Literacies

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Arquivo mensal: setembro 2017

A cultura participativa X os grandes aglomerados de mídia

No novo contexto da convergência midiática abordada por Jenkins (2009), muito se fala em participação. Alguns anos antes, na década de 90, Pierre Lévy apresentou o conceito de “Inteligência Coletiva” e a criação de comunidades de informações.

Segundo o autor, na inteligência coletiva o outro é alguém que sabe coisas que eu não sei e “representa uma fonte possível de enriquecimento de meus próprios saberes” (LÉVY, 2007, p.27). O conceito leva em conta de ninguém sabe de tudo, mas todos sabem um pouco. Como há mais informações do que alguém possa guardar na cabeça, há o estimulo de compartilhamento de informações, habilidades e conhecimento entre as pessoas. Dessa forma, o conceito parte do pressuposto de que as pessoas atuam melhor junto que separados e tem a reciprocidade como sua maior característica: se os outros são fonte de conhecimento, eu também sou uma oportunidade de aprendizado para os outros (LÉVY, 2007).

“É uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências” (LÉVY, 2007, p.28).

Evoluindo o conceito, mais tarde, Henry Jenkins (2009) introduz a concepção da cultura participativa.

A transição do consumidor “passivo” para o consumidor ativo, cada vez mais interessado no processo de produção dos programas, contribuindo e participando mais diretamente fez surgir o fenômeno da cultura participativa. “Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente” (JENKINS, 2009, p. 47). A cultura participativa coloca diferentes fronteiras e estabelece um habitat inclusive para os fãs, experts, curadores que expandem as linguagens antes presas ao formato da cultura das mídias.

“O público, que ganhou poder com as novas tecnologias vem ocupando um espaço na intersecção entre os velhos e os novos meios de comunicação, está exigindo o direito de participar intimamente da cultura. Produtores que não conseguirem fazer as pazes com a nova cultura participativa enfrentarão uma clientela declinante e a diminuição dos lucros. As contendas e as conciliações resultantes irão redefinir a cultura pública do futuro” (JENKINS, 2009, p. 53).

E as empresas e os meios de comunicação devem adaptar-se também com o atual relacionamento com esse novo consumidor, cada vez mais exigente e participativo. Ou pelos menos é o que deveria acontecer.

O caso da Rede Globo

A rede Globo, por ter um mercado sólido e tradicional, parece precisar de um tempo maior para se adaptar. Não podemos dizer que eles não estão tentando. Reality shows, novelas e diversos programas estão sendo reconfigurados para atender as novas demandas do consumidor.  Porém, ainda é pouco. No site da emissora há várias abas e sites iguais para os diferentes produtos que não levam em consideração, em nenhum momento, a participação dos fãs. E quando há uma abertura nesse sentido, é feito de forma controlada, seja selecionando o que os fãs podem falar, quanto criando espaços e momentos específicos para isso.

Quando o assunto é transmídia e novas estratégias de circulação e distribuição, a situação não muda. A Globo não faz ações transmidiáticas, ou seja, não expande a narrativa principal criando diferentes pontos de contato, mas apenas replicam do mesmo.

No reality show Big Brother Brasil, houve uma evolução, ainda tímida, no decorrer das últimas três edições neste quesito. Ainda não sabemos o que se reserva para a próxima temporada do programa: se vai haver um retrocesso na perspectiva de utilizar a cultura participativa a favor da emissora, ou uma evolução inédita. Sendo um ou outro, o que está em jogo é o futuro do programa assim como o da emissora. Um gênero como o reality show que demanda, necessita e tem como característica principal a participação, não pode mais colocar em segundo plano o engajamento e a circulação feita pelos fãs. Em um ecossistema midiático conectivo não existe mais a possibilidade de selecionar quais atores podem participar da sua produção.

As pessoas querem mesmo participar?

De fato, estamos vivendo uma era de transição da comunicação. Nunca as mudanças foram tão rápidas. A incerteza e a instabilidade são uma realidade. As respostas, apesar de um pouco mais claras, ainda não são imediatas, mas é preciso enfrentá-las se quisermos decifrar o futuro da comunicação.

Talvez perguntar se as pessoas querem mesmo participar só faça sentindo se vier de alguém que ainda não entende o grande potencial da cultura participativa para a comunicação e toda a sociedade. Assim como aqueles que nasceram com ou depois do surgimento da internet são mais dependentes da tecnologia do que aqueles que viveram sem ela por um tempo, daqui a alguns anos a participação não será mais um diferencial ou uma opção, será uma necessidade.

Sim, as pessoas querem mesmo participar!

Referências:

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. 2ª ed. São Paulo: Aleph, 2009.

LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 5ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2007.

POR UMA LITERACIA DA SEGURANÇA PÚBLICA

A necessidade de literacia não é recente, embora somente há pouco as necessidades de informação e de utilizá-las de forma eficaz tem sido uma preocupação crescente. À medida que as tecnologias se tornaram mais acessíveis, fáceis de se utilizar, é que começamos a pensar sobre como as instituições têm disponibilizado dados para seus públicos. O desenvolvimento do pensamento crítico e a consciência da ética levaram a uma mudança de paradigma.

Quando implementada, a literacia midiática conduz a melhorias significativas em toda a estrutura organizacional. Propõe meios para a inclusão, através de um maior acesso à informação que garanta direitos e ajude o cidadão a enveredar pelo labirinto de burocracias, comum à administração pública. No conceito de comunicação de serviço proposto por Haswani (2010), é um dever da mesma fornecer informações sobre regras referentes à própria atividade. Cabe aqui analisar até que ponto essas entidades estão realmente dispostas a essa nova abordagem.

Quando se fala em segurança pública, prevê-se que oportunidades igualitárias só serão possíveis, através do desenvolvimento de competências, tratando-se portanto, de alfabetização dos policiais e gestores no acesso e uso dos meios, em seus locais de trabalho, para maior eficácia dos serviços prestados. Entende-se que eles farão a diferença ao poderem criar conhecimento e compartilhar informação.

Em sua dissertação sobre “Literacia de Informação na Polícia de Segurança Pública”, Maria de Jesus Gomes Augusto (2013) faz uma análise sobre o grau de literacia dos policiais, numa esquadra do Comando Metropolitano do Porto, em Portugal. Ela avalia os hábitos de leitura, formação, elaboração de expedientes, entre diversos outros aspectos. Considera que a maioria deles é literado em informação.

..o acto de ler espelha um meio de se ter acesso ao  saber, de conquistar autonomia na aprendizagem, que deve ser encarado como um processo inacabado, pois ler é um acto que possibilita o acesso às mais estimulantes e saborosas viagens de sonho…(AUGUSTO, 2013, p. 74)

Maria de Jesus conclui que as ações diárias são o caminho que leva a capacidades, avaliando e usando a informação adequada na resolução de problemas. É ainda mais significativa, na medida em que provoca um desejo de compreensão das mais complexas matérias. Ela diz que a vontade de melhorar e a curiosidade levam à satisfação e são pré-condições para o processo de aprendizado.

A gestão do conhecimento tem em sua essência aproveitar os recursos existentes na empresa/instituição. Um ambiente de aprendizado interativo ainda é capaz de acumular e criar novos conhecimentos. Sugere que a PSP deveria proporcionar mais e melhores meios de acesso à literacia, como a instalação de bibliotecas, incentivo aos militares que aumentarem seus anos de estudos, entre outros.

Leva em conta ainda a proteção da memória de uma nação, um ponto interessante para se pensar a participação desses órgãos, em um importante período de nossa história: a ditadura militar. Até que quando este será um assunto sobre o qual não se deve falar, um capítulo esquecido? As Comissões da Verdade, abraçadas pelos Direitos Humanos, levam em conta essa nova vertente, indo mais a fundo nessas investigações, expondo novas versões, o outro lado.

A literacia defende também o desenvolvimento de competências que nos permitam conviver com as diferenças. Uma reflexão sobre a intolerância levou à criação de delegacias especializadas, para um enfrentamento mais incisivo a esses conflitos que têm como vítimas grupos minoritários, nos mais diversos estados do país. A discussão sobre o tema prega que a solução está na tolerância, em um diálogo intercultural.

No que tange à literacia dos meios de comunicação, entende-se que a presença de um grande número de notícias sobre violência já é positiva pelo fato de os grandes jornais terem incorporado o tema, mas ainda é pequeno o volume de editoriais e artigos discutindo a diversificação de pontos de vista. Essa ausência tende a tirar do noticiário e das discussões, temas fundamentais como o da violência enquanto fenômeno social, os de raça/etnia, de gênero e da violência doméstica.

De acordo com a pesquisa divulgada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania – Cesec, em 2004, as notícias não trazem indicações dos pontos nevrálgicos como a necessidade de investimentos, de modernização, de combate à violência e à corrupção policiais. Percebe-se a ausência de uma postura mais pró-ativa de colocar em pauta questões estruturais, carecendo de elementos que permitam uma reflexão mais aprofundada da situação. Apenas 2,4% dos textos analisados focalizam temas ligados aos direitos humanos ou iniciativas de movimentos sociais nessa área.

Nessa mesma linha, Potter (2010) revela que o Escritório de Política Nacional de Controle de Drogas (ONDCP) trabalha para reduzir o uso de drogas nos EUA, reconhecendo como as mensagens da mídia influenciam os cidadãos. O escritório desenvolve um vocabulário para apontar técnicas de manipulação e habilidades para proteger as pessoas das drogas ou opções de vida negativas. Busca desenvolver o pensamento crítico, tendo em vista que as mensagens são construídas por pessoas com pontos de vista comerciais. Destaca ainda a criação de mensagens criativamente construtivas, confiáveis e que promovam a auto-estima.

Numa outra vertente, muito se discute sobre segurança, integridade e privacidade de informações. A autorregulação das mídias pretende maior independência e diversidade na difusão de conhecimento. Deve ocorrer de forma transparente, responsável e ética, nos levando a refletir sobre o enquadramento dados às notícias veiculadas na área de segurança pública. O empoderamento visa proteger o cidadão de culturas dominantes, o que se contrapõe ao protecionismo. Como no que defende Habermas (2003), a esfera pública deveria ser um local de debates, mas há ainda um longo caminho a se percorrer.

Os jornalistas têm de repensar o seu papel na divulgação das informações, buscando o outro lado da história, ouvindo os especialistas e enxergando a segurança pública como um diálogo interdisciplinar. Foi o que destacou o jornalista e professor da UFJF, Ricardo Bedendo, durante palestra ministrada sobre gangues, no último dia 24 de agosto, na Câmara Municipal de Juiz de Fora. Segundo ele, tem procurado desenvolver a percepção em seus alunos de que as notícias não precisam girar em torno apenas da tragédia alheia.

É possível uma melhor adequação, através de uma maior variedade de métodos. A reforma deve começar nesses ambientes, com melhorias na formação de professores e na pesquisa acadêmica. Só agora se começa a valorizar a importância da literacia na educação para a construção de um saber fundamental. Precisamos não somente ensinar e aprender, mas aprender a aprender. Devemos buscar uma sociedade do conhecimento e não da informação.

Para problemas como aumento dos índices de criminalidade e violência deveriam ser questionadas soluções policialescas, que não levam em conta modificações de oportunidades no entorno. Se literacia designa destreza e tem papel preponderante na comunicação e na compreensão de ideias, por que não se apoderar das vantagens que podem advir da conciliação desses referenciais de uso consciente da informação?

Num momento de perda de crença na legitimidade das instituições, políticas públicas devem ser colocas em prática, com constante avaliação e monitoramento. Mudanças significativas só serão possíveis com a participação de diversos setores da sociedade. Essas diretrizes são possíveis e alguns países já deram o primeiro passo. Quando vamos dar o nosso?

REFERÊNCIAS:

HASWANI, Mariangela Furlan. A comunicação estatal com garantia de direitos: foco no Brasil, na Colômbia e na Venezuela. São Paulo: 2010.

Alfabetização midiática e informacional. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0024/002464/246421POR.pdf. Acesso em: 13 set. 2017.

Augusto, Maria de Jesus Gomes. Literacia de informação na Polícia de Segurança Pública. Disponível em: recipp.ipp.pt/bitstream/10400.22/3214/1/DM_MariaAugusto_ 2013.pdf. Acesso em: 13 set. 2017.

HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Tradução: Flávio R. Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. 398p.

Mídia e violência: como os jornais retratam a violência e a segurança pública no Brasil. Disponível em: https://oglobo.globo.com/arquivos/Relatorio_Midia_e_violencia2.doc. Acesso em: 13 set.2017.  

POTTER, W. James. The state of media literacy. Disponível em: https://issuu.com/nokaav/docs/potter_the_state_of_media_literacy. Acesso em: 13 set 2017.

O gigantismo e as controvérsias das redes sociais digitais

É fato, tudo mudou depois das redes sociais. As pessoas já não se comunicam, interagem e organizam como antes. Um reflexo, irreversível, causado pelo advento da internet e da comunicação mediada pelas plataformas digitais. Todos os anos surgem novas redes sociais para atrair e disputar atenção de quem curte socializar virtualmente.  A popularidade é tão grande que somente o Facebook possui cerca de 1,94 bilhões de perfis ativos, um quarto da população mundial está nas mãos de Mark Zuckerberg (portal de estatísticas Statista).youtube.jpg

Há redes sociais para tudo. Para quem é amante de fotografia, para quem procura um trabalho, um namorado(a) ou uma simples amizade.  O que não falta é gente buscando e pensando o mesmo sobre um assunto. Há também os usuários que utilizam esses ciberespaços como fonte de informação para embasar suas opiniões.

É nítido que estamos imersos em uma sociedade em rede, na qual a cultura participativa e a inteligência coletiva emergem com rapidez. As telas já ocupam boa parte do tempo de lazer dos cidadãos, observando de modo bastante incisivo o que McLuhan (1964) preconiza ao posicionar os meios de comunicação como extensões do homem.

No entanto, o lado perverso das redes sociais apresenta a face. A bolha provocada pelos algoritmos, impulsionados principalmente pelo inbound marketing, faz com que os usuários consumam informações unilaterais do assunto que eles apresentam interesse. Ou seja, dificilmente terá acesso espontâneo a pontos divergentes.  O sociólogo Zygmunt Bauman aponta que “as redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia”.

Esse cenário traz uma falsa sensação de literacia midiática. Uma vez que temos acesso a uma rede bilateral, habilidade de utilização, mas não conseguimos ter um senso crítico para formulação de opinião. Pois, a própria rede, nos “inibe” de ter informações que nos contraponha e leve a formar uma opinião isenta sobre o assunto que estou tento acesso.

“Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são muito úteis, oferecem serviços muitos prazerosos, mas são uma armadilha”, Bauman.

 

“Uma democracia será tão boa quanto o jornalismo que tivermos”

Mesmo em uma era de informações cada vez mais rápidas, a internet pode ser uma aliada para uma comunicação humanizada (Foto: ijeab / Freepik)

Já virou um alerta comum: esses dias, mesmo, vi um guia de museu falando sobre fake news. Ele perguntou para vários alunos, todos estudantes do primeiro ano do ensino médio, o que esse termo estrangeiro queria dizer. Confesso que eu fiz errado: subestimei. Estava focada em outra coisa, uma das exposições da galeria, e nem prestei muita atenção, assumindo que os alunos seriam vencidos pela timidez coletiva e não responderiam a pergunta.

Mas, como já disse, errei. Um menino de boné disse que fake news eram informações falsas que estavam viralizando na internet. Ele brincou, dizendo que eram tipo as correntes que os tios mandavam nos grupos de whatsapp. Os colegas riram e eu me peguei me repreendendo mentalmente, justamente por repetir um padrão que considero ultrapassado, e até ingênuo: o de subestimar o interesse e o conhecimento das pessoas, principalmente os jovens.

Com as notícias cada vez mais fáceis e mais rápidas de se compartilhar, chovem as críticas sobre como a internet está matando a vontade de aprofundamento e fazendo reinar o apetite por informações mais curtas, diretas e, se possível, em tempo real. Claro que não são considerações que não valem um ponderamento — mas elas escondem um perigo: esse instinto de subestimar, nesta era da convergência em que vivemos, a sede por notícias e análises bem apuradas e aprofundadas.

Esse esteriótipo recai com mais força sobre os mais jovens, especialmente os que já cresceram inseridos na cibercultura. Com esse furor da convergência midiática nas plataformas digitais, as chamadas “velhas” mídias (o jornal impresso, a TV e o rádio) não estão em extinção, como já apontou Jenkins, mas sim se reinventando: e, neste processo, estão fortalecendo o diálogo com um preceito não só fundamental para o jornalismo, mas também à literacia midiática: o de fornecer informações sérias e embasadas, promovendo um ambiente de ampla cidadania.

Afinal, é com o acesso ao conhecimento que podemos compreender nosso âmbito político, social e, até mesmo, histórico.

A apuração por trás dos podcasts já contraria quem taxa o meio on-line como fútil e/ou movido por informações rasas ou falsas (Foto: Gustavo Tempone/UFJF)

“Uma democracia será tão boa quanto o jornalismo que tivermos.” Esta é uma frase cunhada pelas apresentadoras e idealizadoras do podcast Mamilos, Cris Bartis e Juliana Wallauer. E é para falar dessa mídia — o podcast — que se inspira esse texto. Dei essa volta toda pra chegar nele: produto híbrido da cultura da convergência, sendo metade rádio, metade internet. A própria existência do podcast já contraria quem taxa o meio on-line como fútil e/ou movido por informações rasas ou falsas. Geralmente com mais de trinta minutos de duração, podendo se estender (e até passar) a marca de duas horas, essa mídia só cresce no Brasil: atualmente, são mais de 1.400 programas nacionais. Muitos deles são como o próprio Mamilos, que se dispõe a debater assuntos polêmicos através da ótica do respeito e da empatia.

E é por isso que é bom, então, ficarmos atentos para mais esta plataforma difusora de comunicação, cujo potencial didático já começou a ser desbravado. É mais uma oportunidade para compreendermos, ainda que seja através de uma nova mídia, como consumimos e pautamos as informações que recebemos através de todas as outras, além de se constituir como um instrumento acessível — e poderoso –para a construção de cidadãos mais participativos.

 

Referências:
“Uma democracia será tão boa quanto o jornalismo que tivermos” – Entrevista de Cris Bartis e Juliana Wallauer http://tutano.trampos.co/7484-entrevista-cris-bartis-juliana-wallauer/
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2013.
NOTÍCIAS, Divulgador de. O Áudio na Internet: Brasil tem mais de 1.400 podcasts ativos no país. 2016.
Disponível em: <http://www.dino.com.br/releases/o-audio-na-internet-brasil-tem-mais-de-1400-podcasts-ativos-nopais-dino890117066131&gt;.
Podcast Mamilos (http://www.b9.com.br/podcasts/mamilos/)

Que Saudades do Meu Ex… Brasil perde ferramentas de melhoria da qualidade televisiva

Enquanto alguns países -incluindo vizinhos latinos- avançam nas diversas formas de regulação e democratização do sistema midiático e na avaliação do conteúdo a ser veiculado na televisão, a perspectiva de melhorias nesse campo no Brasil tem dados passos atrás com o fim de ferramentas que almejavam melhorar os conteúdos produzidos por aqui.

Além da falta de vontade governamental, pesam para os retrocessos os discursos corporativos de que tais iniciativas se revelam como “censura” e “ingerência”, conforme afirma Ferreira (2013), de que “o exercício de controle sobre a comunicação, seja por parte do Parlamento, seja por parte da sociedade civil, é encarado pelos proprietários das empresas como ingerência indevida e contrária ao princípio da liberdade de expressão.”

Mesmo com o verdadeiro lobby contra, algumas iniciativas foram sendo tomadas ao longo da virada do século visando o cumprimento da Constituição de 1988 e almejando um conteúdo televisivo que cada vez mais baseia-se na qualidade. Duas destas ferramentas foram a implantação do sistema de classificação indicativa, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente e a campanha “Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania”.

quem-financia-a-baixaria-contra-a-cidadania-1-728A campanha “Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania” foi criada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados em 2002 e consistia em uma ferramenta onde o próprio telespectador fazia denúncias de conteúdos que transgredissem os direitos humanos e a cidadania na televisão brasileira.

Segundo o relatório publicado pela Câmara com resultados da campanha ao logo de sua duração nos anos 2000, foram mais de 18 rankings com mais de 50 programas, incluindo reality shows, novelas, programas de auditório, entre outros, classificados como de baixa qualidade. De acordo com Ferreira, “um dos pilares do movimento que começava era denunciar aos anunciantes conteúdos inadequados e convencê-los de que não valia a pena atrelar a marca de produtos e serviços a programas que desrespeitassem os direitos humanos”. As reclamações mais constantes foram a vulgarização das relações humanas, da banalização do cotidiano e do desrespeito aos valores éticos e morais da família e a exibição de conteúdo exibidos em horários impróprios, nos quais crianças e adolescentes ainda estão assistindo à televisão.

Outro retrocesso em termos de ferramentas de controle da qualidade na TV que o Brasil sofreu nos últimos anos foi o fim da classificação indicativa, por decisão feita pelo Supremo Tribunal Federal em 2016. Desde que extinção da censura prévia pela Constituição de 1988, o Brasil conta com um sistema de classificação indicativa, que estabelece a qual faixa etária um produto cultural é indicado, sendo avaliados previamente e vetando que conteúdos impróprios para certos públicos fossem veiculados em horários inapropriados. A única faixa restritiva é a de 18 anos, onde menores não são permitidos mesmo com anuência dos responsáveis. Com a decisão do STF, emissoras brasileiras, por exemplo ficam livres para veicular qualquer tipo de conteúdo em qualquer horário e os caracteres de indicação, exibidos antes da exibição, passaram a ser apenas de forma informativa.

card-pb-2-300x300Para fazer frente a decisão, o Conselho Nacional de Direitos Humanos em parceria com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes e organizações da sociedade civil lançaram a campanha “Programa Adulto em Horário Adulto” em defesa da classificação indicativa e do cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Em “Sobre a Televisão”, Bourdieu afirma que devemos lutar contra os índices de audiência em nome da democracia, pois é em nome da audiência que as emissoras de TV apelam para o sensacionalismo e o sucesso barato. No Brasil, infelizmente, estamos perdendo as armas.

 

Para saber mais: 

BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Zahar Ed, 1997.

FERREIRA, Cláudio (org.). Qualidade na TV: 10 anos da Campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania. Edições Câmara. Disponível em < http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/12937/qualidade_tv.pdf?sequence=2 >. Acesso em 5 de setembro de 2017.

Campanha Programa Adulto em Horário Adulto

 

Quebrando o tabu: A internet e as possibilidades de se promover o pensamento crítico

A definição exata do que é a literacia midiática encontra variações de autores e instituições em torno de pontos em comum. Segundo Potter (2010) existem quatro pontos que são consenso entre os autores, e estes são: Os meios de comunicação de massa têm potencial para exercer uma ampla gama de efeitos potencialmente negativos nos indivíduos; O propósito da literacia mediática é ajudar as pessoas a protegerem-se dos efeitos potencialmente negativos; A alfabetização mediática deve ser desenvolvida; A literacia mediática é multidimensional (a mídia influencia constantemente as pessoas de muitas maneiras, sendo elas cognitivas, emocionais, comportamentais, etc.)

O estímulo ao pensamento crítico da mídia é um ponto chave ao falarmos de literacia midiática e, em uma escala mais ampla, é fundamental ao falarmos de uma sociedade democrática em que o indivíduo tem direito e capacidade de acessar, compreender, observar, analisar e criar seu próprio posicionamento crítico em relação às mensagens midiáticas dos diferentes meios.

Com o advento das novas tecnologias e da internet a forma com que consumimos conteúdo e o disseminamos encontra-se em mutação. Os veículos vêm adaptando-se aos novos cenários e encontram-se, atualmente, difundidos nas diferentes plataformas midiáticas.  Nesse contexto digital o receptor não mais apenas recebe a mensagem emitida pelo veículo, mas também produz conteúdo, compartilha, opina, cria novos diálogos e consegue se expressar. Os veículos tradicionais de comunicação de massa possuem perfis nas redes sociais para divulgar seus conteúdos e interagir com seu público.

Existem também os veículos de comunicação que encontram seu nascimento e atuação restritos às redes sociais, expandindo seu conteúdo deslizando entre uma rede social e outra, mas sem sair do meio digital. Esse é caso da página de sucesso Quebrando o Tabu.

A página Quebrando o Tabu existe desde 2011 e, atualmente, conta com 7.655.396 seguidores. Ela tem como característica marcante questionar e levantar assuntos considerados polêmicos que dividem opiniões e geram grandes debates nos comentários de suas publicações.

Quebrando o Tabu tem uma posição clara em relação às lutas das minorias, igualdade de direitos entre homens e mulheres, levanta a bandeira do feminismo, do respeito às raças, classes e as diferenças de gênero, e se posiciona contra a política neoliberal e as recentes e descaradas medidas abusivas do governo que rege o Brasil nesse momento.

Quebrando tabu

Podemos dizer que a página promove a literacia midiática ao estimular o pensamento crítico relacionado à grande mídia, ao governo e suas políticas públicas e aos pilares invisíveis e ultrapassados que sustentam nossa sociedade, como o machismo.

A página conta com colunistas que produzem conteúdo, mas em geral, links, vídeos e imagens de veículos de comunicação do mundo todo são as fontes dos posts. O diferencial da página é que cada link postado conta com uma chamada criada pelos moderadores, que induz o usuário à reflexão.

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A partir disso, uma reflexão que podemos fazer é: Um veículo de comunicação que alcança mais de 7 milhões de pessoas, através da sua influência pode  praticar a literacia midiática estimulando o pensamento crítico em relação a mídia tradicional,e inclusive influenciar ativamente esta mesma mídia. Quando a grande mídia produz um conteúdo que esteja alinhado com a linha editorial da página, eles repostam.

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Ao dar protagonismo, voz e lugar de destaque para os atores sociais que não encontram esse protagonismo na mídia tradicional, o Quebrando Tabu constrói uma nova narrativa, paralela à narrativa dominante na sociedade, gerando debates atuais e de extrema importância entre seus usuários.

Veículos com essa nova proposta são cada vez mais comuns na internet, meio que democratiza a produção de conteúdo e retira o poder único da informação das mãos da mídia tradicional. Porém, é prudente lembramos que, apesar de mais da metade da população brasileira ter acesso à internet (de acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia de 2016), a televisão ainda segue como o meio de comunicação predominante, tanto pela possibilidade de acesso quanto pela confiança nas informações. Dessa forma, a literacia midiática promovida por estes veículos digitais não chega até essas pessoas de forma efetiva, já que pode não passar por um dos princípios básicos, que é o acesso aos conteúdos. Portanto, o Quebrando o Tabu representa um passo importante na literacia em nossa sociedade, mas ainda insuficiente. Comparativamente à crescente, porém ainda média presença da internet no Brasil, as televisões estão nas casas da grande maioria dos brasileiros, o que os torna suscetíveis ao não-pensamento crítico, por estarem imersos no mesmo modelo de comunicação de massa em que o usuário não é estimulado a pensar, questionar ou duvidar da veracidade daquela informação vista e ouvida, além de estarem expostos a restritos pontos de vista, sendo eles apenas os das emissoras. Esse cenário reforça a importância de termos políticas públicas eficientes que promovam a literacia midiática no nosso país para atingir a população em maior escala. Enquanto isso não acontece, contamos com iniciativas menores em alcance, porém de enorme valor,como o Quebrando o Tabu que chamem a atenção para a insistente desatenção do nosso país em relação a alguns princípios sociais básicos como ética no jornalismo e preocupação em se criar cidadãos pensantes.

REFERÊNCIAS:

Pesquisa Brasileira de Mídia -PBM 2016 (http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2016-1.pdf/view)

POTTER, James, 2010 Broadcast Education Association Journal of Broadcasting & Electronic Media ISSN: 0883-8151

O potencial dos games para uma literacia midiática e informacional

“Videogames são potencialmente bons lugares onde pessoas podem aprender a situar significados por meio de experiências corporificadas em um domínio semiótico complexo e refletir no meio destes processos. Os games exemplificam, de um modo especialmente claro, teorias melhores, mais específicas e corporificadas sobre significados, leitura e aprendizado” (GEE, 2003). Essa afirmação é do pesquisador norte-americano James Paul Gee em seu livro “What Video Games have to teach us about learning and literacy” (O que os videogames têm a nos ensinar sobre aprendizado e literacia) e ilustra bem como videogames têm um grande potencial para serem usados como plataformas educativas das mais diversas. Bons videogames ensinam sem precisar informar ao jogador que ele está aprendendo, de forma que o aprendizado acontece por meio de experiências práticas e abdutivas, onde o jogador tem papel central como produtor e receptor das mensagens do jogo.

A parte mais interessante se encontra quando relacionamos essa característica inerente aos jogos, do aprendizado prático e agenciador, ao paradigma comunicacional que vivemos hoje, marcado pela participação ativa dos usuários nas mídias. Games são, ao mesmo tempo, artefatos lúdicos e atividades que funcionam de maneira processual, em uma sequência de ações que envolvem jogo e jogador(es) no mesmo domínio semiótico. De fato, para jogar, o jogador deve entender, na prática, o funcionamento das estruturas simbólicas e materiais que está imbricado e produzir respostas criativas aos estímulos recebidos.

Assim sendo, essa natureza experiencial dos jogos, que suscita o protagonismo do jogador na produção de suas próprias narrativas emergentes (Jenkins, 2004), entrega aos interatores um ambiente propício para a aquisição de habilidades importantes para a literacia digital, midiática e informacional.

No documento Alfabetização midiática e informacional: diretrizes para a formulação de políticas e estratégias, desenvolvido pela Unesco (GRIZZLE, 2016), a instituição delimita diversos processos e práticas a serem aprimorados pelos usuários a fim de adquirirem uma compreensão mais crítica sobre as mensagens que estão expostos por meio das mídias que interagem. O estudo também determina habilidades necessárias para usuários produzirem conteúdos multicódigos criativos e inovadores por intermédio das ferramentas disponíveis nos computadores e na web.

A questão, que muitos estudiosos se debruçam sobre (podemos citar aqui, além de Gee, nomes como Kurt Squire, Constance Steinkuehler e Jane McGonigal), é que essas habilidades, tão importantes para que as pessoas possam exercer liberdade e autonomia comunicacional e se empoderarem frente aos conteúdos tendenciosos da grande mídia, são colocadas à prova nos videogames.

TEDTalk de Jane McGonigal

De maneira geral, todo videogame tem potencial para desenvolver alguma habilidade que esteja relacionada com a literacia digital, midiática ou informacional. Ou seja, até mesmo videogames comerciais, como estes que vendem milhões de cópias no mundo todo, podem ser dispositivos para uma aprendizagem ativa e crítica.

Por exemplo, jogos colaborativos, como Left 4 Dead (2008) e Don’t Starve Together (2016) desenvolvem estratégias de comunicação coletiva, participativa e não-linear; jogos de investigação, como L.A. Noire (2011) e Murdered: Soul Suspect (2014) suscitam uma leitura crítica e analítica das informações apresentadas, a fim de estabelecerem relações lógicas e temporais entre eventos; jogos de escapatória, que podem ser encontrados aos montes na internet, promovem uma literacia foto-visual, uma vez que o mapeamento e a atenção aos detalhes visuais na tela são essenciais para alcançar os objetivos do jogo; jogos de mundo aberto, como Grand Theft Auto 5 (2013) e The Witcher 3: Wild Hunt (2015) desafiam o jogador a encontrar e escolher caminhos dentre diversas possibilidades e enfrentar as consequências dessas decisões; MMORPGs, como World of Warcraft (2004) e Lineage II (2003), viabilizam a criação de sociedades complexas com leis próprias, onde jogadores de todas as partes do mundo participam do mesmo grupo de afinidade, quebrando barreiras geográficas para o estabelecimento de amizades, relacionamentos e diálogos interculturais.

Left 4 Dead (2008)

Seja por meio das mecânicas de jogo ou do contexto em que o videogame está retratado, o jogador pode adquirir e aperfeiçoar habilidades que serão de grande utilidade para uma atitude crítica e criativa frente tanto aos meios de comunicação de massa quanto à infinitude de informações na web.

Iniciativas de literacia midiática lúdica pelo mundo

A vocação dos videogames para a aquisição de habilidades de literacia midiática e informacional é tanta que diversas iniciativas na Europa e na América do Norte estão desenvolvendo games como plataformas eficientes para essa finalidade.

O site Media Smarts, do Canadá, apresenta diversos games educacionais para crianças, adolescentes e jovens sobre discursos de ódio, propagandas maliciosas, políticas de privacidade entre outros. Em Portugal e Austin, no Texas, o GAMILearning Project desenvolve jogos e estudos com crianças entre 9 e 12 anos com o intuito de compreender como games auxiliam na literacia midiática. Nos Estados Unidos, o Media Literacy Clearing House cria aplicativos e jogos para auxiliar professores em sala de aula a desenvolverem atividades que alunos possam interagir e elaborar conteúdos se utilizando de diversas linguagens, seja do cinema, do lúdico ou da internet; e o game Digital Compass, desenvolvido pela Common Sense Media, é uma aventura interativa sobre a hipertextualidade.

Novamente, em Portugal, o projeto EduScratch oferece uma plataforma cooperativa para que jovens possam desenvolver ativamente habilidades de resolução de problemas para o século XXI. Na França, o site PédaGoJeux apresenta diversos conteúdos a respeito dos aspectos positivos e negativos dos videogames com relação a educação. Na Áustria, o game DataDealer coloca o jogador no papel de um hacker que coleta informações pessoais e de instituições e as vende para terceiros, deixando em foco a problemática do big data e seus possíveis usos negativos.

Data-Dealer2

Data Dealer (2013)

Na Eslováquia, o projeto Vĺčatá.sk demonstra como jogos digitais podem contribuir para uma educação inovadora, crítica e voltada para o futuro. Por fim, os NewsGames selecionados pela curadoria da Games for Change, tratam de diversos temas contemporâneos mundiais centralizados no papel da mídia na construção das narrativas sociais.

Referências:

GEE, James Paul. What video games have to teach us about learning and literacy. New York: Palgrave/St. Martin’s, 2003.

GRIZZLE, Alton, MOORE, Penny, DEZUANNI, Michael at al. Alfabetização midiática e informacional: diretrizes para a formulação de políticas e estratégias. Brasília: UNESCO, Cetic.br, 2016. 204 p., ilus.

JENKINS, Henry. Game design as narrative architecture. In: First person: new media as story, performance, and game. London: The MIT Press, 2004.

YouTubers: a alma do negócio

Recentemente uma pesquisa realizada pela Provokers, encomendada pelo Google e pela revista Meio & Mensagem, elegeu as 20 personalidades brasileiras mais influentes entre jovens de 14 a 17 anos, da qual metade, é composta por YouTubers. Pessoas que produzem conteúdo em formato de vídeo, muitas vezes de forma despretensiosa.

A pesquisa chamada de “Os novos influenciadores: quem brilha na tela dos jovens brasileiros” indica as personalidades de vídeo mais admiradas por adolescentes em seis regiões do País.  O estudo contou com mil entrevistados que apontaram como preferidos diversos produtores de conteúdo independentes do YouTube. A pesquisa demonstra de forma evidente, a força dessas novas celebridades, que ainda não têm um alcance tão grande quanto a dos atores de grandes emissoras, mas geram um engajamento muitas vezes às vezes até maior.

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(Imagem: Meio & Mensagem)

Mas porque meros desconhecidos influenciam tantos jovens?

A nossa forma de consumir conteúdo passou por diversas transformações sociais e tecnológicas para chegar à forma como conhecemos e estamos acostumados hoje. De acordo com Jenkins (2008) estamos inseridos em um novo contexto tecnológico e social, a chamada cultura da convergência, que poderia ser definida como local onde a mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis. Em outras palavras, o que o autor classifica como cultura da convergência é a capacidade das novas mídias se relacionarem com as mídias tradicionais e com os próprios consumidores, que já não se mostram passivos.

Mas pensando pela perspectiva da literacia midiática, tudo se encaixa por um fator principal: a nova geração de consumidores, esses mesmos jovens de 14 a 17 anos, encarara a Internet como plataforma e não como produto. E é nesse necessário que tudo muda e ganha sentido. Para Jenkins, o que caracteriza o sistema de integração digital no qual estamos inseridos, é a capacidade de abranger inúmeras expressões culturais. A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que sejam. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com os outros. Cada um de nós constrói suas próprias narrativas pessoais, a partir de pedaços e fragmentos de informações extraídos do fluxo midiático e transformados em recursos através dos quais compreendemos a vida cotidiana.

Com esse novo panorama e a propagação das redes sociais, o YouTube surge como uma nova alternativa para se produzir e distribuir conteúdo de forma simples, descentralizada e não hierarquizada. Assim, a geração atual tomou o YouTube como uma espécie de bandeira: é nele que expressam o que pensam e determinam o que gostam. O usuário escolhe o que ver, como ver, quando ver e participa em tempo real da sua construção.

Mas o que chama atenção de fato, é o caráter revolucionário que isso representa. Um dos principais motivos para tamanho sucesso, sem dúvida, é a insistência em se levar pra frente, um modelo antigo e quase falido de se produzir conteúdo. Os jovens querem proximidade, diversidade e comodidade. Os YouTubers surgem assim, como uma grande alternativa ao clichê e ao comum. Nascem personagens do cotidiano, que por vezes, acabam se tornando grande celebridades.

BURGUESS, Jean; GREEN, Joshua. YouTube e a Revolução Digital: como o maior fenômeno da cultura participativa está transformando a mídia e a sociedade. São Paulo: Aleph, 2009.

JENKINS, Henry.  Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008.

 

O outro lado da Web 2.0: como a literacia midiática pode ajudar?

Estamos vivendo uma época de grandes transformações. Os discursos apocalípticos de que as velhas mídias vão morrer foram substituídos pela consciência de que, na verdade, o que mudou foi nossa relação com as mídias. As antigas formas de produção e consumo estão se transformando. Novas possibilidades e níveis de participação estão surgindo para se adaptar ao novo ambiente midiático.

A cultura digital e a convergência midiática (JENKINS, 2009) possibilitaram que as barreiras entre produção e consumo se misturassem.  Os antigos receptores passivos se transformaram em uma audiência ativa, prossumidora (SANTAELLA, 2013) em direção a uma cultura participativa. Esta se caracteriza pela possibilidade que os consumidores têm de participar ativamente na produção e transmissão de conteúdo de forma colaborativa. “Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente” (JENKINS, 2009, p. 47).

Web 2.0 words

Segundo os autores Meikle e Young (2012), o desenvolvimento da web 2.0 alterou o comportamento dos usuários:

 “We can now also access more kinds of material, we can organize media content in new ways for ourselves and others, we can remix, remake and reimagine digital media texts, we can collaborate on all of the above and we can distribute or share what we’ve found or made” (KEIKLE; YOUNG, 2012, p. 104)

As palavras destacadas pelos autores, principalmente “acesso” e “compartilhamento”, estão diretamente ligadas à facilidade de se comunicar no ciberespaço.  Hoje em dia qualquer pessoa pode ter um blog ou criar uma página no Facebook para escrever sobre o que quiser – ou mesmo usar seu próprio perfil para isso. O fato de a internet passar a impressão de proteger o usuário, o encoraja a compartilhar, comentar e criar conteúdo.  A facilidade de acesso, de se comunicar e de compartilhamento deu maior autonomia para que qualquer pessoa pudesse se expressar.

Se por um lado os usuários têm total liberdade para participarem das discussões, produções midiáticas, em contrapartida, não há tolerância para outras visões e opiniões. Tanta facilidade fez com que as pessoas se tornassem acomodadas. Resultado: não há mais diálogo. Os usuários estão produzindo e compartilhando aquilo que acreditam sem procurarem buscar o outro lado ou sem pensarem nas consequências.

As páginas relacionadas à política no Facebook, assim como as de notícias, são o ambiente favorável onde mais essa manifestação acontece. Baste ler alguns poucos comentários para perceber a forma como as pessoas são intolerantes com as opiniões dos outros e a falta de um diálogo aprofundado entre eles.

Mas como mudar essa realidade?

A literacia midiática, ao mesmo tempo em que é um pré-requisito para cidadania ativa, liberdade de informação e expressão e habilita o cidadão para o pensamento crítico (BORGES, 2017), ela também pode ajudar a ampliar o diálogo cultural e reduzir a intolerância que encontramos hoje nas redes sociais digitais.

Segundo a UNESCO (2016, p. 12) “no mundo atual, guiado pela tecnologia e saturado pelas mídias, os cidadãos (homens, mulheres, meninos e meninas) precisam de competências para se engajar no uso de mídias e outros provedores de informação, incluindo aqueles na internet”. No cenário atual, com cada vez mais informação e conteúdo circulando a todo instante na internet e com o constante desenvolvimento de tecnologias e formas de comunicação, nunca foi tão importante pensarmos na literacia midiática. Afinal, é preciso utilizar as novas possibilidades para expandir as discussões, debates e compartilhar conhecimento em vez de reduzi-las a um fluxo unilateral característico do paradigma da radiodifusão.

Referências:

BORGES, Gabriela. Literacia das mídias e das artes: introdução ao debate. Slides de aula. 2017

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. 2ª ed. São Paulo: Aleph, 2009.

MEIKLE, Graham; YOUNG, Sherman. Media Convergence: Networked digital media in everyday life. New York: Palgrave Macmillan, 2012.

SANTAELLA, Lúcia. Comunicação ubíqua: repercussões na cultura e na educação. São Paulo: Paulus, 2013.

UNESCO. Alfabetização midiática e informacional: diretrizes para a formulação de políticas e estratégias. Alton Grizzle; Penny Moore; Michael Dezuanni e outros. – Brasília: UNESCO, Cetic.br, 2016.

Iniciativa no MT integra empresa privada e setor público na capacitação de professores para a linguagem audiovisual

Organizações em prol da literacia midiática reforçam, dentro as suas diretrizes, a importância da capacitação dos professores nessa área para que os mesmos estejam aptos a desenvolver as competências críticas nos seus alunos. Em alguns países, isso já é uma realidade, mas no Brasil ainda caminhamos a passos lentos nesse sentido. Por isso, é fundamental destacar iniciativas pioneiras que buscam essa capacitação, como é o caso de um curso de linguagem audiovisual oferecido a professores da rede estadual do Mato Grosso pela empresa Cocriativa, em parceria com a Secretaria de Estado de Educação, Esporte e Lazer (Seduc). O curso faz parte do projeto “O que queremos para o mundo?”, que busca sensibilizar o público infanto-juvenil para uma atuação ativa em prol de um mundo melhor.

A capacitação, que ocorreu em agosto deste ano, tem algo interessante, que vai além da própria matéria trabalhada com os participantes: trata-se de uma iniciativa de uma empresa privada juntamente com o poder público, contemplando o que relatório Study on the Current Trends and Approaches to Media Literacy in Europe recomenda, sobre a atuação de empresas e profissionais especializados, assim como dos órgãos governamentais, nesse processo de alfabetização midiática.

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As discussões ocorrem ao longo de três dias e, conforme reportado no site do Governo do Estado do Mato Grosso, os professores que participaram, envolvendo desde novatos até docentes com mais de 20 anos de carreira, receberam um manual completo para a realização de dinâmicas e oficinas para crianças de 11 e 12 anos. Essa iniciativa contempla, portanto, diretrizes como as desenvolvidas pela comissão europeia e as da Unesco, que vislumbram a capacitação dos professores para a alfabetização midiática e a oferta de um material concreto que possa direcioná-los nesse trabalho.

De acordo com uma das formadoras da Cocriativa, Maria Elisa Macedo, um dos objetivos do curso foi despertar os professores para que vejam o cinema como um meio educacional. “Queremos que eles que eles tragam a arte para a escola, que eles possam multiplicar, assim como os próprios alunos, essas ações para fora dos muros da escola, e se eles conseguirem isso é o nosso grande feito”. Com essa fala, Maria ressalta a importância da expansão do conhecimento e da cooperação, levando as habilidades aprendidas para além das salas de aula, formando uma sociedade alfabetizada em mídia como um todo.

Em entrevista para o portal Mato Grosso Mais, Vitor Drumond, um dos responsáveis pelo projeto, disse: “Acredito que o audiovisual pode ser uma ferramenta pedagógica poderosa, principalmente em tempos de tanto estímulo tecnológico, mas é importante lembrar também que ele deve ser pensado de forma crítica e, ao mesmo tempo, sensível. A ideia é fazer com que os professores produzam, a partir disso, conteúdos audiovisuais próprios e expressos pelas crianças”.

Vitor destaca um outro ponto fundamental da literacia: para produzir conteúdos relevantes é fundamental ter a habilidade para avaliar criticamente o que nos é oferecido atualmente. Ou seja, crianças e adolescentes em formação precisam aprender a avaliar criteriosamente o conteúdo que a mídia veicula para que possam ser despertados a produzirem de maneira criativa e com qualidade.

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A literacia, para se tornar uma realidade, precisa ser trabalhada em vários setores da sociedade e com a participação dos órgãos governamentais, dos profissionais de Educação, das empresas e profissionais da mídia, da sociedade civil e da família. Iniciativas como a citada neste post precisam ser divulgadas, de modo a incentivar novas parcerias entre o setor privado e público em prol dos ideais de promoção de competências tanto para receber o conteúdo midiático como para criar conteúdos e interagir melhor com os meios.

Para saber mais sobre o projeto, confira a matéria no site do governo do MT e no portal Mato Grosso Mais.

Imagem 1: Seduc-MT.
Imagem 2: Preston School.

Por: Tatiana Vieira, mestranda em Comunicação do PPGCOM/UFJF.