Literacies

Início » Sem categoria » O futuro não será digital

O futuro não será digital

por Ramsés Albertoni

 

Vários pesquisadores na área de Inteligência Artificial pontuam que muitas das inovações tecnológicas já são realidade, pois todas as coisas estão conectadas sem bordas, objetos, máquinas e/ou artefatos, e já começaram a interagir de maneira inteligente, o que está gerando ações inteligentes responsivas ao comportamento humano. Dessa forma, o atual estágio de conexão proporcionado pelas novas tecnologias é considerado por alguns estudiosos como a quarta Revolução Industrial e a segunda Revolução da Internet, sendo que atualmente existem três camadas sobrepostas, quais sejam, a conectividade social, a conectividade híbrida e a arquiconectividade, conforme Lúcia Santaellla.

 

abciber cartaz

 

A conectividade social se relaciona à nova fase das chamadas mídias sociais, porquanto findou a euforia celebratória da Web 2.0, pretensamente democratizante, aberta à participação e ao compartilhamento de todos com todos, haja vista que os oceanos de dados e rastros dos indivíduos são manipulados por poderosos algoritmos e por um monitoramento total. A conectividade social, responsável por uma personalização extrema dos dados, gera as chamadas “câmaras de eco” ou “salas espelhadas”, em que tudo o que as pessoas veem e consomem são reflexo de si próprias, cuja consequência são as bolhas filtradas, as fake news e a pós-verdade, o que as torna mais vulneráveis a propagandas e manipulações. Dessa forma, deve haver uma formação educacional, uma literacia midiática, que habilite o indivíduo a colocar suas visões de mundo à prova.

A conectividade híbrida se refere à robótica e à conexão com o corpo humano, pois com os algoritmos evolutivos, os robôs são capazes de aprender à maneira de um organismo vivo dotado de inteligência; consequentemente, com a fusão do biológico-digital-físico são desenvolvidos os mais diversos dispositivos que permitem sua aplicação em diferentes áreas do saber.

A arquiconectividade, cuja camada comporta a internet das coisas, a realidade aumentada e as tecnologias portáteis, vestíveis e implantáveis, permite ambientes de computação em redes globais e ambientes imersíveis invisíveis, em um tecido de informação de abrangência mundial.

É preciso considerar, portanto, que a AI provoca uma ruptura naquilo que se concebe como sendo o humano, pois ela possibilita que máquinas aprendam com as experiências, se ajustem a novas entradas de dados e performem tarefas como seres humanos, pois se configuram a partir da deep learning e do processamento de linguagem natural. Com essas tecnologias, os computadores podem ser treinados para cumprir tarefas específicas ao processar grandes quantidades de dados e reconhecer padrões nesses dados.

Porém, deve-se ressaltar que Pierre Lévy pondera que não acredita na AI, pois no que se refere ao ser humano, toda inteligência é artificial, “salvo se dissermos que a inteligência humana é artificial desde o começo, pois, no fundo, a escrita já é inteligência artificial; já é a memória sobre o papel ou numa biblioteca. O que é isso? É a memória exterior ao organismo humano; sim, pois a memória é uma parte muito importante da cognição humana”.

Entretanto, Santaella pondera que essas transformações não se dão de modo homogêneo, uma vez que as diferenças sociais e históricas são abissais entre os países, e que os limiares tecnológicos apresentados descrevem o estado em que se encontra hoje a evolução do homo sapiens sapiens. Neste ponto, Santaella se aproxima da questão do “viés sistêmico”, apontado por Henri Jenkins, em Cultura da Conexão, ou seja, o modo como a criação/consumo de conteúdo é restrito e desequilibrado por características demográficas dos participantes/não-participantes, pois os recursos tecnológicos não superam outros fatores que dão forma ao acesso relativo de grupos diferentes ao poder comunicativo e cultural. Assim, a não-participação pode persistir quando se tem acesso técnico, mas não as habilidades e o conhecimento cultural exigidos para se participar plenamente do universo arquiconectado.


Deixe um comentário