito de uma forma coletiva — acaba resultando em novas estruturas de poder que, então, refinam e aprimoram o nosso conhecimento sobre o mundo e suas narrativas.

Realizar esses processos de uma forma coletiva não é somente a base das nossas próprias relações culturais, como também transformou o jeito como nós usamos tecnologias — a internet, por exemplo. O impacto, no entanto, não para por aí, como aponta Rheingold (2012): nós também modificamos como encontramos informações, como agregamos conhecimento, como conduzimos experimentos científicos e até como consumimos entretenimento.

Rheingold (2012) também enumera dicas para definir o que é ou não um exemplo de inteligência coletiva. Abaixo, exemplifico alguns dos critérios que precisam ser atendidos:

  • Um grupo diversificado de pessoas; segundo Rheingold, é comprovado cientificamente que a diversidade de uma rede social é o fator mais importante para a influenciar se alguém pode ou não utilizar o capital social desenvolvido nessa rede. Isso é importante, especialmente, para uma maior inclusão de pessoas pertencentes a grupos socialmente marginalizados.
  • Incentivar a prática da colaboração entre os próprios membros do grupo. Aprender a como distribuir a palavra em cada conversa é importante e vale à pena.
  • Torne fácil e acessível a contribuição para um repositório de conhecimento compartilhado.

Um exemplo atual, especialmente no Brasil, e que atende a todos os fatores acima são os podcasts. Por operar através de uma tecnologia acessível, tanto para consumi-los quanto para produzi-los, os podcasts são facilmente alcançáveis, disponíveis para qualquer pessoa com acesso à internet. Como fruto de meio on-line, no qual o acesso e a democratização de informações são movimentos fortes, outra característica que vem na bagagem dos podcasts é a sua abrangência de fãs e produtores. Não há restrição alguma — qualquer pessoa pode ouvir ou criar seu próprio podcast. A colaboração entre os próprios membros da comunidade podcaster é, também, parte da cultura da mídia. Um dos exemplos são as respostas à duas das perguntas da pesquisa realizada pela comunicadora Ana Terra (2017), sobre o cenário brasileiro do podcast.

Nota-se que o engajamento, dentro da própria comunidade podcaster ou consumidora desse tipo de mídia, em divulgar e apoiar os podcasts que acompanha. Outras iniciativas, como o Dia do Podcast — no qual é feita uma mobilização para divulgação em massa sobre podcasts em redes sociais –, também denotam claramente esse comportamento coletivo. Logo, embora seja importante assumir que o fenômeno da inteligência coletiva na internet ainda é um processo em andamento, é necessário constatar exemplos latentes da atuação da mesma na atual era convergente digital. É fato que o podcast oferece uma gama de análises no campo computacional — é essencial, então, começar a desvendá-lo.

Fontes:
JENKINS, Henry. Collective Intelligence vs. The Wisdom of Crowds. 2006. Disponível em: < http://henryjenkins.org/blog/2006/11/collective_intelligence_vs_the.html >. Acesso em: 25 jan. 2018.
RHEINGOLD, Howard. Net Smart: How to Thrive Online. Cambridge: The Mit Press, 2012.

“O que é educação?” Mesa redonda debate a importância do pensamento crítico no âmbito didático

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Membros da mesa redonda durante troca de ideias com a plateia (Foto: Observatório da Qualidade no Audiovisual)

“O que é educação?” — esta foi a pergunta que permeou a mesa redonda realizada na terça-feira, 24, durante o II Congresso Internacional sobre Competências Midiáticas. Sediado na Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o evento reuniu pesquisadores nacionais e internacionais entre os dias 23 e 25 de outubro. Ao longo da programação, o debate se voltou para as novidades, alertas e mudanças na área da Comunicação e de suas intercessões com a de Educação, especialmente no campo que dá nome ao congresso: as competências midiáticas, responsáveis por auxiliar a população em uma melhor compreensão e uso das mensagens que recebe, constantemente, através de vários tipos de mídia.

Análise no âmbito universitário
Durante a mesa redonda de terça-feira não foi diferente. Mediada pelo doutor em Ciência Política e professor da UFJF, Paulo Roberto Figueira Leal, a discussão foi pautada pelo tema central do evento, com foco nos desafios e obstáculos presentes na área de competência midiática. Iniciando o debate, a pesquisadora da UFJF e doutora em Comunicação e Semiótica, Soraya Ferreira, apresentou seu estudo sobre a competência midiática no âmbito dos estudantes universitários brasileiros. Através de questionários direcionados aos próprios estudantes (ao todo, foram contabilizados 627 respondentes), a pesquisadora analisou diferentes âmbitos, como o tecnológico, o de linguagem e os de processos de produção e difusão de conteúdos, e levantou questões por meio dos resultados.

“Por que, em sua maioria, esses estudantes compartilham conteúdos já prontos, mesmo tendo o poder de também produzir o seu próprio? Por que se comportam como usuários, e não como produtores de conteúdo?”, questiona, afirmando que é necessário inspirar o espírito crítico e cidadão, mesmo em universitários, em relação ao tipo de conteúdo que são responsáveis por compartilhar, especialmente no âmbito on-line. “Com este atual cenário, temos que estar, no mínimo, alertas.”

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Pesquisadores brasileiros e de instituições internacionais acompanharam o debate na terça-feira, 24 (Foto: Observatório da Qualidade no Audiovisual)

Educação midiática
A próxima a expor uma discussão foi a doutora em Educação e professora da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Márcia Barbosa da Silva. Coordenadora da pesquisa intitulada “Competências midiáticas no contexto educacional dos Campos Gerais”, que também é executada como uma atividade de extensão, no departamento de Pedagogia da UEPG, Márcia explica que o estudo também é desenvolvido através de questionários — mas as respostas são dadas por crianças. “Constatamos que elas têm, sim, um certo nível de competência midiática. Ainda é muito primário, precisa ser desenvolvido, mas existe.”

A professora também destacou a importância de, além de se pensar a linguagem, também compreender as coisas produzidas por meio da mesma. “Além de só fazer perguntas, é preciso proporcionar experiências que as crianças possam entender.” Citando o especialista em mídia e educação para jovens, David Buckingham, Márcia elabora que a educação midiática não é voltada somente para dar sentido ou permitir que crianças escrevam conteúdo para as mídias, mas sim habilitá-las a refletir, sistematicamente, sobre o processo de leitura, escrita e produção midiática, e seus papéis como leitores e escritores nesse meio.

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O debate teceu reflexões sobre o papel das competências midiáticas em vários estágios da educação (Foto: Observatório da Qualidade no Audiovisual)

 

“Se não me move, não me pertence”
Terceira e última a se apresentar, a doutora em Educação e professora da Universidade de Sorocaba (Uniso), Maria Alzira de Almeida Pimenta, abordou o ângulo das competências midiáticas e os desafios para a formação do professor. A pesquisadora discorreu sobre seu estudo, “Se não me move, não me pertence: desafios para a formação de professores numa perspectiva sustentável”, expondo, segundo ela, a compreensão da educação como um fenômeno completo, abordando as nuances do aprendizado de acordo com ritmos e motivações diferentes.

Em sua pesquisa, Maria Alzira coletou dados em onze países e debate os desafios encontrados nas escolas, como o advento da internet, o apelo do consumismo e a “necessidade de princípios e práticas que dêem valor à diversidade e à sustentabilidade”. Segundo a pesquisadora, frente essas questões, a mudança do pensamento regido por instituições de educação é necessária e pode ser iniciada dentro das próprias escolas, por meio de cursos de formação de professores voltados para uma leitura crítica das mídias. Sua fala completando um ciclo de reflexão sobre o papel das competências midiáticas em vários estágios da educação: seja com crianças, jovens universitários e/ou professores.

O crowdsourcing e o boom do financiamento coletivo

As mídias atuais são participativas e interativas, como bem frisa Jenkins (2013), logo de cara, em sua obra “Cultura da Convergência”. O próprio conceito de convergência dialoga com o fluxo de conteúdos de várias mídias e a colaboração entre os mercados midiáticos — afinal, “nenhum de nós pode saber tudo; cada um de nós sabe alguma coisa; e podemos juntar as peças, se associarmos nossos recursos e unirmos nossas habilidades” (JENKINS, 2013, p.30).

Para o autor, uma fonte atual de poder midiático pode ser caracterizada como a inteligência coletiva presente nas transmídias. E poder é, de fato, uma palavra-chave no contexto abordado neste breve artigo: trata-se da mobilização de fãs de determinados conteúdos que, por meio de plataformas digitais, têm força suficiente para pautar os assuntos de suas mídias preferidas, e até financiar a produção por trás das mesmas.

Pego, mais uma vez, os podcasts como exemplo. Uma das dúvidas mais recorrentes, especialmente em relação aos programas com maior fluxo de ouvintes (chegando à casa dos milhares de acessos por semana), é como a produção dos mesmos se sustenta. Afinal, uma das diferenças primordiais do podcast para o rádio tradicional é, por exemplo, de que não estão “presos” a uma grade horária e nem veiculam propagandas de terceiros ao longo do programa; além do mais, trata-se de um conteúdo disponibilizado de forma completamente gratuita na internet e, na maioria quase esmagadora das vezes, ser um podcaster é apenas uma das funções exercidas pelos produtores e apresentadores, que ganham o pão através de outras profissões. Qual é a saída?

Ela dialoga diretamente com o conceito discutido por Rheingold (2012) em seu livro “Net Smart: how to thrive online”: o de crowdsourcing. Um termo parecido, o crowdfunding, já é um dos queridinhos da internet (podemos traduzi-lo para “financiamento coletivo”). Ambos dialogam no sentido de que dependem da participação voluntária e da contribuição de uma rede extensa de pessoas para que o resultado final seja significativo. Grandes podcasts brasileiros também “obedeceram” uma das diretrizes retomada por Rheingold (2012): a de realizar um apelo público, direto aos ouvintes, para participar da sua iniciativa — no caso  dos programas, trata-se de seus financiamentos.

A contribuição é expressiva, inclusive no Brasil. No Padrim, uma plataforma de financiamento coletivo voltado, segundo seus criadores, para conectar produtores de conteúdo com seus fãs, os quatro projetos mais “apadrinhados” são podcasts. O acúmulo das contribuições pode passar, como é o caso do programa Não Ouvo, a casa dos vinte mil reais.

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Como bom exemplo de transmídia, o conteúdo dos podcasts não se limita ao áudio, e não é diferente com os pedidos e incentivos para financiar os programas. Ao se tornar um padrinho, o ouvinte têm direito, dependendo da quantia que fornecer, a determinadas regalias: acesso a grupos privados com a participação dos produtores do podcast, inserção de seu nome nos agradecimentos do programa, conteúdo adiantado ou personalizado — para citar alguns exemplos. Em outras redes sociais, as chamadas para contribuir também continuam: um exemplo são as interações no twitter do podcast Mamilos.

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É importante denotar, então, o senso de coletividade, pertencimento e interatividade entre consumidores e produtores de mídias na internet — e como os próprios se confundem, com os consumidores sendo parte ainda mais vital do processo de criação, consolidação, suporte e até viabilização das mídias que consomem. Atualmente, não só procuramos pelo conteúdo que mais nos agrada, como somos capazes de mantê-los funcionando, em um fluxo de troca e apoio antes inéditos e/ou pouco explorados.

 

Referências:
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2013.
RHEINGOLD, Howard. Net Smart: how to thrive online. The MIT Press: Cambridge/Massachusetts, 2012.

“Uma democracia será tão boa quanto o jornalismo que tivermos”

Mesmo em uma era de informações cada vez mais rápidas, a internet pode ser uma aliada para uma comunicação humanizada (Foto: ijeab / Freepik)

Já virou um alerta comum: esses dias, mesmo, vi um guia de museu falando sobre fake news. Ele perguntou para vários alunos, todos estudantes do primeiro ano do ensino médio, o que esse termo estrangeiro queria dizer. Confesso que eu fiz errado: subestimei. Estava focada em outra coisa, uma das exposições da galeria, e nem prestei muita atenção, assumindo que os alunos seriam vencidos pela timidez coletiva e não responderiam a pergunta.

Mas, como já disse, errei. Um menino de boné disse que fake news eram informações falsas que estavam viralizando na internet. Ele brincou, dizendo que eram tipo as correntes que os tios mandavam nos grupos de whatsapp. Os colegas riram e eu me peguei me repreendendo mentalmente, justamente por repetir um padrão que considero ultrapassado, e até ingênuo: o de subestimar o interesse e o conhecimento das pessoas, principalmente os jovens.

Com as notícias cada vez mais fáceis e mais rápidas de se compartilhar, chovem as críticas sobre como a internet está matando a vontade de aprofundamento e fazendo reinar o apetite por informações mais curtas, diretas e, se possível, em tempo real. Claro que não são considerações que não valem um ponderamento — mas elas escondem um perigo: esse instinto de subestimar, nesta era da convergência em que vivemos, a sede por notícias e análises bem apuradas e aprofundadas.

Esse esteriótipo recai com mais força sobre os mais jovens, especialmente os que já cresceram inseridos na cibercultura. Com esse furor da convergência midiática nas plataformas digitais, as chamadas “velhas” mídias (o jornal impresso, a TV e o rádio) não estão em extinção, como já apontou Jenkins, mas sim se reinventando: e, neste processo, estão fortalecendo o diálogo com um preceito não só fundamental para o jornalismo, mas também à literacia midiática: o de fornecer informações sérias e embasadas, promovendo um ambiente de ampla cidadania.

Afinal, é com o acesso ao conhecimento que podemos compreender nosso âmbito político, social e, até mesmo, histórico.

A apuração por trás dos podcasts já contraria quem taxa o meio on-line como fútil e/ou movido por informações rasas ou falsas (Foto: Gustavo Tempone/UFJF)

“Uma democracia será tão boa quanto o jornalismo que tivermos.” Esta é uma frase cunhada pelas apresentadoras e idealizadoras do podcast Mamilos, Cris Bartis e Juliana Wallauer. E é para falar dessa mídia — o podcast — que se inspira esse texto. Dei essa volta toda pra chegar nele: produto híbrido da cultura da convergência, sendo metade rádio, metade internet. A própria existência do podcast já contraria quem taxa o meio on-line como fútil e/ou movido por informações rasas ou falsas. Geralmente com mais de trinta minutos de duração, podendo se estender (e até passar) a marca de duas horas, essa mídia só cresce no Brasil: atualmente, são mais de 1.400 programas nacionais. Muitos deles são como o próprio Mamilos, que se dispõe a debater assuntos polêmicos através da ótica do respeito e da empatia.

E é por isso que é bom, então, ficarmos atentos para mais esta plataforma difusora de comunicação, cujo potencial didático já começou a ser desbravado. É mais uma oportunidade para compreendermos, ainda que seja através de uma nova mídia, como consumimos e pautamos as informações que recebemos através de todas as outras, além de se constituir como um instrumento acessível — e poderoso –para a construção de cidadãos mais participativos.

 

Referências:
“Uma democracia será tão boa quanto o jornalismo que tivermos” – Entrevista de Cris Bartis e Juliana Wallauer http://tutano.trampos.co/7484-entrevista-cris-bartis-juliana-wallauer/
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2013.
NOTÍCIAS, Divulgador de. O Áudio na Internet: Brasil tem mais de 1.400 podcasts ativos no país. 2016.
Disponível em: <http://www.dino.com.br/releases/o-audio-na-internet-brasil-tem-mais-de-1400-podcasts-ativos-nopais-dino890117066131&gt;.
Podcast Mamilos (http://www.b9.com.br/podcasts/mamilos/)